PORTUGAL 2020

A porta dos Fundos

São mais de 25 mil milhões de euros. O Acordo de Parceria assinado com a Comissão Europeia prevê que Portugal possa aproveitar 25 mil milhões de euros até 2020, resultantes dos cinco Fundos Europeus Estruturais e de Investimento (Fundo de Coesão, FSE, FEADER e FEAMP. O Acordo adotou o nome de Portugal 2020 e representa a política de desenvolvimento económico, social e territorial para os próximos cinco anos, em consonância com a Estratégia Europa 2020.

O anterior ciclo de programação, que incluía o QREN, PRODER e PROMAR, está a dar as últimas e já se começa a dar conta dos sucessores: Portugal 2020, PDR2020 e o MAR2020.

Para aqui interessa-nos o Portugal 2020 com os quatro domínios temáticos: Competitividade e Internacionalização; Inclusão Social e Emprego; Capital Humano e Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos. Ao todo serão 16 os Programas Operacionais.

Para o setor social o programa Inclusão Social e Emprego é o que mais importa. Divide-se em três eixos prioritários: Promover a sustentabilidade e a qualidade do emprego; emprego jovem; promover a inclusão social e combater a pobreza e a discriminação. Estima-se que mais de metade das verbas deste programa operacional sejam destinadas às entidades do terceiro setor. E é preciso não esquecer que os programas operacionais regionais, a quem cabem a gestão de cerca de 40 por cento dos fundos, vão interagir com os restantes programas temáticos numa perspetiva de complementaridade e proximidade.

PENSAR DIFERENTE

É muito dinheiro. São muitas oportunidades para as organizações sociais. Mas é preciso começar a pensar de outra maneira. O Portugal 2020, com a lógica de apreciação de projetos, implementação de iniciativas e a avaliação de resultados, pretende distanciar-se das fórmulas passadas dos anteriores quadros comunitários.

Carlos Azevedo, presidente da ESLIDER-Portugal e doutorando da INSEAD–The Business School for the World, avisa as instituições particulares de solidariedade social para estarem muito atentas ao Portugal 2020 e aconselha uma mudança na abordagem aos programas: “A primeira coisa é começarem a estruturar projetos. Tradicionalmente não o têm feito. Costumam esperar que as linhas abram e só depois é que montam o projeto. Eu acho que deve ser ao contrário. Devem perceber a necessidade, fundamentá-la muito bem e só depois começar a elaborar a candidatura. A segunda coisa é começarem a profissionalizar as suas estruturas, sobretudo nas competências muito técnicas na área da economia e gestão. A burocracia deste quadro vai ser mais exigente em termos de report impacto e report financeiro. São competências que as organizações não têm e devem ter: auditores, revisores de contas, técnicos de contas. Em terceiro, muita formação que faça com que as organizações mudem a forma como olham para a realidade, como a percecionam e como podem construir projetos. As ideias têm que ser das organizações. Não fiquem à espera das empresas que trazem as soluções já construídas. As estruturas de cúpula, como a CNIS e as UDIPSS, devem organizar-se muito bem para apoiarem as instituições neste domínio.”

Carlos Azevedo assenta estas convicções não só no facto de ser um especialista em empreendedorismo social, mas também na experiência de oito anos como coordenador-geral da União Distrital das IPSS do Porto. Por saber da escassez de recursos e da fragilidade financeira que as instituições atravessam, muito por via da crise, adverte para a tentação de muitas IPSS admitirem que os fundos do Portugal 2020 podem servir para resolver problemas de solvência, financiamento, construções ou até de tesouraria. “Os projetos não devem ser infraestruturais. Uma das indicações que está dada pela Comissão Europeia é que eles têm que ser mais intangíveis e com impacto e muito menos infraestruturais que é o que tem acontecido em Portugal nos últimos anos.”

Para o léxico comum do universo da solidariedade organizada há duas designações com entrada garantida: empreendedorismo social e inovação social. São conceitos recentes, sobretudo no nosso país, que ganham matéria no âmbito do Portugal 2020.

