“… É preciso voltar aos passos que foram dados, para repetir e traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre”. Esta frase de José saramago dá as boas-vindas a todos os que entram no sítio da APPACDM Sabrosa na internet e muito do que se faz naquela instituição transmontana está ali dito.
Aliás, foi o deserto de respostas na área da deficiência que fez, no ido ano de 1987, um grupo de pessoas meter mãos à obra e criar aquela que hoje é uma referência no acolhimento e ensino de cidadãos deficientes mentais.
“Não havia atendimento especializado nesta área e este é um concelho com alguns problemas relevantes nesta área da deficiência. Não havendo retaguarda houve necessidade de criação da instituição, que começou por funcionar num pré-fabricado cedido pela Câmara Municipal de Sabrosa”, recorda Maria Helena Lapa, presidente da Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental de Sabrosa, cujo nome, curiosamente, é APPACDM Vila Real – Sabrosa.
“Essa designação surgiu de um erro, mas acabou por dar jeito, pois dá esta abrangência distrital à instituição e permitiu que a instituição se descentralizasse e tivesse um âmbito mais alargado. Desse erro adveio uma situação positiva”, argumenta a presidente, que explica a forma como a instituição transborda as fronteiras da vila de Sabrosa: “O trabalho da instituição limita-se a Sabrosa e, para já, a Alijó, onde temos um lar residencial e uma residência autónoma e estamos com um projeto de abertura de um CAO. O projeto está bem encaminhado, já temos as instalações, cedidas pela Câmara Municipal, que é uma antiga escola primária, falta-nos apenas o Acordo de Cooperação, mas estamos convencidos que também se vai resolver. Noutro âmbito temos um projeto com a Câmara de Murça para a criação de um CAO, no seguimento de uma candidatura que eles fizeram à EDP Solidária, em que nos pediram parceria. Nós entramos com os técnicos e eles com o resto”.
Mas este trabalho para além dos limites de Sabrosa não se fica por aqui, pois, como sustenta Maria Helena Lapa: “Nós não nos prendemos muito com as questões territoriais, se for solicitada a nossa ajuda, nós respondemos”.
Nesse particular, a instituição oferece duas outras respostas que ultrapassam as fronteiras do concelho e até do distrito, que “são o CRI Douro, que cobre vários concelhos do Douro, como Murça, Alijó, Sabrosa, Vila Real, Régua, Santa Marta de Penaguião, Mesão Frio, Lamego e Tarouca, em que uma equipa com sede na instituição presta apoio aos agrupamentos escolares desses concelhos, e ainda a Intervenção Precoce, que abrange os concelhos de Murça, Alijó, Sabrosa e Vila Real. São uma espécie de serviços externos, que funcionam a partir da sede em Sabrosa”, acrescenta Luís Correi, diretor-técnico da instituição.
É vasto o universo de utentes que a APPACDM Sabrosa serve. Em termos de Intervenção Precoce, nos referidos quatro concelhos, o Acordo de Cooperação é para 45 utentes, mas a instituição trabalha com 109 crianças, enquanto no Centro de Recursos para a Inclusão Douro, que abrange a referida dezena de concelhos, são 243 utentes. Depois, no edifício-sede em Sabrosa tem 12 alunos na Escola de Ensino Especial, 50 utentes em CAO e cerca de 30 no Centro de Formação Profissional. Acolhe ainda 25 utentes no Lar de Apoio, 10 no Lar Residencial de Sabrosa, 24 no Lar Residencial de Alijó e mais cinco na Residência Autónoma na mesma localidade.
A isto tudo somam-se ainda as 75 famílias apoiadas no âmbito do Rendimento Social de Inserção e ainda a distribuição de alimentos no âmbito do FEAC.
Mas como já foi avançado pela presidente, a instituição quer expandir, dentro do possível, a sua ação, apoiando quem lhe pede parceria.
Nesse sentido, está em marcha o CAO em Alijó, uma parceira com a Câmara e a Junta de Freguesia locais.
“Já temos local, já fizemos o levantamento para as obras necessárias e estamos apenas à espera do Acordo de Cooperação. Depois há também a ideia de criar um CAO em Murça, também em parceria com a Câmara Municipal. E há outra coisa que gostava de implementar, mas até agora os Quadros Comunitários têm estado fechados em termos de investimento, mas com esta nova abertura pode ser que avance, que é a criação de um Lar Residencial aqui em Sabrosa”, sustenta Maria Helena Lapa, explicando: “Este é para já só uma ideia. O Lar que temos atualmente é uma casa alugada e não tem grandes condições, por isso só lá temos 10 utentes. Já se abordou a Câmara, que nos disse que não há grande dificuldade em arranjar o terreno, pois eles também têm interesse. O que pagamos de renda de casa dá-nos para pagar uma prestação ao banco caso tenhamos que recorrer a um empréstimo. Mas nisso somos bastante cautelosos e não nos metemos em investimentos sem termos alguma almofada para avançar”.
