LAR NOSSA SENHORA DAS DORES, VILA REAL

Há 133 anos a acolher idosos necessitados

No ano em que assinala 133 anos de existência e em que muito mudou, no Mundo e na instituição, desde que em 1882 foram lavrados os primeiros estatutos da instituição, há coisas que permanecem (quase) imutáveis. Serve isto para introduzir uma característica do Lar Nossa Senhora das Dores, de Vila Real, que, apesar de não estar inscrita em nenhum dos regulamentos ou artigo dos atuais estatutos, é uma espécie de «status quo» do quotidiano da secular instituição transmontana: mulheres e homens não se misturam.
“Não há regra nenhuma, mas são os utentes que assim querem. Muito dificilmente se misturam”, explica Maria do Carmo Varejão, diretora-técnica da instituição, aquando da visita do SOLIDARIEDADE. E, de facto, não só os quartos masculinos e femininos estão separados em diferentes alas, como há ainda duas salas de convívio: mulheres de um lado, homens do outro.
“É assim que eles querem, pois é assim que querem estar”, acrescenta a responsável, que aproveita para introduzir a história de fundação da casa, inicialmente designada de Asilo – O Amparo de Nossa Senhora das Dores e com o objetivo de acolher essencialmente… senhoras.
“Esta casa foi instituída pelo legado da senhora Margarida Chaves, vila-realense, que viveu os últimos anos da sua vida em Lisboa, onde, se supõe, terá morrido. O seu legado foi que todo o seu património fosse para fazer uma instituição para acolher pessoas idosas com dificuldades, mas principalmente mulheres”, conta, sublinhando: “Nos primeiros estatutos está escrito que seria para pessoas que tendo vivido de forma abastada no fim da vida apresentassem necessidades. Hoje, seguindo as indicações de dona Margarida Chaves, esta é uma casa que continua a ter mais mulheres do que homens, se bem que na sociedade também existam mais mulheres do que homens. Apesar disso, continuamos a respeitar esta vontade”.
Os primeiros estatutos foram lavrados e aprovados no ano de 1882 e três anos depois foram feitas as primeiras inscrições, tendo entrado na instituição os primeiros cinco residentes, “pessoas de idade, com problemas físicos e com carências”.
Curioso, já para a altura, era a forma de atestar a situação de necessidade das pessoas que poderiam aceder à instituição.
“A situação de carência era atestada por cinco pessoas, entre os quais o equivalente ao que é hoje o presidente da junta de freguesia e o pároco”, explica Maria do Carmo Varejão.
Hoje com capacidade para 80 utentes, a instituição iniciou atividade em 1885 com cinco residentes. Em 1886 foram compradas as casas que existiam onde hoje se ergue o edifício, cuja construção se iniciou em 1895.
“A primeira parte, a Norte, foi concluída em 1906 e só 40 anos depois foi construída a parte Sul, que arquitetonicamente é praticamente igual. O plano já foi desenhado para ser um lar de idosos, apesar de naquele tempo não se chamar ainda lar. Asilo O Amparo de Nossa Senhora das Dores é o nome que surge nos primeiros estatutos, designação que em 1972 foi alterada para a atual Lar Nossa Senhora das Dores”, conta a diretora-técnica, que refere ainda que o número de utentes foi crescendo ao longo do tempo e à medida que as instalações foram ganhando dimensão e condições.
Por vontade expressa da benemérita, que dá nome à rua onde está sedeada a instituição, esta devia acolher pessoas do concelho de Vila Real, “algo que se mantém ainda hoje”, diz a responsável, acrescentando: “Recebemos pessoas de fora se não tivermos lista de espera, mas como temos uma lista de espera imensa, vamos mantendo o que ela pediu que se instituísse”.
Como em muitas instituições do género, as listas de espera são vastas, no caso vertente cerca de 200 inscritos, “mas as inscrições nem sempre são fiáveis, porque há muitas pessoas que estão inscritas em vários sítios”, refere Maria do Carmo Varejão, que realça: “Por vezes quando vamos fazer a nossa visita porque há uma vaga, a pessoa diz que ainda é cedo. As pessoas acamadas é logo na hora, mas as que ainda têm alguma autonomia retardam a entrada no lar”.
Sobre a entrada de novos utentes, a responsável sustenta que nem sempre é fácil a adaptação: “Por vezes é difícil deixar a casa e adaptarem-se a outras regras, porque isto é uma comunidade muito grande. Normalmente é difícil deixar a casa para ir para um sítio completamente diferente, com outras regras, mas as pessoas que realmente querem vir para cá passado algum tempo estão completamente habituadas às regras”.
Atualmente a capacidade do Lar Nossa Senhora das Dores não está completa devido a obras de requalificação que estão em curso. Habitualmente, os números andam em torno de 29 homens e 51 senhoras. “A procura de homens, normalmente, é menor do que a das senhoras, se bem que atualmente temos um número de pedidos de homens maior”, argumenta.
Sobre a intervenção em curso no edifício, a diretora-técnica explica que é preventiva e surge na sequência de uma outra operação levada a efeito no ano passado.
