O verdadeiro embrião do que viria a ser o ICPA – Instituto de Cardiologia Preventiva de Almada surgiu há 30 anos com as, agora intituladas, Jornadas de Cardiologia, HTA e Diabetes de Almada, as primeiras, em Portugal, uniram a Cardiologia e a Medicina Geral e Familiar. A vontade de levar aquele conhecimento mais além e pô-lo ao serviço da população fez nascer o ICPA, cinco anos depois.
“Esta é uma IPSS que começa de uma ótica científica. Um conjunto de pessoas, encabeçado pelo Professor Carrageta e mais alguns médicos e outras pessoas da sociedade civil bastante conhecidas em Almada, decide, então, criar esta IPSS. Na primeira fase foram as Jornadas de Cardiologia, mas logo começou a surgir a perspetiva de ir mais além e conseguir um espaço físico”, conta Rita Andrade, administradora do ICPA, prosseguindo: “Já com alguns anos de Jornadas, que já são 30, enquanto o Instituto tem 25, este mesmo grupo de pessoas adquire um espaço no Pragal, onde instala uma clínica, num rés-do-chão de um prédio, e onde começa a trabalhar para o SNS e para quem aparecesse”.
Entretanto, a instituição cresceu e os responsáveis decidiram ir também para Beja, uma escolha que pareceu óbvia, segundo Rita Andrade, “porque as pessoas vinham de Beja, em ambulâncias, para as consultas no Pragal”.
Foi, então, através de um protocolo com um médico de Beja que arrancou a atividade do ICPA no Alentejo. “Não havia nada! Havia o Hospital de Setúbal mas estava sempre lotado”, sublinha a administradora.
Entretanto, a instituição comprou um espaço em Beja, com capitais próprios, onde passou a receber os doentes, e abriu um outro espaço em Lisboa, mas com um propósito diferente.
“Abrimos em Lisboa porque é um mercado interessante. É uma clínica pequena, está próxima da loja do cidadão das Laranjeiras, onde temos poucas convenções e trabalhamos mais com o privado”, refere Rita Andrade, justificando: “Entrámos num segmento de mercado para conseguir alguma contrapartida financeira, para não dependermos de nada, nem de ninguém”.
Aliás, a administradora, que lidera a gestão do ICPA há seis anos, destaca, precisamente, esse facto: “Somos uma IPSS que nunca dependeu do Estado, nem nunca teve qualquer subsídio, os acordos que tem são os mesmos que qualquer privado tem e nunca teve qualquer dependência de um acordo específico por ser uma IPSS. E, mesmo assim, sempre que alguém se deslocava lá sem dinheiro era atendida na mesma, como agora ainda o é”.
O trabalho clínico do ICPA foi “sempre muito vocacionado para a cardiologia” e doenças que lhe estão acopladas, como a diabetes e outras, tendo sempre funcionado sob orientação do presidente Manuel Carrageta, com “a parte científica sempre muito ativa, sempre em ligação com as Jornadas”. Mas o líder quis dar mais um passo em frente que passa “pela integração do doente cardíaco”.
Rita Andrade explica, então, o que está na génese da construção da nova clínica, situada no Monte da Caparica, em Almada: “O doente cardíaco precisa de aprender a viver sem medo e o seu agregado familiar tem que aprender a ter uma pessoa com aquela patologia. Ora, isso são situações que passam pelo exercício físico, cuidados com a alimentação e a prevenção em termos de uma clínica multidisciplinar. Então, lançámos a construção desta clínica, que já tem outra dimensão relativamente às outras, e na qual largámos a filosofia só da cardiologia e avançámos para a multidisciplinariedade, que é ter todas as especialidades e que é o que temos”.
Daí que o ginásio, a cozinha pedagógica e o spa médico sejam espaços privilegiados no equipamento, inaugurado em 2010, mas que ainda não está totalmente em funcionamento.
