O Casal Popular da Damaia, no concelho da Amadora, nasceu de um ato revolucionário, como muitos que aconteceram no pós-Revolução de Abril de 1974, com a população a ocupar o abandonado Casal do Ulmeiro no sentido de ali instalar um conjunto de serviços de que a população carecia.
Desde início o apoio à infância e à terceira idade e a criação de um posto médico eram os objetivos prioritários e que começaram a tomar forma quando em Março de 1975, em pleno PREC (Processo Revolucionário Em Curso), a população se reuniu e decidiu ocupar a quinta abandonada, onde apenas cresciam mato e urtigas.
“O nosso caso é uma situação sui generis das muitas que aconteceram na altura do PREC, porque se mantém até aos dias de hoje. Penso que isso se deveu à generosidade do ato inicial, mas desde o início foram tudo foi feito para que corresse bem”, começa por contar João Caixado, atual presidente da instituição, que recorda ainda: “Isto era uma quinta abandonada e as pessoas reuniram-se para fazer alguma coisa de útil. Na altura esse grupo de pessoas pensou em fazer um jardim-de-infância, um Centro de Dia, que nesse tempo ainda não se chamava assim, era um local para os idosos passarem o dia, e um Posto Médico, pois na altura ainda não havia Serviço Nacional de Saúde”.
A forma de organização que a população escolheu foi a de uma cooperativa, algo muito comum naqueles tempos. Nascia, então a Cooperativa Vencer cujos membros trataram de limpar o espaço para que ali se instalassem os serviços que desejavam.
Logo de início o projeto recebeu o apoio da Câmara Municipal, que negociou com os proprietários do Casal do Ulmeiro, a família Botelho Moniz, antigo ministro de Salazar, e foi feita uma permuta, com a autarquia a assumir a propriedade do espaço, cedendo outros terrenos à família.
“O Casal do Ulmeiro estava devoluto, mas com esta permuta a questão legal ficava ultrapassada, passando a autarquia a ser a legítima proprietária do Casal que, depois, cedeu à Associação, na altura ainda Cooperativa Vencer. Ainda em 1976, ou seja, um ano depois da criação da Cooperativa, o Governo atribuiu-lhe o estatuto de Utilidade Pública”, sublinha João Caixado, que acrescenta: “Tudo começou com um ato revolucionário em 1975, mas um ano depois estava legalizado e reconhecido como de Utilidade Pública pelo Estado”.
Então, a 1 de Junho de 1976, Dia Internacional da Criança, é inaugurado o jardim-de-infância, sendo pouco tempo depois ali também criado o Posto Médico, que funcionava com médicos voluntários.
“O arranque dá-se pela área da infância porque era a necessidade prioritária, pois não havia nada na zona”, refere o líder da instituição, que em 1986 deixa de ser uma cooperativa para se tornar na Associação de Solidariedade Social Vencer e desta forma adquirir o estatuto de IPSS.
“As coisas no início foram andando com muita carolice e muitas limitações”, lembra João Caixado, mas o novo estatuto e a integração no sistema de Segurança Social deram novo fôlego à instituição e “as coisas começaram a equilibrar-se de forma a expandir-se naturalmente”, pois começaram a chegar os apoios financeiros protocolados com o Estado.
Em 1987 é inaugurado o ATL, construído com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, e inaugurado por Manuela Eanes, à altura presidente do IAC (Instituto de Apoio à Criança).
Uma década volvida, em janeiro de 1997, é criado o Centro de Dia, com capacidade para 40 idosos, “com a particularidade de ter sido o primeiro do género no País, ou pelo menos esteve na primeira linha do surgimento desta resposta como a conhecemos hoje”, frisa o presidente da instituição com orgulho. Algum tempo passado foi igualmente criado o Serviço de Apoio Domiciliário, a outra resposta à terceira idade.
Já no corrente Milénio, a instituição avançou para a criação de uma creche, estávamos em 2007.
Hoje, o Casal Popular da Damaia trabalha cinco respostas sociais, a saber: Creche com 34 crianças, Pré-escolar com 80, e ATL com 100; e Centro de Dia com 80 seniores e SAD com 35 utentes.