“Até ao fim do ano passado tivemos com um projeto FEDER de sustentabilidade energética, em que houve a instalação de painéis solares, a alteração das caldeiras para caldeiras de condensação, que são mais eficientes, e o revestimento das paredes exteriores para evitar as perdas de calor, apesar destas paredes serem muito grossas”, começa por explicar, prosseguindo: “Na continuação, estamos a substituir o piso que estava ainda com vigas e soalho de madeira, pois era o piso inicial com 120 anos, e está a ser posto cimento. Apesar da idade, o que estava ainda estava muito bom, mas há que cuidar antes que as coisas entrem em colapso”.
Ao contrário do projeto de sustentabilidade e eficiência energética, as obras de requalificação do piso não contam com qualquer apoio financeiro externo.
A necessidade leva a instituição a proceder a esta requalificação, mas outros projetos têm para já que ficar adiados para que não seja posta em causa a sustentabilidade financeira da casa.
“Estamos a implementar um plano de segurança novo, mas tem que ser aos poucos. Já está iniciado e é para continuar”, refere a responsável, acrescentando: “O que pensamos fazer, mas é difícil, é aumentar a capacidade ou o espaço para podermos alterar a ocupação por quarto. No entanto, isso implicaria o alargamento do edifício para uma nova ala, o que para já não pode ser feito, pois envolvia uma aplicação financeira bastante grande. Por isso, vamos respondendo a estas necessidades mais prementes”.
Nesse sentido, “o Conselho de Administração tem tido uma gestão muito rigorosa para que o dinheiro chegue para as necessidades quotidianas da instituição”, sustenta Maria do Carmo Varejão, que avança alguns procedimentos da instituição no sentido de assegurar a sua sustentabilidade financeira: “O que fazemos, hoje em dia, é tentar que as famílias estejam ativas enquanto presença e, quando têm possibilidades, comecem a comparticipar com alguma coisa, para que se habituem. Para que não pensem que o seu idoso está aqui arrumado e eles nada têm mais que ver com a situação. Tentamos que as famílias, quando podem, comparticipem. E, depois, temos bastantes amigos que têm ajudado esta casa em grande medida, seja com donativos em dinheiro, seja em géneros”.
Nascida do legado de uma benemérita, a instituição ainda hoje consegue atrair benfeitores, sendo a prova viva de que a vontade e o espírito de ajudar ainda está vivo na população.
“Há muitas pessoas que nos ajudam e não são só de Vila Real, temos alguns amigos de fora… Por exemplo, temos um senhor, que nada tem que ver com Vila Real, que tem uma quinta perto do Porto, e que todos os anos e há vários anos oferece uma quantidade imensa de kiwis, acima de 40 caixas de kiwis. E esta é uma contribuição muito boa para a casa”, revela.
Como resultado: “A saúde financeira está equilibrada, porque é preciso saber o que podemos gastar. Há que garantir o essencial e o que vem fora desta esfera tem que se ir gerindo, tal como as obras, que se vão fazendo, mas de forma a não pôr em causa o funcionamento da casa. Temos que saber gerir as coisas e, felizmente, temos alguns amigos que vão ajudando”.
Quanto ao universo dos utentes, Maria do Carmo varejão não tem dúvidas de que “as pessoas estão a chegar à instituição cada vez com mais idade”, traçando de seguida um breve retrato da população residente: “As senhoras têm mais idade e rondam uma média de 82, 83 anos. Os senhores são ligeiramente mais novos com uma média de 81 anos, mas neste momento temos muitos senhores com 90 e mais anos”.
Em fevereiro faleceu aquela que era a utente mais idosa, com 102 anos, sendo que de momento a mais velha tem 98 anos e… “está na instituição há 60 anos”.
Aliás, esta longevidade no interior da instituição não é caso único. “Temos aqui uma outra utente que está na instituição há 54 anos. Como na altura não havia instituições para receber pessoas com deficiência, e esta senhora é surda-muda, aos 20 anos ela não tinha instituição onde ser acolhida. Temos uma outra senhora que está cá há mais de 40 anos e que entrou aqui com 14 anos, porque a única família que tinha era uma avó com 80 e muitos anos e tinha um ligeiro atraso mental, sendo que não falava”, conta Maria do Carmo Varejão, que conclui: “Esta casa é para ela a única casa que conhece. Em tempos idos trabalhavam no jardim ou até dentro de casa. Antes de haver as pensões era a forma de comparticiparem a sua estada. No fundo, esta é a casa delas”.
Com um número crescente de situações de demência e com cerca de 25 grandes dependentes acamados, a instituição dá resposta com um corpo de 43 funcionários, dois dos quais são religiosas das Irmãs Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição (CONFHIC), presentes na instituição desde 1889. A estas duas juntam-se mais três como voluntárias.

Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)

 

Data de introdução: 2015-05-01



















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