HENRIQUE RODRIGUES

PROPRIEDADE COMUTATIVA DA ADIÇÃO* (Duas notas sobre a manipulação da informação)

1 - Fui ao Funchal no dia seguinte à notícia falsa da TVI que anunciava o encerramento do BANIF.

Tive ocasião de ver, directamente, com os meus próprios olhos, clientes do Banco, aos magotes, nas agências, procurando levantar os seus depósitos e assim escapar à ameaça da perda das poupanças nele depositadas.
Nunca tinha visto nada de semelhante, excepto nos velhos filmes do Far West, em que aparecem os clientes dos bancos, em fila, ao balcão, numa balbúrdia, a tentar reaver os seus dólares, ou o seu ouro, com que todavia os banqueiros respectivos se haviam abarbatado e fugido.
Seguindo o guião, nesses filmes, os cowboys faziam justiça, à moda da época, dependurando os banqueiros ladrões numa trave, sentados num cavalo, depois enxotado para deixar o cavaleiro sem suporte.
Também entre nós, nos tempos de maior fervor revolucionário, após a Revolução de Abril, algumas das forças políticas mais radicais – hoje, mais tranquila, uma delas integra até uma das formações da maioria parlamentar – exigiam o cenário perfeito de verem o último capitalista enforcado nas tripas do último burguês.
Tenho para mim que, nos dias de hoje, em que ao esbatimento dos ideais corresponde a mitigação do discurso, ninguém verdadeiramente defende esse método expedito de pôr na ordem o capitalismo de casino, bastando-se para sossegar os fervores revolucionários com e execução em efígie – como fez o Marquês de Pombal ao Cavaleiro de Oliveira.
Creio, porém, que tal medida, ainda que fosse reclamada pela componente passiva da actual coligação, seria de difícil execução por parte do PS, o nosso actual timoneiro – que, na verdade, para colocar a vera efígie dessa gente dependurada nos candeeiros de Lisboa, com um baraço figurado ao pescoço, um charuto na boca e uma cartola, teria de começar por ir buscar uns retratos de pessoas muito lá de casa.
(Numa entrevista, na TSF, o Dr. Paulo Morais, candidato à Presidência da República, que tem feito da luta contra a corrupção o mote da sua campanha, veio colocar este tópico no registo certo – estranhando a falta de investigação por parte das instâncias criminais, bem como o afastamento do debate público, relativo ao facto de a notícia da TVI, que a própria estação considerou errónea e pela qual pediu desculpas públicas aos lesados, ter objectivamente provocado uma corrida aos depósitos, como vi no Funchal, assim apressando o destino fatal do Banco, afinal vendido ao Santander-Totta, por uns trocados, sendo o mesmo Santander accionista de referência da mesma TVI que apressou a morte assistida do BANIF.)

2 – No jornal “Público”, de 2 de Janeiro – blogues.publico.pt/tudomenoseconomia/ -, Ricardo Cabral explica-nos mais algumas subtilezas quanto à resolução do BANIF e aos beneficiários dela.
Começando por referir que o BANIF cumpria os rácios mínimos de capital, não existindo fundamento legal para uma intervenção autoritária, sugere que “o BCE (Banco Central Europeu), nos “bastidores”, exigiu e deverá ter influenciado os contornos (da intervenção).”