“Temos atuado sempre no prisma de não crescer por crescer, não dar passos maior do que a perna porque podemos cair, mas face às várias necessidades a cada momento vamos procurando alargar as valências, dentro do financiamento disponível. Os custos não são todos pagos pelos utentes, pelo que têm que ser suportados pelos subsídios, daí que o crescimento tem que ser sempre dentro desta lógica”, sustenta João Caixado, sublinhando a grande procura junto da instituição: “Temos sempre lotação esgotada e uma grande lista de espera nas várias valências”.
Com uma grande dependência financeira dos subsídios oficiais (55% do ISS e 10% da Câmara Municipal) e das comparticipações dos utentes (35%), o Casal Popular vive atualmente uma situação financeira “boa e controlada”.
“Não temos objetivos lucrativos, pelo que não medimos a nossa atividade pelo dinheiro que temos em caixa ou no banco, mas temos uma estrutura financeira saudável e equilibrada. Não temos dívidas, não vivemos em luxos, mas as nossas receitas permitem satisfazer as nossas necessidades”, afirma o presidente da instituição, que, no entanto, lembra que as dificuldades estão sempre presentes: “Os investimentos são sempre muito ponderados para não haver rutura. Não temos tido problemas financeiros, mas isto não quer dizer que não haja dificuldades. Tem havido alguma retração no financiamento das entidades oficiais e um aumento da percentagem dos utentes, mas com a crise deparámo-nos com diversos casos sociais graves. Tivemos, inclusive, o caso de um casal que estava no escalão máximo e, de repente, ficaram os dois desempregados. Nesses casos tentamos acompanhar as famílias para avaliarmos a real situação em que se encontram, encontrando aí o valor do que podem pagar. Procuramos sempre que as questões económicas não sejam impeditivas de acolhermos as crianças ou os idosos”.
Para João Caixado o trabalho da instituição não envolve “luxos, mas procura ter um serviço de qualidade e o melhor possível”. Nesse sentido, a instituição qualificou as respostas e obteve mesmo a certificação da qualidade, entretanto perdida.
“Empenhámo-nos em obter a certificação de qualidade e, em 2007, conseguimo-la, mas entretanto houve uns problemas e perdemo-la, mas estamos de novo a tentar obtê-la. No entanto, a política e os objetivos mantêm-se com carimbo ou sem carimbo e são servir o melhor possível com os meios que temos, procurando qualificar os profissionais de forma contínua e isso traduz-se na qualidade do serviço, o que é reconhecido. Temos um nível de satisfação muito bom e no meio envolvente a Associação é uma referência”, afirma com satisfação.
Esta situação ganha relevo quando se fala do ATL. Aquando do prolongamento do horário escolar decretado pelo Governo em 2007, a instituição deparou-se com uma situação difícil, ficando na iminência de ter que fechar a resposta e enviar alguns dos colaboradores para o desemprego. Porém, de uma situação muito difícil, a instituição conseguiu dar a volta e oferecer uma resposta mais robusta e que é bastante importante pelo número de crianças que a integram.
“De facto, de uma situação em que as crianças vinham para aqui e tinham as atividades e a alimentação passou-se a outra em que elas começaram a ficar na escola e, por isso, houve muitos ATL que fecharam. Do pessoal do ATL ainda conseguimos colocar alguns em outras valências, mas havia seis que não conseguimos”, recorda João Caixado, revelando a solução encontrada: “Tivemos que nos adaptar e nos aliar à outra parte, que é a Câmara Municipal da Amadora, que não tinha estrutura pelo que tinha que contratar. Então, os nossos profissionais estão nas escolas a fazer o acompanhamento das crianças da Primária”.
Aproveitando o facto de a autarquia não ter estrutura para assegurar o prolongamento de horário, a instituição estabeleceu um protocolo em que continua a assegurar a resposta, só que agora nas instalações escolares. Mas atenta à realidade, a instituição não se ficou por aqui e encontrou forma de dar maior dimensão a este apoio á infância e às famílias.
