Foi há 100 anos que nasceu e se instalou no Convento das Capuchinhas, edifício do século XVII, em Guimarães. Instituição de acolhimento de crianças e jovens, o hoje denominado Centro Juvenil de S. José, mas durante muitas décadas apelidada de Oficinas de S. José, nome pelo qual ainda é tratada pelos vimaranenses, está em festa e desde Março que vem realizando uma série de iniciativas integradas nas comemorações do centenário.
Um torneio de futebol, denominado «Liga LIJ», concertos, passeios de BTT, uma exposição fotográfica, presenças na Feira Afonsina e na Marcha Gualteriana, um magusto, teatro, uma noite de fado, uma sessão de cinema ao ar livre e uma «sunset party», entre muitas outras iniciativas, preenchem um ano de comemorações.
E se estas são atividades mais voltadas para a diversão, tudo começou com algo mais formal. Assim, as celebrações pelos 100 anos de vida tiveram início em Março com a realização de um seminário sobre «Boas Práticas de Acolhimento Residencial de Crianças e Jovens em Risco». Nesta iniciativa, o Centro Juvenil de S. José deu a conhecer um projeto desenvolvido na instituição que alterou radicalmente a dinâmica de funcionamento da mesma, com enormes ganhos para os jovens institucionalizados, segundo o diretor-técnico Tiago Borges. Trata-se da Assembleia de Jovens, também ela corresponsável pela elaboração do programa de comemorações.
“Partindo do pressuposto da participação ativa que promovemos na instituição, em especial desde a candidatura em 2013 do projeto da Assembleia de Jovens à Fundação EDP, quando se abordou a temática do centenário desta casa o princípio foi o mesmo: vamos ouvir os jovens. E partindo de um brainstorming, escolhemos algumas das ideias e levámo-las à Direção para aprovação”, sustenta, explicando por que é que este projeto é um marco no quotidiano da instituição: “Esta Assembleia de Jovens veio trazer uma dinâmica completamente distinta. No momento em que o jovem cá entra temos diversas pessoas da casa em torno de uma mesa, como técnicos e educadores, os técnicos da CPCJ ou da EMAC que o acompanham e esse jovem sente-se logo integrado, porque, para além destas pessoas, estão também presentes jovens desta casa. Não há acolhimento novo nesta casa que não tenha, pelo menos, um jovem da casa nesse momento. Isto pode parecer banal, mas não é habitual. Gastamos muito tempo no acolhimento, mas penso que é muito útil para o jovem recém-chegado. É um acolhimento demorado e que termina sempre num almoço de confraternização em que há um bolo de boas-vindas. O que lhe transmitimos é que enquanto aqui estiver faz parte da família e o que queremos é que ele leve os melhores ensinamentos possíveis”.
Depois, a política da casa, que radica toda nesta vertente de chamar os utentes à participação ativa, pretende transmitir maior responsabilidade aos jovens, num plano de quase igualdade entre todos.
“Normalmente estas casas funcionam num estilo em que o técnico ordena e o jovem executa. É sempre muito de cima para baixo, mas nós agora nem de cima para baixo, nem de baixo para cima. Quando explico a nossa hierarquia a um novo jovem, digo-lhes que o diretor-técnico é quem mais manda e depois estão todas as demais estruturas, mas no esquema que lhes faço estão todos ao mesmo nível e explico-lhes que estamos todos lado-a-lado porque somos todos um. Ocupamos funções diferentes, por isso há uma hierarquia vertical, mas no dia-a-dia estamos no mesmo pé de igualdade. Os valores que tentamos passar desde o primeiro dia é que o jovem vai ser muito respeitado e bem-recebido e só lhe pedimos que respeite toda a gente. O respeito não se deve alcançar pelo posto, mas pela relação que conseguimos estabelecer com os jovens”, conta o diretor-técnico, explicando: “Este foi um marco na vida da nossa instituição e, mais especificamente, na vida da nossa resposta social. Queríamos que os jovens participassem e que não fosse algo forçado e apercebemo-nos que eles também têm opinião e ótimas ideias, daí nasceu o projeto da Assembleia de Jovens. Este projeto pretende dar voz a todos os jovens”.
Em 2013, a instituição candidatou à Fundação EDP o projeto e, dentre cerca de 1200 candidaturas, foi dos 52 projetos escolhidos o único LIJ contemplado.