E se quando a instituição nasceu não havia respostas na área da deficiência, a sua necessidade era mais do que evidente, pois o elevado número de pessoas portadoras de deficiência era um problema, que encontra justificação em alguns fatores comuns a qualquer outro local, mas alguns bem específicos da região.
“Há uma razão muito simples que é o consumo exagerado de álcool. O consumo por si só leva a toda uma série de problemas de saúde, mas depois é também a questão cultural e económica, a consanguinidade, o parentesco entre progenitores de muitos jovens que aqui temos, por exemplo. Seria um fator, mas obviamente há outros. Sempre achei que a incidência do consumo exagerado de álcool é determinante nesta questão”, sustenta Maria Helena Lapa, ao que Luís Correia acrescenta: “Não podemos, desde logo, esquecer que estamos no coração de uma região demarcada… Esta questão é real, mas há também a sensação, pelos números, que esses problemas terão vindo a diminuir. Depois há toda uma série de questões que são comuns a todos os outros lugares, como asfixias à nascença, paralisias cerebrais e outros problemas. Mas, de facto, estava muito ligada ao consumo do álcool e no sul do concelho havia uma outra doença que provocou muitos problemas na área da deficiência, que era o chamado calazar, provocado por um inseto que provocava muitos problemas a este nível. No entanto, já está erradicada há muito tempo, mas pode haver ainda resquícios nas gerações mais velhas”.
Questionados sobre o fim do Ensino Especial e intenção governativa de impor a Escola Inclusiva, os responsáveis pela APPACDM Sabrosa são claros e perentórios.
“Não acredito neste modelo, porque as escolas não têm condições físicas, nem têm recursos humanos para atender os casos complicados, que os têm. Enquanto lhes vão dando resposta, os pais não sentem necessidade de institucionalizar as crianças, mas é uma resposta que não é resposta. Há determinado tipo de incapacidade que as próprias escolas podem começar com boa vontade e querer fazer algo com as crianças, mas depois acabam por as encaminhar para as escolas de ensino especial porque não conseguem dar resposta. A filosofia é boa, a questão da integração e tudo isso, só que não passa de teoria. E é utópico, porque nunca vão conseguir fazer um bom trabalho. E eles aqui têm tudo”, argumenta Maria Helena Lapa, ao que o diretor-técnico acrescenta: “Há uma série destes jovens que faz todo o sentido estarem nas escolas e já há muitos anos que defendemos isso. Devemos ter sido das primeiras instituições a aceitar este modelo e a colaborar na sua implementação. Há muito tempo que colaboramos com as escolas dos concelhos aqui à volta para que elas, com o nosso apoio técnico, consigam de alguma forma dar resposta aos alunos que recebem. Agora, se perguntar a essas escolas se as crianças multideficientes, ou seja, aquelas que precisam de uma pessoa a cuidar delas quase a tempo inteiro, se vão a uma piscina, eles dirão que não. Normalmente, aqui coloca-se o problema com as crianças que usam fralda. E não vão porque as piscinas não as deixam entrar na água. Em contrapartida, aqui temos um equipamento adequado para lhes vestir e os nossos jovens entram no tanque. Depois, atividades como andar a cavalo, fazer trabalhos em cerâmica ou outras «manualidades», as escolas não as conseguem fazer. As escolas vão prestando apoio técnico, porque nós as apoiamos, mas depois quando se trata de passar para um apoio muito mais específico, as escolas não têm capacidade de resposta”.
Apesar destes problemas, Luís Correia continua a defender a integração dos jovens, mas está ciente de que nem todos o podem fazer: “Somos favoráveis a que os jovens devem estar na escola. A instituição continua disponível para aquelas situações em que as escolas veem que não têm capacidade para os receber e para ser também uma peça do sistema. Nós vemo-nos como uma peça muito importante no sistema educativo”.
No dia-a-dia das instituições que trabalham na área da deficiência é recorrente a queixa dos seus responsáveis perante uma questão que levanta grandes problemas às instituições, que muitas vezes não se coloca a IPSS que trabalham nas áreas da infância ou da terceira idade.
“É o problema do rácio pessoal-utentes que é muito elevado. Em alguns casos temos quase um rácio de um colaborador para um jovem. As nossas instituições gastam muito mais e, depois, as exigências destes jovens são diferentes, por exemplo, daquelas que os idosos têm num lar. Para além do problema do rácio, estas instituições têm a necessidade de um corpo técnico que permita proporcionar a estes jovens um conjunto de atividades permanentes”, argumenta Luís Correia, ao que Maria Helena Lapa acrescenta: “E é o cuidado no seu todo, porque muitos destes jovens não têm retaguarda familiar, pelo que é preciso cuidar de tudo o que lhes diz respeito. Por exemplo, o professor Luís é tutor de uns quantos jovens”.
Uma forma de tentar atenuar a situação passa, segundo Luís Correia, pela integração dos jovens deficientes na comunidade: “Também não podemos esticar as respostas sociais até ao infinito e ter todas as pessoas institucionalizadas. Temos que ser capazes de encontrar respostas para muitos destes jovens na comunidade e estarmos preparados para acolher todos aqueles que não consigamos integrar na comunidade”.
Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)
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