Pelo conhecimento que tem Carlos Azevedo reconhece que as pessoas muitas vezes já chamam à inovação social uma coisa que ela não é. Sentem-na como uma tendência neo-liberal. Mas afirma que a inovação acontece desde sempre. “A primeira Misericórdia constituída em 1498 foi ela própria uma inovação social. Nós temos de evoluir no sentido de erradicar os problemas. As crises ajudam porque geram oportunidades, momentos para a criação de novas soluções para os novos e velhos problemas. As organizações devem contribuir para a resolução dos problemas. E que problemas? Os que estão a ser negligenciados e não aqueles que já estão a ser resolvidos. Ou que não têm solução como é o caso do assistencialismo que o Estado contratualiza. Têm que procurar solução para problemas ignorados.”

O antigo coordenador-geral da UDIPSS do Porto ilustra com um exemplo a missão das instituições: A resposta jardim-de-infância. “As mulheres começaram a integrar o mercado de trabalho. Surgiu um problema. Ou as crianças iam para a rua ou alguém se organizava para lhes dar um projeto educativo às crianças. A sociedade civil organizou-se e depois o Estado, que é míope, apropriou-se da solução criada pelas organizações sociais. Do meu ponto de vista esta é a sua função: identificar um problema que está ignorado pelo Estado, pela sociedade, e pelo próprio mercado, criar uma solução, transformar e, no limite, institucionalizar a resposta. Isto é cumprir a missão.”

NOVOS CONCEITOS

O governo criou a iniciativa Portugal Inovação Social e a estrutura de missão para a sua execução e definiu que pretende “estimular o aparecimento de soluções e modelos de intervenção inovadores, adequados a gerar novas respostas para problemas societais prementes na área social, bem como em outras áreas de política pública, entre as quais a saúde, a justiça, a educação e a igualdade de género”. Para além disso, o objetivo é “contribuir para o desenvolvimento e promoção de um mercado de investimento social em Portugal. Este é potenciado por instrumentos de financiamento inovadores”.

Para a liderança do Portugal Inovação Social o executivo chamou Filipe Santos, um especialista na área, formado em Economia pela Universidade Nova de Lisboa, com o mestrado em Gestão e Estratégia Industrial, no Instituto Superior de Economia e Gestão. Filipe dos Santos lecionou Empreendedorismo no campus de França do INSEAD, sendo também residente no campus de Abu Dhabi desta escola global de negócios. Filipe Santos, admite que está iminente o anúncio de “programas de financiamento para capacitação das iniciativas bem como para financiar o crescimento e disseminação de iniciativas já com alguma validação.”

A mudança de paradigma está subjacente na valorização da medição do impacto das iniciativas e na capacidade dos projetos mobilizarem investimento e gerarem receitas próprias na senda da sustentabilidade económica. São evidentes nos instrumentos já desenhados na resolução do Conselho de Ministros. O Fundo para a Inovação Social, dotado de 150 milhões de euros; os Títulos de Impacto Social, o Programa de Parcerias para o Impacto e o Programa de Capacitação para o Investimento Social.

O que vai acontecer nos próximos cinco anos, sobretudo na esfera de influência do Portugal Inovação Social, deve ser aproveitado pelas entidades do Terceiro Setor reconfigurando-se para lidar com os novos instrumentos.
O Laboratório de Investimento Social é um projecto do Instituto de Empreendedorismo Social e da Fundação Calouste Gulbenkian, em parceria com a Social Finance UK, uma organização britânica que criou os Títulos de Impacto Social em 2010. O Laboratório está a funcionar há dois anos e pretende promover o desenvolvimento de um mercado social em Portugal que permita às organizações com maiores restrições orçamentais atingir a sustentabilidade financeira.
António Miguel, o Coordenador do Laboratório de Investimento Social, que em Fevereiro lançou a Academia Código Júnior, a primeira Social Impact Bond (Título de Impacto Social), explica que “do bolo do POISE, que ronda os 2,4 mil milhões de euros, há uma franja pequenina mas significativa de 150 milhões de euros para financiar exclusivamente a inovação social, através do PIS. Para as organizações da Economia Social tudo o que havia antes vai continuar a haver, os acordos de parceria continuam a existir, as oportunidades de candidaturas a fundos comunitários, através dos Programas Operacionais”
Os Títulos de Impacto Social são um dos instrumentos criados. António Miguel esclarece que se trata de um mecanismo financeiro através do qual o Estado celebra um contrato com uma entidade gestora com base no cumprimento de resultados sociais determinados. O contrato prevê que os investidores financiem serviços de organizações sociais a médio prazo (geralmente três a cinco anos). As organizações implementam os serviços que visam melhorar as respostas sociais a um determinado problema. Se os resultados forem alcançados, o Estado devolve o investimento à entidade gestora acrescido de um retorno financeiro. Caso os resultados sociais previstos no contrato não sejam atingidos, o Estado não paga aos investidores, que perdem o investimento. “Este Quadro Comunitário tem muitas oportunidades para as organizações que consigam articular os seus resultados. E aqui convém distinguir o que é uma atividade do que é um resultado. Para uma organização que trabalhe com jovens desempregados as suas ações vão ser sessões de formação, acompanhamentos e outras, que são atividades. Resultados é saber quantos jovens integram o mercado de trabalho. Em quadros comunitários anteriores o financiamento estava muito direcionado para as atividades, mas no atual está muito focado nos resultados e acho que isso é uma oportunidade excelente para as nossas organizações sociais”.