“O projeto estava desenhado, tinha linhas orientadoras, mas efetivou-se quando os jovens começaram a ter lugar para essa participação ativa até ao dia de hoje”, sublinha, lembrando que “o financiamento terminou no mês de Março, mas é um projeto que veio para ficar, com ou sem financiamento, porque despesas a instituição já as tinha e não é por falta deste financiamento que vamos deixar de acolher as ideias dos jovens”. Até porque, segundo Tiago Borges, “os jovens têm um sentido crítico formidável e um sentido de justiça muito apurado”. M uma orgânica própria e uma organização que vai de encontro às necessidades e aos objetivos pretendidos.
“Graças ao projeto, começámos a organizar isto por setores e, então, criámos quatro setores de atividade nesta Assembleia de Jovens (AJ). Temos cinco coordenadores da AJ, um coordenador geral e outros quatro responsáveis pelas áreas das atividades (planos mensais de iniciativas), do outdoor (parcerias com entidades do exterior), da formação (entidades externas ministram formação aos jovens. “Somos muito a favor da formação não formal e que são sempre sugeridas pelos jovens”) e, por fim, a do Laboratório de Ideias”, explica o diretor-técnico, concluindo: “O nosso trabalho agora é mais simples, porque só temos que orientar. E com esta negociação conseguimos um melhor ambiente com os jovens e uma maior proximidade com eles”.
Para o técnico, a AJ, em termos de acolhimento marca um antes e um depois na instituição: “Entre os jovens a abordagem no acolhimento é muito mais facilitada. É muito importante criar esta empatia inicial, que os jovens conseguem melhor entre eles, porque, muitas vezes, o estado em que um jovem chega à instituição onde vai passar a morar dificilmente é previsível. Há muitas informações que nos chegam, via formulários, que nunca nos transmitem como é que está o jovem que vamos receber. O que está no papel ou é muito bom ou muito mau. Muitas vezes fico assustado com o que leio, mas depois venho a verificar que o jovem não é aquilo”.
Para Fernando Xavier, que está de regresso à Direção da instituição 40 anos depois da primeira passagem, que durou cerca de 15 anos, estar à frente de uma instituição centenária “é uma responsabilidade muito grande para responder àquilo que ao longo de um século se foi construindo, se bem que de maneira muito diferente ao longo do tempo”.
O presidente recorda os tempos quentes após o 25 de Abril de 1974, ano em que entrou para as ainda Oficinas de S. José: “Nessa altura, a forma de dirigir esta casa era muito diferente. Nessa altura estas instalações eram impróprias para ter aqui crianças. Isto era, mais ou menos, um armazém onde se guardavam crianças mais do que um local para as educar. Não existia corpo técnico, havia um padre que era o diretor e mais uma ou duas funcionárias. Eram três pessoas para educar não 22 mas 92 alunos. Agora imagine-se a diferença. Vivi essa fase e a de restauro deste convento que vem do início do século XVII”.
Fernando Xavier recorda ainda que foi por essa altura que começou a requalificação do edifício, algo de imprescindível para que o trabalho desenvolvido na instituição desse bons frutos.
“A Direção que me antecedeu em 1973 tinha elaborado um plano de restauro do edifício, pois este não tinha condições. Passados uns anos que demoraram as obras, as condições para os utentes, que naquela altura eram bem mais jovens do que agora e estes começaram também a sentir mais respeito pelo sítio onde estavam”, conta, lembrando outro apoio fundamental: “A acompanhar essa mudança de instalações, começou também a haver um apoio social maior. Foi nessa altura que o ministério começou a enviar educadores e técnicos e o acompanhamento às crianças passou a ser diferente”.
Este aspeto, segundo Tiago Borges é muito importante, porque há “um forte sentido de pertença à casa”.
“Os jovens mais velhos, e isto é algo que passou de geração em geração, interiorizam muito rapidamente este sentido de pertença e são os primeiros a chamar atenção dos mais novos quando não cumprem as regras de respeito pela casa”, revela o diretor-técnico, asseverando: “Eles não têm que ser tratados nem de se sentir diferentes por estarem numa instituição. Muitas vezes sentimos isto em relação à escola, porque ainda há algum estigma que olha para estes meninos como os das Oficinas… Para nós é triste que ainda haja este preconceito em relação às instituições, porque, de facto, eu não olho para eles com olhos diferentes dos que olho para as pessoas lá fora. Se calhar a diferença é que conheço a realidade de perto”.
