Ora, nove décadas de vida, e apesar de ser uma das mais jovens em Portugal, acarretam uma história vasta e diversa sempre na busca de concretizar as Obras de Misericórdia.
No entanto, e por ser um excelente exemplo para contrariar uma certa tendência dos tempos atuais em que o ódio aos migrantes parece querer ganhar terreno ao espírito solidário, o SOLIDARIEDADE destaca no historial da Misericórdia de Macedo de Cavaleiros, precisamente, a sua obra mais recente, cuja inauguração data de 2010.
Sem vagas na resposta de ERPI (Estrutura Residencial Para Idosos), com uma lista de espera de cerca de 200 pessoas e perante a recusa da Segurança Social para alargamento do lar já existente, que acolhe 83 idosos, o provedor Alfredo Castanheira Pinto, que está há 44 anos no cargo, avançou com a proposta de construção de um Centro de Dia no Lombo, o casal de maior dimensão propriedade da Santa Casa.
“O Lombo era onde a Misericórdia tinha o casal e a exploração agrícola maior. Tinha terreno disponível e era a parte do concelho que estava mais desprotegida de internamento em lar. Já que a Segurança Social não deixava ampliar o lar de Macedo, propusemos fazer um Centro de Dia no Lombo, o que foi aceite”, começa por contar o provedor, recordando como, depois, acabou “por se transformar em lar”: “Durante todo este processo acabámos por elaborar um estudo prévio para um lar, que chegou a ser inscrito em PIDDAC, mas que nunca veio. E esteve assim meia dúzia de anos até que alguém me perguntou, no fim de uma reunião em Fátima, se queria fazer um lar que ele arranjava financiamento. Nós tínhamos projeto, terreno e tudo o resto, de forma que respondi na hora que sim. Não esperei para reunir a Mesa, porque quando fosse dar resposta já tinha passado o momento”.
Castanheira Pinto não quis perder tempo, até porque todo o processo estava elaborado, faltava apenas o financiamento.
“Passado uns tempos, esse alguém, que era o padre Victor Melícias, pôs-me em contacto com uma fundação do Luxemburgo no sentido de financiar o lar”, recorda, prosseguindo: “Entrámos em contacto, eles pediram documentos sobre a obra e o equipamento, nós enviámos e foi, então, marcada uma reunião para o Luxemburgo”.
A esta altura e com toda a documentação entregue “direitinha”, o provedor Castanheira Pinto continuava inquietado e ansioso por saber uma única coisa…
“Havia vários pontos para a reunião e lá no meio estava o financiamento, escusado será dizer que esse era o assunto que mais me interessava. A obra estava orçada em 1,5 milhões de euros e, quando chegou ao assunto do financiamento, eles disseram que tinham inscrito em plano para essa obra dois milhões de euros”, conta, recordando a satisfação que sentiu, até porque, “no decurso da obra, pagavam religiosamente a três meses e no final da obra, vieram cá à inauguração e ainda nos permitiram que recebêssemos o IVA da obra, que foram mais 500 mil euros”.
No final, o Lar do Lombo custou 2,5 milhões de euros, integralmente pagos pela Fundação Félix Chomé do Luxemburgo.
“A Misericórdia não gastou um tostão na obra, nos equipamentos, nem nas carrinhas”, revela o provedor, sublinhando a “única contrapartida que a Fundação Chomé colocou” e que leva o SOLIDARIEDADE a destacar este momento da história de 90 anos da Misericórdia de Macedo de Cavaleiros: “Deveríamos dar prioridade no internamento a pessoas que estivessem no Luxemburgo a trabalhar ou familiares destes, porque, segundo eles, foram os portugueses que ajudaram a fazer o Luxemburgo”.
Em sinal de agradecimento, “todos os anos por altura do Natal e da Páscoa, a Misericórdia de Macedo envia azeite, vinho e espumante produzidos na instituição para eles celebrarem essas festas”.
Este é, provavelmente, um dos últimos momentos marcantes nos 90 anos de existência da Santa Casa macedense, cujo arranque e primeira metade de vida se desenvolve na área da saúde.
“O hospital foi feito em 1910 e até 1927, data da fundação da Misericórdia, esteve à espera para arrancar. Isto é, o hospital foi construído para a Misericórdia e esta foi criada para pôr o hospital a funcionar”, afirma o provedor, lembrando que, “para além disto, na altura também já se dedicava a distribuir alimentos e medicamentos pelas pessoas mais pobres”.
