A História pesa sempre na construção da identidade de um país. Em alguns casos, ela é mesmo invocada como factor decisivo na definição da consciência nacional de qualquer povo e mesmo como primeiro e último argumento para a reivindicação da sua independência. É por isso que a invocação da História serve muitas vezes para justificar conflitos e guerras mais ou menos duradouras e graves, como ainda acontece nos dias de hoje.
A prova mais visível e dramática desta afirmação foi a guerra do Kosovo cujas sequelas não foram ainda totalmente ultrapassadas, apesar da paz imposta há dez anos pela comunidade internacional. Foi uma guerra em que os principais contendores, sérvios e albaneses, sempre invocaram a História como motivo principal para as suas tensões. Já na actualidade, o caso mais recente de um conflito grave que tem a ver com a História, mas que por enquanto ainda é só diplomático, é o que diz respeito à Crimeia. E classificámo-lo com conflito grave, porque mexe com os interesses e princípios antagónicos dos Estados Unidos, da União Europeia e da Rússia, para além da Ucrânia, naturalmente.
A Crimeia é uma península de vinte e seis mil quilómetros quadrados e dois milhões de habitantes. Situa-se mo leste da Europa e a sua soberania é reivindicada pela Ucrânia e pela Federação Russa. Trata-se de uma disputa que assume contornos particularmente graves, por via do contexto internacional em que surgiu e em que pode evoluir. Vladimir Putin sabe utilizar habilmente situações como esta para explorar o sentimento nacionalista e patriótico do povo russo. Não foi sem motivo que o presidente russo se deslocou recentemente àquela península para celebrar em clima festivo o quinto aniversário da sua anexação por Moscovo.
A História confirma que a Crimeia tem uma forte ligação à Ucrânia e à Rússia. Em 1783, a península foi conquistada e incorporada no Império Russo. Em 1917, tornou-se uma república autónoma da então criada União Soviética. Finalmente, em 1954, Nikita Krushev entregou a sua soberania à Ucrânia como prova da amizade indestrutível entre os dois países. No entanto, a proclamada solidez dessa amizade não resistiu, por um lado, à queda do império soviético e, por outro, à aproximação que a Ucrânia começou a fazer ao Ocidente, desde então. Foi uma aproximação que Moscovo interrompeu há cinco anos o que valeu a Putin um aumento substancial da sua popularidade entre os eleitores russos...
Recuperar a Crimeia é apenas a mais recente das iniciativas de Putin no sentido de refazer o império russo sem recorrer à arma da ideologia comunista. De qualquer modo, afigura-se claramente exagerado, e é pelo menos discutível, o argumento de que aquela península terá sido o berço da pátria russa, como defende Moscovo. Trata-se de mais um caso de instrumentalização da História.
Só que, nesta disputa à volta da Crimeia, bem se pode afirmar que a única certeza parece ser a de que a História não ajuda muito…
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