Longe vão os tempos de apogeu de uma das instituições de solidariedade com mais tradição na cidade lisboeta. A Fundação “Obra do Ardina” atravessa um período complicado de sobrevivência, com muitas dificuldades económicas, o que pode reflectir-se no bem-estar das crianças e jovens que lá vivem.
Idealizada pelo padre Moreira das Neves, em colaboração com Maria Luísa Garcia e um grupo de mulheres noëlistas da época, a “Obra do Ardina” surgiu como associação em 1942, destinada exclusivamente à protecção dos ardinas da cidade de Lisboa. Ao longo dos anos sofreu alterações decorrentes das necessidades sociais e é hoje uma Fundação com natureza jurídica de Instituição Particular de Solidariedade Social (I.P.S.S), destinada a ajudar e a acolher crianças e jovens de todo o país que se encontrem em situação de risco familiar e/ou psicológico.
A Obra do Ardina tem, actualmente, a seu cargo 36 crianças e jovens residentes nos três lares em Lisboa, embora possua capacidade para 52 internos. Alexandre Martins, responsável há cerca de três décadas pelos destinos da instituição e colaborador da Obra há quase cinquenta anos, reconhece as graves carências financeiras que a instituição vive. “Já não recebemos ninguém há mais de um ano, por falta de obras no Lar dos Jovens. Continuamos, sentados, à espera de fundos”, afirma ironicamente o director.
A Obra está dividida em três lares distintos, consoante as idades das crianças e jovens: o lar “Jovens do Ardina”, para os mais velhos, o “Ardinitas” que acolhe os mais pequenos, com idades entre os seis e os treze anos, e o “Ardijovem”, que funciona como patamar intermédio entre os dois anteriores. A maioria dos utentes são crianças órfãos ou provenientes de famílias disfuncionais, alguns com os pais detidos, outros filhos de toxicodependentes e prostitutas e que são encaminhados para a Obra do Ardina através do Instituto de Segurança Social, do Tribunal de Menores e de outras instituições de natureza semelhante. “A manutenção desta casa tem custos muito elevados”, diz Alexandre Martins, acrescentando que o seu financiamento resulta exclusivamente de “protocolos estabelecidos com a Segurança Social, que não cobrem mais de um terço das despesas, e de dádivas que nos chegam de particulares e algumas empresas”.
O fecho dos três centros de A.T.L, devido ao o prolongamento do horário escolar, também veio emagrecer ainda mais as receitas da fundação, bem como, o corte nos fundos destinados à formação profissional. “Tínhamos formação profissional subsidiada desde os anos 60, o que, com a redistribuição desse dinheiro, dava para equilibrar as contas, mas agora está suspensa”, lamenta Alexandre Martins.
A instituição conta com o trabalho diário de cerca de 60 pessoas, com uma equipa técnica constituída por três assistentes sociais, dois psicólogos e uma educadora de infância. Além disso, sete voluntários ajudam as crianças no apoio ao estudo acompanhado. O quotidiano dos “ardinas” é passado entre a escola e a instituição. Luísa Baptista, educadora de infância na Obra há oito anos, faz questão de salientar que as crianças também frequentam variadíssimas actividades extra-curriculares. “Temos um menino no violino, outro no futebol”, exemplifica Luísa Baptista, acrescentando que a IPSS também possui um coro de música. Quanto aos mais velhos, alguns com dezassete anos, o estabelecimento de um projecto de vida, passa, muitas vezes, pela frequência de cursos de formação profissional ou pela inscrição em programas ocupacionais, enquanto procuram um emprego.
O Solidariedade conheceu apenas o Lar dos “Ardinitas” e pôde observar a falta de condições existentes na casa. As paredes possuem infiltrações, o prédio é antigo e escuro e as crianças não têm nenhum espaço exterior para brincarem, sendo que ao fim-de-semana estão entregues ao cuidado de um único monitor. Alexandre Martins reconhece estas fragilidades, mas adianta que “é isto que temos”. Os fins-de-semana estão reservados para as visitas familiares ou de famílias de afecto, devidamente autorizadas pelas entidades competentes. Luísa Baptista explica que “as famílias também são chamadas aquando a celebração de momentos importantes na vida dos meninos, como o crisma ou a primeira-comunhão e em situações escolares”, afirma.
A Obra do Ardina também presta apoio, em regime ambulatório, a diversas pessoas que procuram ajuda para dificuldades pontuais aos mais diversos níveis. O jornal “O Ardina” constitui igualmente outra fonte de receita para a IPSS e é o elo de ligação entre a instituição e a comunidade, enviado trimestralmente a cerca de oito mil assinantes. Em 2006 a venda do periódico ultrapassou os 52 mil euros, não só em assinaturas, mas também na distribuição às portas das igrejas. “Ao fim-de-semana, a minha mulher e eu vamos de igreja em igreja para vender o jornal e levamos um ou dois meninos connosco”, explica o director. “Escolho aqueles que não têm para onde ir e ficam cá todos os dias”, acrescenta Alexandre Martins.
A Obra possui outra casa em Martim Joanes utilizada como colónia de férias, mas que futuramente se poderá transformar noutro lar. “É uma casa muito boa e pensamos vir a criar um lar nessas instalações”, afirma Alexandre Martins escusando-se a apontar prazos para a concretização desse objectivo, não fosse esta uma altura de graves carências económicas para uma instituição com mais de meio século de existência.
Data de introdução: 2007-04-02