“Esta clínica está a ser construída em duas fases. A primeira já está e a segunda será quando tivermos capital. Nessa altura, iremos construir uma parte que já está acabada em termos de espaço físico, e que será para fazer o internamento, e depois avançaremos com mais um andar, para o qual já temos todas as autorizações, mas falta o dinheiro e será o bloco operatório. Então, sim, ficaremos com uma verdadeira clínica multidisciplinar”, explica Rita Andrade.
De momento, na clínica realizam-se consultas das mais diversas especialidades e efetuam-se variados exames de diagnóstico, alguns dos quais já com alguma especificidade, requerendo anestesia e recobro.
Em 2011, a clínica já contava com cerca de 20.000 novos clientes.
O ICPA tem as portas abertas a toda a gente, prestando mesmo serviços à comunidade, não apenas na área clínica, mas abrindo o ginásio e o spa à população.
“Estes são os passos no tempo desta IPSS com total autonomia financeira e sempre vocacionada para a área da cardiologia”, refere Rita Andrade, que explica como é possível uma instituição crescer e viver sem subsídios: “Posso falar pela minha gestão, a filosofia foi sempre a de controlo de custos. O ICPA é uma IPSS, não tem capital social, portanto não tem almofada, não distribuiu lucros e se houver receitas a mais investem-se. Controlando os custos, conseguindo que a equipa perceba que está numa IPSS, que tem a filosofia de estar para os outros, apesar de ganhar o seu ordenado, acima da média, mas sempre com esta filosofia. É tendo uma gestão como se fosse privada, muito cuidadosa e com controlo de custos ao dia. Aqui houve sempre um controlo e uma avaliação diária de tudo e, por isso, aguentou-se perfeitamente”.
E se as coisas já vinham sendo controladas, no momento atual ainda o são mais. “Ao fazermos esta clínica avançámos para capital alheio, porque o Instituto não tinha oito milhões de euros, pelo que ainda temos que estar mais atentos, porque os juros não dependem de nós. Tem havido ainda mais controlo dos custos e é, por isso, que temos conseguido dar-nos bem”, sustenta.
Pugnando pela profissionalização da gestão das IPSS, Rita Andrade argumenta: “Nada é feito aqui sem previsões, tudo é feito com profissionalismo. Há uma gestão profissional à frente desta IPSS. Conheço outras IPSS e não há gestão profissional, o que há são boas-vontades. Quando aqui cheguei só tinha boas-vontades, pelo que tive que alterar toda a gestão. A minha postura foi racionalizar tudo. Lembro-me de falar com alguns colegas de outras IPSS e a noção que têm de gestão é muito diminuta”.
Disseminar as boas práticas de gestão pelas IPSS é fundamental no entender da administradora do ICPA.
“É por isso que luto um pouco e falei com o presidente da CNIS, porque acho que tem que haver cursos, formação muito precisa sobre como gerir uma IPSS. Uma IPSS não pode estar dependente dos subsídios do Estado. Por isso é que digo que quero ser parceira do Estado, não quero ser uma subsídio-dependente. Eu tenho os meus produtos que vendo ao Estado, que não os tem e se os tem são muito caros, pelo que é muito mais barato utilizar as IPSS”, acusa, acrescentando: “O que tenho que dizer é que, como tenho as situações planeadas, não quero que o Estado me esteja a dar subsídios. Não, o Estado paga aquilo que eu considero que devia ser a contrapartida. Isto seria o ideal, mas não acontece, porque o Estado estipula preços por decreto. É como ir a um supermercado e comprar uma manteiga, que custa cinco euros, e, por decreto, o Estado determinar que é a um euro. É isso que o Estado faz a todos, sejam privados, sejam IPSS. E as instituições são mais frágeis, porque não têm capital social. Nas IPSS não é possível fazer um aumento de capital junto dos sócios”.
Lançada a crítica, Rita Andrade considera que “um dos pontos fracos das IPSS é não ter as pessoas profissionalizadas à frente das instituições”, reclamando “uma consciência empresarial” na gestão das instituições e lembrando que “é no controlo dos custos que está a maior parte do sucesso de uma empresa”.
