JULHO DE 2014

Sobre Caminhos e Valores

1. A economia e a sociedade portuguesa estão a viver uma crise profunda, com impactos ainda difíceis de avaliar, mas onde se destacam:

- Alteração da estrutura demográfica;

- Enorme destruição de emprego;

- Queda de rendimentos;

- Risco elevado de agravamento das desigualdades sociais, com a concentração da riqueza e a destruição da classe média.

Uma crise económica tão profunda e tão prolongada, como a que vivemos, conduziu a um processo de mobilidade social descendente. Mobilidade que se expressa, nomeadamente, por:

- Agravamento da intensidade da pobreza;

- Alargamento significativo dos setores sociais em situação de pobreza efetiva;

- Fragilização acrescida dos grupos de risco;

- Recuo dos padrões de vida e aumento da insegurança das classes intermédias;

- Risco de marginalização de setores relevantes da juventude;

- Tendência para a exclusão social dos desempregados de muito longa duração e de baixas qualificações.

A crise ameaça, igualmente, a disposição solidária das comunidades enquanto a sustentabilidade económica e financeira do setor solidário é duplamente pressionada, por escassez de recursos e pelo aumento das necessidades sociais em dimensão e profundidade.

 

2. Sob o lema “solidariedade: novos caminhos - valores de sempre", a CNIS realizou o seu Congresso temático. Algumas proclamações sobressaíram:

- Sem Estado social não há Estado de direito.

- O Estado Social não é uma consequência inevitável de um dado desenvolvimento económico mas escolha e ambição de uma sociedade. O processo de escolha decorre dos níveis de coesão e de solidariedade que constituam a ambição dessa sociedade.

- O modelo social europeu é o reflexo de uma organização económica que se baseia no funcionamento do mercado com relevante regulação pública, que considera a educação como direito universal, o acesso generalizado à saúde, a segurança contra os riscos sociais, a equidade territorial, a promoção da igualdade, o combate às discriminações e um forte papel do diálogo social.

- Em termos de proteção social em Portugal estamos entre o “pouco e o demais”.

- A dimensão da solidariedade organizada autonomamente pelos agentes sociais é de elevada dimensão, desequilibrada territorialmente e complexa na sua diversidade e capacidade de representação.

- Não cabe à sociedade solidária gerar os recursos indispensáveis para garantir as respostas àquelas necessidades.

 

3. Onde deveria estar a pessoa humana como princípio e fim da organização social está o lucro, a rentabilidade ou a sustentabilidade a todo o custo e acima de tudo.

Onde deveria estar a relação/cooperação humana está a competitividade e a concorrência desenfreada sem regulação.

Onde deveria estar o bem comum está o bem de alguns numa lógica individualista.

Onde deveria estar a solidariedade está o egoísmo.

Onde deveria estar a subsidiariedade está o pragmatismo tecnocrático e centralista.

Onde deveria estar a organização numa lógica de abertura ao mundo e ao futuro, estão organizações fechadas em si mesmas.

Onde deveria estar a política como arte nobre sustentada nos princípios de serviço, de autenticidade, de liberdade, de equidade, de igualdade está a lógica de luta pelo poder a todo o custo e sem limites éticos.

Os desafios da sustentabilidade não podem levar o setor solidário a entrar no império do mercado, onde deve existir uma fronteira rigorosa entre a economia social e a economia privada.

É fundamental garantir o equilíbrio entre a intervenção social de natureza pública, a ação social de matriz solidária e associativa e a dimensão social da ação privada.

A solidariedade, como valor estruturante do setor solidário, supõe a consciência do outro, a comunicação e a reciprocidade. Exige um tipo especial de relacionamento com desempenho mútuo e de respeito, marcado pelo não à indiferença, pela aceitação da diferença, pela disponibilidade e pela aprendizagem.

O Estado tem de garantir a universalidade dos direitos sociais (as suas responsabilidades são indelegáveis) e deve contratualizar, preferencialmente, com o setor solidário, que tem na sua matriz o dar prioridade aos mais vulneráveis, prestando verdadeiro serviço público.

Esta contratualização não pode significar o “lavar de mãos” por parte do Estado na convicção presumida de que compete ao setor solidário “arregaçar de mangas”. Daí a necessidade de transparência e estabilidade na definição de fronteiras entre o Estado e a economia solidária e da contratualização do apoio público à economia solidária.

 

Lino Maia
 

 

 

Data de introdução: 2014-07-10



















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