Nas candidaturas é fundamental fazer a demonstração do modelo de intervenção e fazer prova de que conseguem resolver ou reduzir um problema social. Isso representa um valor económico que deve ser considerado. Por isso, as IPSS devem angariar desde logo um potencial investidor que podem ser autarquias, empresas, personalidades locais. “Isto é benéfico para as organizações sociais porque têm financiamento independentemente dos resultados; o Estado beneficia porque só paga se os resultados forem atingidos; e para os investidores é uma oportunidade de incrementarem projetos sociais e verem esse dinheiro reembolsado para poderem reinvestir. O risco está todo nos investidores coagindo-os a trabalharem em conjunto com as organizações sociais. Não é apenas passar o cheque. E aí acontece magia, porque as organizações começam a absorver competências do investidor e este a conhecer melhor a realidade da instituição. E muitas vezes colocam recursos próprios, humanos e financeiros, para trabalhar com as organizações e para fazer análises estatísticas e outras, o que ajuda a informar o que funciona e não funciona.”
António Miguel adverte, todavia, que o investimento social não é milagroso. É “mais uma forma para tentar ultrapassar os obstáculos que se colocam atualmente ao financiamento do terceiro setor”. Existem outras soluções como, por exemplo, os Fundos de Investimento Social ou a Filantropia Estratégica.

FILIPE SANTOS
O Desafio da Inovação Social

O Portugal2020 representa para o terceiro setor uma oportunidade de apostar na inovação social. A programação do novo ciclo de fundos para Portugal faz uma aposta, pioneira em termos Europeus, no financiamento a iniciativas de inovação e empreendedorismo social. Estas iniciativas tanto podem ter origem em start-ups sociais (novas associações, cooperativas ou mutualidades) como em projetos de inovação desenvolvidos por organizações do terceiro setor já estabelecidas.
Através da recém criada iniciativa do governo Portugal Inovação Social, vão existir programas de financiamento para capacitação das iniciativas bem como para financiar o crescimento e disseminação de iniciativas já com alguma validação. Embora concedidos sob a forma de subvenções não reembolsáveis, estes apoios vão premiar um grau mais elevado de medição do impacto social das iniciativas, bem como a capacidades dos projetos em mobilizarem investimento social e gerarem receitas próprias, procurando a sustentabilidade económica.
Prevê-se que as primeiras linhas de financiamento abram já candidaturas na Primavera. Os financiamentos estão maioritariamente disponíveis nas regiões de convergência do Norte, Centro e Alentejo. Um montante mais elevado será posteriormente disponibilizado para instrumentos de financiamento de natureza reembolsável, tais como empréstimos, para projetos de elevado impacto social e com maior capacidade de mobilização de receitas.


Numa próxima edição do Jornal da Solidariedade iremos falar com Filipe Santos, responsável da iniciativa Portugal Inovação Social, sobre a forma como vão funcionar estas novas linhas de financiamento à inovação social no âmbito do Portugal2020.

V.M. Pinto

 

Data de introdução: 2015-03-08



















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