O ciclo político que agora se inicia, marcado pela transferência do poder entre organizações partidárias, envolve necessariamente transformações, substanciais e formais, no relacionamento das instituições particulares de solidariedade social com o Estado nos dois diferentes níveis em que o mesmo, basicamente, se consubstancia.
Referimo-nos, por um lado, ao exercício dos poderes constitucionais de fiscalização e, por outro, à obrigação, também, constitucional de apoio ao desenvolvimento das actividades institucionais.
Seja qual for, porém, o nível em que nos situemos, fica a ideia de que a CNIS se verá envolvida num conjunto de problemáticas que terá de saber enfrentar por forma a atingir alguns dos seus objectivos essenciais.
Trata-se genericamente de adoptar as posições que se lhe exigem na defesa do quadro de valores comum às IPSS, muito especialmente, no que respeita à preservação da respectiva identidade e autonomia, sem esquecer o desenvolvimento e alargamento da base de apoio da solidariedade.
Muito em particular e no que se refere ao primeiro dos níveis referenciados, importa promover a discussão e obter consensos alargados relativamente ao âmbito, sentido e limites da intervenção fiscalizadora estatal sobre as IPSS que, em muitos casos, assume formas manifestamente desproporcionadas e, enquanto tal, atentatórias do núcleo essencial do direito e da liberdade de associação.
Face ao crescente desrespeito pelo seu estatuto particular, interessará sobremaneira equacionar urgentemente a extensão e o âmbito dos sobreditos poderes de fiscalização, limitando-os à averiguação e consequente pronúncia sobre a conformidade legal ou estatutária das deliberações dos corpos gerentes, bem como sobre a regularidade das operações financeiras, incluindo as de aplicação de fundos.
Por outro lado, mas não menos importante, a CNIS terá de colocar na primeira linha das suas prioridades a criação de condições de apoio técnico e financeiro que, estável e sustentadamente, permitam o incremento qualitativo da actividade sócio-educativa da rede solidária de equipamentos e serviços, bem como, porque não dizê-lo e acentuá-lo, a adopção de um justo e equilibrado estatuto retributivo para os trabalhadores do sector.
De facto, as IPSS atravessam um período de especial instabilidade económica que põe em causa o seu modelo alternativo de desenvolvimento, porquanto influi, entravando, o processo de motivação tendente à desejável alteração do seu paradigma de intervenção.
E não podemos esquecer que tal motivação constitui o ponto de partida para o aprofundamento ou renovação de uma cultura solidária que, baseada na mobilização do voluntariado social, na proximidade, na participação e no envolvimento comunitário, seja reconhecida e valorizada como factor de legitimidade e de eficácia na resolução dos problemas sociais que o país atravessa.
A CNIS não ignora a indispensabilidade do comprometimento pessoal e familiar ou a necessidade de incrementar iniciativas de economia social capazes de gerar recursos próprios a envolver na sustentação, qualificação e incremento das condições de segurança das actividades das instituições.
Tal contudo não quer dizer que deixará de se empenhar no efectivo cumprimento por parte do Estado da sobredita obrigação constitucional de apoio que não só incorpora o dever de reconhecimento, valorização e respeito pelas iniciativas particulares, como muito especialmente se deve concretizar no contexto de uma política de cooperação que traduza uma verdadeira cultura de parceria no relacionamento mútuo.
E neste mesmo âmbito, desde logo, haverá que ultrapassar as dificuldades de implantação e as intermitências de funcionamento (quando não o aproveitamento) das instâncias legalmente instituídas para acompanhamento e avaliação dos protocolos e acordos celebrados, quer nacionais, quer locais.
Como, outrossim, haverá que inverter a tendência para o desinvestimento no esforço de apoio técnico e financeiro do Estado, situação particularmente alarmante nos casos em que se trata de actuar em zonas de forte debilidade estrutural, junto de pessoas com um elevado grau de vulnerabilidade sócio-económica ou de prestação de serviços de superior complexidade técnica.
Só assim o Estado, como lhe compete, assumirá uma posição de parceria com as instituições particulares de solidariedade na concretização de objectivos que também são seus, nomeadamente, a melhoria do bem estar e da qualidade de vida, a efectivação dos direitos económicos, sociais e culturais e a promoção do desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional.
PS: Acaba de ser conhecida a composição do novo Governo, aí incluído o titular da pasta da Solidariedade. Aproveitando para saudar o novo Ministro, cumpre fazer votos para que, findo o seu mandato, possa entrar para a galeria dos saudosos Dr. Silva Peneda e Dr. Rui Cunha.
* Presidente do Conselho Fiscal da CNIS
cfern@mail.telepac.pt
Data de introdução: 2005-04-02