“Então, surge o Elfo Juvenil que é o alargamento desse serviço para o antigo Ciclo Preparatório, ou seja, abrangendo crianças até aos 12 anos. Esta é uma resposta que não está prevista, ou seja, é uma resposta atípica, pelo que tem que ser suportada pela instituição e pelos pais. Estas valências funcionam igualmente nas escolas, mas em pausas letivas é aqui nas nossas instalações. Nas férias escolares isto é uma festa”, afirma João Caixado, que sublinha o facto de, desta forma, o quadro de pessoal, em vez de diminuir, ter aumentado: “Para assegurar estas respostas tivemos ainda que contratar dois monitores, pelo que depois de alguma angústia inicial pelos trabalhadores que tinham o lugar em risco, acabámos por ter que aumentar o número de funcionários”.
Esta parceria com a autarquia no que toca ao ATL é extensível a outras áreas, pois a relação entre a instituição e as demais entidades locais é profícua: “Há uma grande parceria com a Câmara que sempre que lança algum projeto de cariz social sabe que pode contar connosco. E não só com a autarquia, mas também com as escolas e com as outras coletividades da freguesia. Procuramos empenhar-nos para que as instituições se complementem e trabalhem em parceria e temos tido bons relacionamentos e muita entreajuda”.
Sem capacidade financeira para avançar com grandes investimentos, a instituição tem como projeto permanente a adequação das instalações. Mesmo assim, há situações que estão a ser alvo de intervenção.
“Há duas questões em que estamos muito envolvidos, por um lado concretizar o projeto de segurança, um investimento relativamente caro, mas que é necessário, e, por outro lado, temos ainda o projeto da cozinha. Atualmente temos uma cozinha que na altura em que foi feita respondia às necessidades, mas já é insuficiente e é necessário adaptá-la às novas exigências da qualidade e segurança alimentar. Já temos o projeto feito, entregue e aprovado em termos técnicos pela Segurança Social, falta aprovar o financiamento. Este é um projeto que já tem dois anos, mas a crise retraiu os investimentos e estamos à espera que agora o processo avance. Esperemos que com os fundos do Portugal 2020 surja algum financiamento e, eventualmente, com algum apoio complementar da Câmara. Este projeto é importante não só para adequar a cozinha às normas, mas também para ir ao encontro de uma necessidade, que é o fornecimento de refeições a outras instituições. Isto é algo que já fazemos, mas as necessidades hoje são maiores”, revela João Caixado, que ambiciona ainda outra coisa para breve: “Outro grande projeto que temos é o de alargar o SAD para o fim-de-semana, mas isso implica financiamentos adicionais e também estamos à espera de melhores dias. Este é um projeto que também se interliga com o da ampliação da cozinha”.
Mais desejo do que projeto, propriamente dito já em marcha, a instituição gostaria de construir uma ERPI (Estrutura Residencial Para Idosos), mas volta a deparar-se com o obstáculo chamado financiamento.
“A instituição tem as demais valências típicas para a terceira idade, mas não tem um lar e há muita necessidade na Damaia, porque é uma zona muito envelhecida e na freguesia não há nenhum lar. Sente-se muito essa necessidade, a instituição tem espaço, mas este seria um projeto para as entidades oficiais apoiarem e nós contribuirmos com o know-how e com o espaço”, sustenta o presidente da Associação Vencer, que lembra ser este um pedido frequente dos utentes da instituição: “Mantemos a construção de um lar nos objetivos porque é algo que os nossos utentes do Centro de Dia referem bastante, pois sentem-se bem aqui, mas dizem que faz falta uma estrutura que os possa acolher quando as dificuldades foram maiores”.
Satisfeito com a prestação que a instituição tem tido ao longo de 41 anos, celebrados no passado mês de março, João Caixado não deixa de destacar o papel dos colaboradores para esse bom desempenho.
“Há que reconhecer que o bom serviço da instituição se deve também à equipa de funcionários, que é dedicada e empenhada, funcionando a Direção mais como árbitro”, sublinha o líder da instituição.
P.V.O.
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