Do ponto de vista da gestora, um outro fator é essencial na gestão é “a dimensão da IPSS”. Sustentando que “ou se tem dimensão ou se cria dimensão”, Rita Andrade defende a criação de uma central de compras onde as IPSS possam fazer as suas aquisições em conjunto, beneficiando de melhores preços obtidos pelas quantidades compradas.
“A nível da CNIS, com as várias UDIPSS, devia haver algum controlo sobre isto e poderíamos ter, como aliás o Estado fez, outra dimensão. Se temos a mesma área de negócio poderia haver uma central de compras”, realça.
A economista advoga igualmente a congregação de esforços entre as IPSS a todos os níveis, não se coibindo de apontar o encerramento a instituições que não sejam viáveis.
“Ali nos anos 1990 houve um boom de instituições, em que todas as freguesias queriam ter um centro de saúde, um lar, um centro de dia, um infantário e as piscinas. Isto aconteceu e o Estado, com a política da altura, deu. Havia dinheiro da Comunidade Europeia e, então, fez-se, fez-se, esquecendo-se a manutenção, que é bastante cara. E saber se há utentes, se há pessoas? É preciso haver escala, para não termos 10 utentes num Centro de Dia e mais 10 a cinco quilómetros noutro. Agora que sabemos isto, se calhar, tem que se fechar algumas instituições, se calhar, é melhor reorganizar tudo isto. Temos que ter o coração aberto para fecharmos”, sustenta Rita Andrade, lançando um repto: “Se nos juntarmos a outros racionalizamos os meios, rentabilizamos o que temos e viabilizamo-nos, garantindo que quem nos usa, as instituições e os serviços, está bem”.
A Economia Social “ganhou poder, mas o poder tem que ser efetivo e para isso as pessoas têm que o sentir”, assevera a administradora do ICPA, que lança novamente o desafio de mais formação para quem dirige as instituições: “Temos que sentir que a CNIS, em termos organizacionais, vai apoiar estas IPSS. E, então, quais são as grandes dificuldades? Pelo que vi, a maior parte das pessoas que estão à frente das IPSS não tem know-how técnico, são tudo pessoas fabulosas, que deram o máximo de si, mas atualmente a Economia Social é Economia, já não é a economia do coitadinho”.
Considerando que “a postura solidária é um valor acrescentado das IPSS” e que “o profissionalismo na gestão não pode ficar de lado”, Rita Andrade alerta: “Nós somos um parceiro e um parceiro tem que dominar a Economia Social como as outras economias, com o mesmo tipo de gestão, a mesma eficácia, a mesma responsabilidade e a mesma resposta, porque nas IPSS temos uma coisa que os outros não têm, é que somos muito solidários”.
E para a gestora, “a CNIS tem o papel da coordenação destas ideias. A CNIS tem que congregar esforços para que cada vez mais as IPSS sejam o tal parceiro que executa as suas tarefas, tem produtos para vender e é remunerado como qualquer outro. Um lar privado vende camas, serviços, alimentação, saúde, tal qual as IPSS! Nós temos é pessoas solidárias nas IPSS e, por isso, quem vier bater à porta não vai embora sem ser tratado”.
Por outro lado, Rita Andrade considera que “a Economia Social neste País está muito arredada do poder e isso é algo que a CNIS tem que cada vez mais valorizar e avançar, porque queremos ser ouvidos como uma voz técnica, com experiência no terreno, que presta um serviço eficaz, e que se vê, e que quer dar a sua opinião quando alguém está a legislar. Queremos ser parceiros!”.
A terminar, Rita Andrade pede a intervenção da CNIS no sentido que as IPSS da área da Saúde passarem a ser “consideradas” pelo Estado. “Não nos consideram”, acusa, reclamando “uma posição forte da CNIS com a Saúde, com uma postura diferente da que tem com a Segurança Social. A nossa Economia Social da Segurança Social está muito agarrada ao Estado e é muito subsídio-dependente”.
Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)
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