JOSÉ FIGUEIREDO

A tragédia Grega

Ainda não sabemos muito bem o que fez de nós, os seres humanos, criaturas morais. No entanto, as categorias de bem e de mal, são-nos absolutamente essenciais – não saberíamos viver sem elas.

É curioso porque, aparentemente, a nossa natureza moral é contrária ao princípio de evolução por selecção natural, não deveria ter acontecido num mundo governado pela dura lei Darwiniana do struggle for life.

Os que estão disponíveis para a batota e para o oportunismo deveriam ter prosperado á custa dos ingénuos seguidores das normas, deveriam ter deixado maior descendência e, com a passagem do tempo, os traços egocêntricos deveriam ter-se tornado dominantes.

Contudo, não é assim. Não se conhece nenhuma sociedade humana que, tendo estabilizado por mais de umas quantas gerações, não tenha criado um qualquer sistema religioso e um qualquer código moral.

A crise grega é mais um exemplo desta contradição. Não conseguimos escapar à moralização da tragédia que por lá vai e, no entanto, o olhar moral sobre o caso não ajuda em nada, nem à sua compreensão e, menos ainda, a uma qualquer solução.

Uma boa parte da Europa entende que os gregos devem ser condenados numa perspectiva moral: não pagam o que devem, desenvolveram instituições de qualidade miserável (a começar pelo estado), são trapalhões, confusos, não confiáveis e, acima de tudo, preguiçosos.

Como não gostam de trabalhar, desenvolveram o mais generoso sistema de reformas antecipadas em toda a Europa – que, obviamente, não conseguem pagar - e agora simplesmente esperam que os espartanos e prudentes europeus do norte passem o respectivo cheque.

Como não condenar?

Depois, para maior desventura dos gregos, há comparações que parecem legítimas. Então a Irlanda não foi também intervencionada? Não foi, tal como a Grécia, forçada a aceitar um resgate europeu com condições duríssimas?

Mas a Irlanda já saiu da crise! Cresceu 5% em 2014, em 2015 crescerá o mesmo, ou até um pouco mais, está a pagar antecipadamente ao FMI e, actualmente, os credores estão de tal modo confiantes na solvência irlandesa que os yields da dívida soberana a 10 anos estão em 1,25%.

Em Portugal também há quem queira reclamar sucesso. No entanto, como disse recentemente o Dr. Rui Moreira, o actual Presidente da Câmara do Porto, seria bom que falássemos menos da Grécia porque também nós vivemos na rua dos pobres.

Sábias palavras! Enquanto a Irlanda cresce a 5% ao ano, por cá, em 2014, crescemos menos de 1%, mesmo em 2015, não devemos chegar a 2% e os nossos yields a 10 anos andam perto dos 2,5%. Um pouco de prudência e tento na língua seriam bem-vindos!

Mas será que o caso irlandês e grego são mesmo comparáveis?

Talvez sejam menos do que parece. De facto, a dose de austeridade aplicada na Grécia é muito maior que a aplicada na Irlanda.

Fonte OCDE

Como se pode ver, a Irlanda, embora partisse de um deficit primário mais pequeno, fez um caminho lento para o equilíbrio que atingiu apenas em 2014.

A Grécia, que partia de uma situação bem pior, foi empurrada para um marcha forçada que a obrigou a correr excedentes primários estruturais muito fortes logo a partir de 2012.

O quadro seguinte mostra como esse esforço se reflectiu distintamente na evolução da remuneração dos funcionários públicos.

Fonte OCDE

Provavelmente o pequeno crescimento da economia grega no final de 2014 (entretanto já revertido para recessão bravia) ter-se-á devido justamente ao alívio da austeridade que o anterior governo concedeu (em violação, aliás, do programa do segundo resgate).

Á primeira vista a economia grega precisaria de algum estímulo orçamental e monetário.

Só que isso não é possível. Em matéria monetária a Grécia está sujeita à política monetária do BCE excepto naquilo que, por ora, a poderia beneficiar, ou seja o programa de aquisição de títulos – os títulos gregos estão excluídos.

No plano orçamental também nada a fazer. Como a Grécia não tem acesso aos mercados financeiros e não tem soberania monetária (não pode monetizar os deficits do estado) tem de sujeitar-se à ortodoxia fiscal dominante na Europa.

De qualquer forma, mesmo sendo os gregos um bando incorrigível de desorganizados e preguiçosos, o processo brutal de desvalorização interna a que foi sujeita a economia deveria ter produzido alguns resultados benéficos. Com salários nominais mais baixos, com regras mais liberais nos mercados de trabalho, as empresas gregas deveriam estar mais competitivas e a exportar mais. No entanto, não é assim!

Se excluirmos as exportações de petróleo e derivados verificamos que a Grécia exporta em 2014 sensivelmente o mesmo que exportava em 2007.

Fonte EUROSTAT

Em situação similar à Grécia estão a Itália e a Irlanda onde as exportações pouco cresceram. Nos outros países do ajustamento, Portugal e Espanha, as exportações cresceram significativamente.

É estranho porque os salários nominais na Grécia desceram ao mesmo tempo que subiam nas restantes geografias.

Fonte EUROSTAT

Em Itália, Espanha e Portugal os custos laborais subiram moderadamente entre 2008 e 2014, nesse período na Irlanda praticamente não subiram, contudo, na Grécia caíram substancialmente.

Como compreender que as exportações gregas praticamente não cresçam quando os salários descem e a competitividade deveria ter aumentado?

É um enigma que não sei resolver.

Porventura, a troika e os seus modelos esqueceram um pequeno pormenor: a Grécia, estruturalmente, não é uma economia muito aberta.

Fonte FMI WEO

Como se pode ver na Grécia as exportações têm um peso no PIB substancialmente inferior aos restantes países periféricos sendo que nesta matéria, pelas razões que conhecemos, a Irlanda é um outlier. O que isto quer dizer é que um qualquer processo de desvalorização (ou desvalorização da moeda nacional - que a Grécia não pode fazer porque está no euro - ou a alternativa da desvalorização interna) nunca produziria o efeito que teria em economias mais abertas.

Seja como for a competitividade pela via dos salários deveria ter dado um empurrão nas exportações.

Provavelmente a questão está em que nem só de salários vive a competitividade. Se calhar outros inputs não laborais (energia e comunicações) cresceram o bastante para ofuscar a baixa dos salários.

Provavelmente a ruptura dos sistemas financeiros destruiu mesmo as mais saudáveis estruturas industriais. Quem sabe, algumas empresas industriais competitivas não conseguem exportar porque não encontram financiamento para aquisição de matérias-primas?

A experiência grega deveria convocar a reflexão dos teóricos que defendem os processos de desvalorização interna como sucedâneo da desvalorização das moedas nacionais dos países que têm soberania monetária.

Creio que um dos problemas com os modelos teóricos é a ausência (ou a limitada importância) de um factor que dá pelo nome de tempo.

Acontece que as desvalorizações das moedas nacionais actuam instantaneamente e instantaneamente afectam todos.

As desvalorizações internas levam tempo, muito tempo e são processos socialmente conflituosos. Durante esse tempo os grupos sociais colocam no terreno estratégias defensivas e os grupos políticos flutuam ao sabor dos interesses que representam. Como os resultados tardam, a dada altura instala-se o cansaço das reformas e, degrada-se toda a estrutura económica e financeira e, no limite, perde-se o impulso que o processo de desvalorização poderia ter dado.

Porventura foi o que aconteceu na Grécia – um sacrifício enorme, uma tragédia social, se calhar para nada!

E isso não é só culpa dos gregos!

 

Data de introdução: 2015-08-06



















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