Poucas unidades de internamento e equipas de apoio domiciliário, falta de profissionais qualificados e dificuldades de acesso dos utentes caracterizam os cuidados a doentes terminais em Portugal quatro anos após a publicação do Programa Nacional de Cuidados Paliativos. Estimativas da Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos (APCP) apontam para que existam em Portugal cerca de 60 mil novos doentes terminais por ano que precisam de apoio, enquanto o número de profissionais a trabalhar nesta área não deverá ultrapassar os 120.
"A resposta em termos de cuidados paliativos é manifestamente insuficiente", disse Isabel Neto, presidente da APCP. Segundo a responsável, os técnicos "não chegam para as encomendas" e só deverão conseguir acompanhar uma média de três mil doentes por ano. O reduzido número de profissionais de saúde qualificados nesta área, a falta de respostas ao nível do apoio domiciliário e as dificuldades dos doentes em aceder aos cuidados devido ao deficiente encaminhamento são os principais problemas identificados por Isabel Neto, também responsável da Unidade de Cuidados Paliativos do Hospital da Luz.
"Esta é uma área onde é preciso apressar o passo. São precisos planos estratégicos, dar formação aos médicos e criar vagas bem remuneradas para os profissionais poderem trabalhar", defendeu. Considerou que os cuidados paliativos não podem ser uma área menor, defendendo que a possam vir a ser uma especialidade médica. "A médio e longo prazo defendemos que sejam uma especialidade médica. Neste momento pode ser precoce, mas iremos discutir isso com a Ordem dos Médicos para avançar, senão para especialidade médica, pelo menos para que seja uma área de diferenciação", disse.
A mesma aposta na formação defende Alice Cardoso, responsável pelo grupo de trabalho dos Cuidados Paliativos da Unidade de Missão para os Cuidados Continuados de Saúde, do Ministério da Saúde, que admite que em Portugal a taxa de cobertura deste tipo de cuidados "é pouco superior a zero".
De acordo com aquela responsável, até final do mês estavam em funcionamento oito unidades de cuidados paliativos, uma das quais privada, sendo que apenas cinco destas funcionam na Rede de Cuidados Continuados Integrados, o que representa uma capacidade de internamento de 70 camas em todo o país. A insuficiência de camas para internamento, Alice Cardoso acrescenta as dificuldades de identificação e de encaminhamento dos doentes por parte dos profissionais de saúde.
"Existe pouca referenciação de doentes para os cuidados paliativos e essa referenciação faz-se muito tardiamente. Assim, apesar da pouca capacidade de resposta, chegamos a ter vagas em algumas unidades", disse a responsável do grupo de trabalho.
Por isso, muitos doentes chegam às unidades ou começam a ser acompanhados pelas equipas dos hospitais a poucos dias de morrerem e menos frequentemente chegam no último mês de vida, acrescentou. Para agilizar a identificação de doentes que necessitam de cuidados paliativos, ainda durante este semestre deverá começar a formação de profissionais para que "aprendam a referenciar para paliativos".
Segundo Alice Cardoso, que lidera o grupo de trabalho desde Dezembro, é preciso passar da fase da sensibilização dos hospitais para a necessidade de criação de unidades paliativas e começar a preparar o terreno para criar alguma capacidade de resposta. A responsável, que visitou todas das Administrações Regionais de Saúde para estimular a instalação de unidades, afirma ter o compromisso de "meia dúzia de hospitais" para a criação de espaços de internamento ou equipas intra-hospitalares.
As metas estabelecidas pela Rede Nacional de Cuidados Continuados apontam para que em 2008 existam em Portugal 326 camas de internamento para cuidados paliativos. Isabel Neto, da APCP, sustenta, por seu lado, que os cuidados paliativos não são apenas "uma questão de camas", mas antes de ter profissionais "bem treinados e formados", porque, segundo afirmou, onde há camas por vezes falta formação e a qualidade dos cuidados prestados é muito deficitária. "Temo que em 2009 se aposte numa "política de betão" de abertura de unidades e não na qualificação dos profissionais e na promoção do acesso dos doentes a estes cuidados", disse.
A responsável questiona ainda a falta de apoio domiciliário e defende a comparticipação total dos medicamentos opiáceos como a morfina. Alice Cardoso reconhece que o apoio domiciliário é a "área mais frágil" e que se articula com os cuidados primários e continuados de saúde, duas áreas também em reformulação.
Relativamente aos medicamentos, Alice Cardoso considera que a comparticipação a 50 por cento é "injusta" relativamente a doentes crónicos que têm medicamentos grátis. "Não é justo que um doente com SIDA tenha direito a antiretrovirais grátis e tenha que pagar os opiáceos para aliviar as dores", disse Alice Cardoso.
Adiantou que a comparticipação a 100 por cento destes medicamentos está em estudo há alguns anos e prometeu apresentar "superiormente o tema para que, finalmente, se obtenha uma resposta".
Confrontada com as estimativas de doentes que em Portugal necessitam de cuidados paliativos, Alice Cardoso disse que a grande aposta é em formar unidades, definir critérios e aumentar a referenciação de doentes. "Se tivesse muitas camas estava preocupada com os números, assim estou mais preocupada com quantas unidades vou abrir e em criar alguma capacidade de resposta porque neste momento temos uma cobertura pouco superior a zero por cento", disse.
Os doentes com cancro e SIDA são os rostos mais visíveis das pessoas que precisam de cuidados paliativos de saúde, que visam assegurar a melhor qualidade de vida possível aos doentes terminais e suas família, mas em quantidade são os pacientes com doença obstrutiva crónica, insuficiência cardíaca e doenças neurológicas que têm maior expressão.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) prevê a existência de 80 a 100 camas de cuidados paliativos por milhão de habitantes, o que representaria pelo menos 800 em Portugal, e equipas de cuidados paliativos em todos os hospitais e centros de saúde.
05.03.2008
Data de introdução: 2008-03-10