Segundo a sua explicação, “a partir de Janeiro de 2016, 40% dos custos de resoluções bancárias serão mutualizados (i. é., também assumidos por outros países-membros)”, pelo que o BCE se teria comprometido, “antes de Janeiro de 2016, a limpar o “lixo tóxico”, de forma a evitar, no caso português, que 40% dos custos de uma eventual resolução – do BANIF ou do Novo Banco – fossem mutualizados.”
Por outro lado – ainda segundo a crónica de Ricardo Cabral –, a Direcção-Geral da Concorrência e Preços da UE, que não permitiu a injecção de 3.000 milhões de euros de financiamento público para a manutenção do BANIF, a pretexto de se tratar de uma ajuda pública, proibida pelos Tratados, aceitou a injecção dos mesmíssimos 3.000 milhões, dos contribuintes portugueses, em benefício do Santander-Totta, no âmbito da resolução do Banco e da sua venda ao gigante espanhol.
“… A Europa e o BCE – prossegue Ricardo Cabral – sabiam que o novo Governo de Portugal não pretendia logo no seu primeiro diferendo com a Europa passar de “bom aluno” a “aluno rebelde” tipo Tsipras ou Varoufakis. E, por conseguinte, o Governo de Portugal, apanhado de surpresa, terá cedido em toda a linha em relação ao BANIF. E uns prováveis telefonemas de Draghi a Pedro Passos Coelho e a Cavaco Silva terão selado o negócio.”
Velho e impenitente eurocéptico, foi a afirmação enfática de António Costa quanto a um novo estatuto, mais afirmativo dos interesses próprios, de Portugal no contexto da União Europeia, a marcar, quanto a mim, uma das principais diferenças relativamente ao Governo anterior, de Passos Coelho.
Trata-se, aliás, de um tópico em que não falece razão à nova perspectiva: é este um tempo em que, extinta a expectativa de um Europa solidária, coesa e ao serviço de uma cidadania comum, isto é, exangue o ideal europeu, não se vê correspondência útil que justifique a perda acelerada de soberania e a subjugação aos interesses do capital financeiro que tem por sua conta e às suas ordens os burocratas da União Europeia.
Como vimos e sofremos nos últimos quatro anos.
Ora aí está uma boa influência que os novos aliados podem trazer ao Governo do PS.

3 – Anda por aí, nas redes sociais e na imprensa, uma campanha que tem as IPSS por alvo, à conta de uma ofensiva política próxima contra elas.
Não se trata de um fenómeno novo, este de o poder político dispor de um batalhão de jornalistas seus serventuários, que lhe antecipa a agenda e lhe prepara as malfeitorias.
Foi assim com José Sócrates, relativamente a juízes, farmácias e professores.
E foi também com Passos Coelho – que teve a fazer-lhe, junto da opinião pública, a preparação do terreno para a ofensiva contra reformados, pensionistas e funcionários públicos (abrindo a fractura social que ainda hoje perdura), os mesmos que haviam ajudado José Sócrates nas suas hostilidades de estimação.
O procedimento típico é o de apontar “privilégios” de que beneficiam os alvos a abater – mesmo quando tais “privilégios” são uma ficção –, como fundamento para a tomada de medidas que – e por isso são, para o público, supostamente justas … – pretendem abolir tais privilégios.
O povo, que acredita no que lê nos jornais – as “notícias” beneficiam sempre de uma presunção de verdade –, passa a ser o primeiro a exigir as medidas que o poder político queria verdadeiramente tomar.
A actual mistificação é a da alegada transferência de atribuições do Estado para as IPSS, nomeadamente no âmbito do RSI, assim esvaziando a provisão pública dessa medida – esquecendo propositadamente que tal transferência já vem pelo menos desde 2007, no tempo de um Governo do PS, quando foram celebrados os primeiros Protocolos com a Segurança Social, no sentido de serem as IPSS, por mais próximas e mais eficazes, a assegurar o programa de inserção social dos beneficiários e a instruir os respectivos processos.
Após declarações infelizes de Catarina Martins, no Parlamento, hostis em relação ao trabalho das IPSS, aquando da discussão do Programa do Governo, declarações essas mais próximas da cartilha do que da realidade, o Bloco de Esquerda abandonou o tópico, pelo menos no registo público.
Do Partido Comunista, que tem sabidamente um conhecimento profundo da realidade nacional – com militantes que se encontram solidamente envolvidos, aliás, nas Instituições de Solidariedade e cuja influência no mundo sindical lhe permite conhecer de perto o trabalho qualificado desenvolvido pelas nossas Instituições e seus trabalhadores –, não têm chegado sinais de desconfiança ou suspeição relativamente ao Sector.
Pelo contrário.
O mesmo não se pode dizer de alguns sectores do PS – que, como comecei por dizer, andam pelas redes sociais e pela imprensa a afeiçoar a opinião pública para (pode suspeitar-se …) legitimar antecipadamente medidas injustas que possam estar em preparação.
Serão os cortes na Acção Social, a pretexto da condição de recursos, anunciados pelo actual Ministro das Finanças durante a campanha eleitoral – sendo então desmentido por António Costa que tais cortes dissessem respeito à cooperação?
Quem viver, verá …!

4 – Bom ano para os leitores destas crónicas – melhor, pelo menos, do que 2015.

Henrique Rodrigues – Presidente do Centro Social de Ermesinde

* A ordem dos factores é arbitrária

 

 

Data de introdução: 2016-01-08



















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