O debate sobre o salário mínimo e respectiva actualização em 2016 está lançado.
A UGT já colocou uma proposta concreta em cima da mesa, a saber, 525 euros.
A CGTP, como sempre mais radical, fala em 600 euros embora admita que é um valor negociável.
A principal confederação dos patrões, a CIP, prefere remeter para o acordo de concertação social em vigor o qual prevê que, no quarto trimestre de 2015, as partes signatárias (a CGTP, como de costume, ficou de fora) revejam a última decisão de aumento do salário mínimo (505 euros) e concluam sobre a viabilidade de um novo aumento em 2016.
Por seu turno, o Presidente do Conselho Económico e Social, numa entrevista recente, defendeu uma actualização moderada do salário mínimo no quadro da concertação social.
Quanto aos partidos políticos que aspiram a governar, sabemos que a coligação PSD/CDS aceita uma actualização moderada do salário mínimo (pelo menos é o que diz em público o actual ministro da economia) enquanto o PS remete o tema para uma acordo de longo prazo a celebrar no âmbito da concertação social.
Fazendo uma bissectriz a traço grosso, acredito que está criado o quadro político/social para uma actualização do salário mínimo em 2016 para um valor que não deverá andar muito longe do valor proposto pela UGT, provavelmente um pouco abaixo.
E que pensa este vosso criado sobre o tema?
Pertenço ao grupo de economistas que defende a existência de salários mínimos legais (SML) – no entanto, há economistas, com bons argumentos, que são contra a existência de salários mínimos fixados por lei.
Também pertenço ao grupo dos que, aceitando a existência do SML, acreditam que é necessário ter alguma cautela em relação ao valor do SML, não tanto em relação ao seu valor absoluto mas, sobretudo, na relação entre o SML e o salário mediano.
O argumento é simples: se o SML ficar muito próximo do salário mediano, as empresas deixam de contratar pessoas sem experiência (mais jovens) ou menos qualificadas dado que o custo de um trabalhador com experiência e qualificação é apenas um pouco maior. O SML pode, nessas circunstâncias, virar-se contra aqueles que pretendia defender, ou seja, os de empregabilidade mais frágil.
Notar que refiro salário mediano e não salário médio. Este é um dos casos em que a média pode ser enganadora.
Fonte: Eurostat
Estamos disponíveis para acreditar que mais ou menos metade dos trabalhadores ganha acima da média e a outra metade ganha abaixo da média. Contudo, isso não é verdade. Como a distribuição dos rendimentos salariais é cada vez mais desigual (muitos a ganhar pouco e poucos a ganhar muito) acontece que há bem mais de metade da população a ganhar abaixo da média.
Já o salário mediano é aquele que divide a população rigorosamente ao meio – metade por baixo e metade por cima. Infelizmente o salário mediano em Portugal é bem inferior ao salário médio, cerca de 75% do salário médio.
Se parece mais ou menos óbvio que o SML não deve aproximar-se excessivamente do salário mediano já é mais difícil determinar com precisão até onde podemos ir sem prejudicar a empregabilidade dos mais frágeis.
Existe um consenso (não é mais do que isso) de que um SML até 60% do salário mediano não é perigoso.
Como podemos ver, mesmo nos países onde o SML é tradicionalmente mais elevado em termos relativos - Portugal faz parte desse grupo – a relação com o salário mediano não se afasta muito dos 60%.
Notar que estamos aqui a falar da economia privada, excluindo o sector público. Como o sector público em Portugal paga salários mais altos que a economia privada, a inclusão da administração pública aumentaria os salários médios e medianos e reduziria ratio SML/salário mediano.
Segundo o Banco de Portugal (ver boletim estatístico mensal) as variações salariais implícitas na contratação colectiva andaram, em 2014/2015, próximas de 1%. Já as declarações para a Segurança Social levavam a Maio de 2015 um aumento implícito dos salários nominais de 0,5% enquanto em 2014 terão andado próximo de 0,4%.
Admitindo que os salários não abrangidos pelo SML aumentaram muito pouco em 2014/2015, com a actualização do salário mínimo para 505 euros é provável que, actualmente, o ratio salário mínimo/salário mediano do sector privado esteja próximo de 63%.
Dir-se-ia, portanto, que existe muito pouca (ou mesmo nenhuma) folga para aumentar o salário mínimo em Portugal em 2016.
Talvez, também por essa razão, os economistas que elaboraram o documento de estratégia para o PS colocaram a ênfase na ideia do imposto negativo para os rendimentos do trabalho mais baixos em vez da solução administrativa do incremento do salário mínimo.
Defenderia, apesar de tudo, um novo aumento do salário mínimo em 2016.
Seguem os meus argumentos, discutíveis como sempre:
A regra dos 60% é uma regra prudencial, não está escrita na pedra nem tem estatuto de lei científica.
Vivemos tempos excepcionais e, em tempos excepcionais, devemos arriscar algum experimentalismo.
É provável que, subindo o SML, os salários mais próximos do SML sejam empurrados para cima e, a prazo mais longo, que grande parte dos salários seja igualmente actualizada em alta. Ou seja, é provável que a simples dinâmica do mercado coloque de novo o bendito do ratio próximo dos 60%.
Obviamente que há riscos.
Um deles, o risco inflacionista, parece-me descartável. Numa altura em que andamos a namorar a deflação, com variações dos preços no consumidor perigosamente próximas de zero (já foram negativas!), puxar pelos salários e pelos preços parece-me risco pequeno. Abençoado risco!
Mas há pelo menos dois riscos reais.
Desde logo o risco da empregabilidade. Quando aumenta o custo de um factor, neste caso o factor trabalho, esse factor usa-se menos. Para piorar as coisas, com o SML relativamente elevado face ao salário mediano, podemos pôr em risco justamente os que têm empregabilidade mais frágil.
Em contrapartida convirá notar que as empresas que hoje em dia utilizam intensivamente trabalhadores ao nível do SML são sobretudo empresas do sector de serviços (limpeza, segurança, refeições colectivas, etc.) para os quais o maior mercado é o estado e é o estado que, em larga medida, determina os preços. O que isto quer dizer é que uma atitude responsável do estado pode mitigar os riscos sobre o emprego derivados da alta do salário mínimo.
O outro risco é que o aumento da procura, derivado do aumento da massa salarial, coloque pressão nas importações e degrade o saldo externo.
Numa economia aberta como a portuguesa esse efeito é inevitável. No entanto, o facto de o euro estar relativamente frágil pode ajudar um pouco: estimula as exportações e torna as importações mais caras, ou seja, mitiga o efeito sobre a balança corrente.
O actual estado de fragilidade do euro ainda vai manter-se por algum tempo, pelo menos enquanto os mercados acreditarem na divergência dos caminhos da política monetária entre os Estados Unidos e a Europa.
Resumindo: o aumento do salário mínimo legal em 2016 é, na minha perspectiva desejável mas comporta riscos. Apesar de tudo, se o estado tiver uma atitude responsável como comprador e se a conjuntura (câmbio do euro) continuar a ajudar, creio que o risco vale a pena.
José Figueiredo, Economista
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