Em todas as guerras de grande dimensão, há sempre cidades que são particularmente atingidas pela irracionalidade dos combates e, sobretudo, dos bombardeamentos aéreos. São cidades que bem podiam passar à História como cidades mártires. Vamos lembrar particularmente três, duas delas ainda em pleno martírio.
Em Abril de 1937, uma esquadrilha de quarenta aviões alemães, ao serviço do general Franco, levou a cabo um bombardeamento inesperado e brutal sobre Guernica, uma pequena e desconhecida cidade basca que, aparentemente, não tinha qualquer importância militar no contexto da guerra civil espanhola. Esse bombardeamento, que arrasou aquela povoação, ficou para a História como uma das páginas mais negras daquele conflito, e foi imortalizado no famoso quadro de Pablo Picasso que todos conhecem ou de que todos já ouviram falar.
Recentemente, um jornal do país vizinho fazia uma breve alusão a este episódio da guerra civil espanhola, a propósito dos bombardeamentos que aviões sírios e russos vêm fazendo sobre a cidade de Alepo, na Síria. Ao contrário do que aconteceu com Guernica, trata-se, neste caso, de uma grande cidade, a segunda daquele país, em população e em importância histórica, e é sobre ela que, nas últimas semanas, os modernos bombardeiros da aviação da Síria e da Rússia têm descarregado as suas bombas, a um ritmo que não conhece descanso. O resultado tem sido a destruição do seu património histórico e cultural e a morte de centenas ou milhares de civis indefesos, entre os quais muitas crianças. As imagens que no chegam, via televisão, dão-nos uma ideia aproximada do horror e da loucura a que chegou esta guerra.
Ao contrário do que aconteceu com a tragédia de Guernica, que precisou de alguns anos para se tornar conhecida em todos os seus contornos, o que se passa em Alepo chega quase instantaneamente a todo o mundo e está a agravar ainda mais as já tensas relações entre os países do Ocidente e a Rússia. O cancelamento da viagem oficial de Vladimir Putin a Paris foi apenas a expressão mais próxima e visível desse agravamento. O regime de Bashar al Assad não é apenas responsável pelo incremento da tragédia dos refugiados, mas também pelas ameaças que se erguem hoje à Paz no mundo. Imaginar que Holande não incluiria Alepo na agenda da sua reunião com o presidente russo seria naturalmente impensável, mas assim não entendeu Putin.
Depois de Alepo, na Síria, podemos falar agora de Mossul, no Iraque. O exército iraquiano e as forças internacionais que o apoiam apostaram tudo na reconquista cidade que, em 2014, foi assumida como capital do novo califado ou do estado islâmico. Mesmo que a aviação norte-americana não seja tão cega como a força aérea russa que tem bombardeado Alepo, a população de Mossul está condenada a sofrer as consequências dramáticas da reconquista da cidade que é, em importância, a terceira do país. É mais uma cidade mártir a juntar ao rol de tantas outras…
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