O presidente da instituição concorda e demonstra como as coisas hoje são bem diferentes: “Ainda há algum preconceito, mas a forma como os nossos jovens se apresentam fora da casa já não se distinguem dos outros. Isto não acontecia dantes, pois tinham todos o cabelo rapado e usavam farda cinzenta, daí serem logo identificados como os meninos das Oficinas de S. José. Não é que não fossem estimados, a cidade sempre estimou esta casa, mas por vezes, as crianças entre si é que são cruéis. Dantes era tudo aqui dentro e as crianças viviam aqui e praticamente não conheciam o Toural, que é a principal praça da cidade, e era muito raro, por exemplo, fazerem um passeio”.
Atualmente estão no LIJ do Centro Juvenil de S. José 22 jovens, com idades entre os 10 e os 20 anos, com a média a fixar-se nos 16 anos e a maioria oriunda de fora o concelho de Guimarães.
Com Acordo de Cooperação para 40 jovens, Tiago Borges considera que a casa ainda alberga com qualidade mais uma dezena de jovens, mas não mais do que isso.
“Não diria que estamos a trabalhar a meio gás, mas estamos a chegar a um ponto de equilíbrio. Até aos 30, mais um menos um, é o ideal para darmos uma resposta de qualidade, mas a partir daí há muitas exigências em termos técnicos. Acorrer a tantos jovens não é fácil”, argumenta.
No LIJ trabalham 17 pessoas (um diretor-técnico, seis educadores, cinco técnicos, cinco auxiliares e uma jornalista no Gabinete de Comunicação).
Das antigas oficinas que existiam como a alfaiataria, a sapataria ou ainda uma área agrícola, resta apenas a tipografia, onde trabalham 10 funcionários, e que é uma das fontes de receita, para além das comparticipações da Segurança Social, da instituição, tal como o Hostel S. José, entretanto criado numa das alas do convento. Esta fonte de rendimento da instituição foi criada em janeiro de 2013, tem um rececionista e alberga três dezenas de atletas das camadas jovens do Vitória de Guimarães, encontrando-se a lotação esgotada.
Além destas estruturas sedeadas no Convento das Capuchinhas, o Centro Juvenil de S. José tem sob a sua alçada, desde 2012) a Creche Rosas Amorim Vieira, em Felgueiras, onde uma equipa de 10 funcionários acolhe 30 bebés.
Os serviços administrativos de todo o universo das «Oficinas» são assegurados por três funcionários.
Com o hostel e a tipografia a contribuírem financeiramente para a instituição, Fernando Xavier retrata a situação da instituição como “equilibrada, sem qualquer situação problemática de carácter financeiro”.
“Esta casa teve sempre o cuidado de ter várias fontes de receita extra, em que atualmente o hostel e a tipografia são as principais contribuintes. Os associados são muitos, mas a quota é baixa, mas os donativos ainda são significativos, através de empresas e outras entidades de Guimarães. Financeiramente, o valor que recebemos da Segurança Social tem que cobrir todas as despesas, inclusive os custos com pessoal técnico, o que não acontecia antigamente. De certo modo, desde que o número de utentes, ou de clientes como lhe chamam agora e eu não gosto, seja aquele que está contratualizado, a coisa dá e tudo o resto é para amealhar, porque o LIJ paga-se a ele próprio. Há o princípio de não gastar mais do que temos e é algo que sempre foi seguido nesta casa”, sustenta, resumindo: “Portanto, posso dizer que no aspeto económico-financeiro a instituição está muito bem equilibrada, as nossas instalações agora são condignas, com bons equipamentos, como por exemplo, a cozinha, que não nos custou um tostão”.
Lançando o olhar ao futuro, Fernando Xavier é bastante objetivo: “O nosso projeto vem na sequência do que tem sido desenvolvido nos últimos anos, ou seja, a melhoria das condições de habitabilidade, com a recuperação de casas de banho e dos quartos, porque a obra que está feita já tem mais de 30 anos. Temos ainda o infantário de Felgueiras que para estabilizar, porque só temos meninos até aos três anos, necessita do mais uma valência. Já fizemos o pedido para abrir também a valência de pré-escolar e assim rentabilizarmos as instalações”.
“Não temos ideias de grandeza, mas há sempre a ideia firme de trabalhar pelo bem-estar das crianças que cá estão e proporcionar-lhes um futuro melhor do que aquele que estavam na perspetiva de vir a ter se se mantivessem nos ambientes em que viviam nas famílias”, sublinha Fernando Xavier, ao que Tiago Borges acrescenta: “A primeira e última prioridade do nosso trabalho é que eles sejam felizes e que tenham um futuro promissor, ou seja, o bem-estar e o desenvolvimento integral de todos os jovens”.
Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)
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