No entanto, com a Revolução de 25 de abril de 1974 e as consequentes nacionalizações em 1976, a Misericórdia perde o hospital, à altura a única valência da instituição.
“Dada a legislação da altura, com a nacionalização todas as instituições que não tivessem outras valências a não ser as da saúde perdiam os bens a favor do Estado. E para que isso não acontecesse à Misericórdia de Macedo, que já tinha umas herdades, apesar de ainda não estarem em posse da instituição, mas em posse de usufruto, alugou uma casa em Macedo de Cavaleiros, onde passou a funcionar um mini lar, com oito camas”, recorda Castanheira Pinto, ressalvando que foi “a partir daí que a Misericórdia passa a dedicar-se ao social”, dedicando a área da saúde.
De facto, se, por um lado, 1976 foi um ano negro para a Santa casa da Misericórdia de Macedo de Cavaleiros, pois perdeu o hospital e esteve na iminência de perder todo o restante património, por outro lado também foi o início de um outro caminho que trouxe a instituição a um estádio de desenvolvimento e sustentabilidade muito apreciável.
Depois de assentar a sua ação social no mini lar «arranjado» em 1976, e que esteve a funcionar até 1987, altura em que construiu o atual lar de Macedo, a Misericórdia cresceu de forma exponencial, dedicando-se ao apoio à terceira idade, uma vez que “a área da infância teve até há pouco muitas respostas no concelho”.
Atualmente, a Santa Casa acolhe no Lar de Macedo 83 idosos, no Lar do Lombo 55, em Centro de Dia 10 utentes, apoia em SAD 79 idosos e no RSI (Rendimento Social de Inserção) 160 famílias (nos concelhos de Macedo de Cavaleiros e Alfandega da Fé) e serve 55 refeições/dia na Cantina Social, empregando no total da instituição 130 funcionários.
Acresce a isto, o trabalho desenvolvido nas Quintas Agrícolas, que, no conjunto, ocupam cerca de 100 hectares de terreno, a maior parte em parcelas dispersas.
“Começou tudo no ano de 1978, estava há seis anos como provedor, com a plantação da primeira vinha no Casal do Lombo. Fizemos investimentos grandes nessa altura, para que o casal fosse produtivo. A ideia era produzir vinho para os utentes do lar”, sustenta Castanheira Pinto, ressalvando: “Fazemos também a comercialização dos excedentes, especialmente de vinho e de azeite, mas o rendimento dessa venda é para investir na área social da instituição”.
A propósito da produção de vinho e de azeite, o provedor fala com orgulho nos prémios já alcançados: “Começámos a comercializar o vinho e o azeite por volta de 2003, altura em que construímos a adega, que custou 250 mil euros, pagos com dinheiro da instituição. Nos dois primeiros anos fomos a um concurso mundial de vinhos onde ganhámos uma medalha de ouro a nível mundial com o espumante e várias medalhas com os vinhos (2003 e 2004). Agora não temos ido a concursos porque estes exigem que haja uma reserva de vinhos e nós não a temos, nem nunca iremos ter, porque, agora, temos apenas oito hectares de vinha plantada e, no máximo, iremos até aos 10 hectares”.
Tendo por lema, desde que é provedor há 44 anos, praticamente metade da vida da Misericórdia, o empreendedorismo e a sustentabilidade, Castanheira Pinto tentou desde início rentabilizar o património rústico da instituição, muito dele doado, “algum comprado”.
E só assim é que a Misericórdia, que serve uma média de 300 almoços/dia, consegue que “90% dos produtos consumidos na instituição” sejam produzidos pela própria, artigos como a batata, o feijão, o azeite, o vinho, a cenoura, o feijão-verde, a alface, a couve-flor, o repolho e muitos outros. Aqui, o investimento nas estufas foi fundamental e é hoje uma mais-valia para a instituição.
“Temos ainda um rebanho de ovelhas em que todos os cordeiros nascidos são abatidos e congelados para depois serem consumidos na instituição. O mesmo acontece com os porcos”, revela, lamentando, porém, que ainda se gaste em algum com produtos alimentares, como fruta, mas “há a intenção de plantar uns pomares”.
Refira-se que a Misericórdia é possuidora de 5.000 oliveiras, de cuja produção de azeite vai desde 1910, data de construção do hospital, um almude (25 litros) para a aldeia de Gradíssimo, para “alumiar a lâmpada do Santíssimo Sacramento na capela da aldeia”.
Esta foi a contrapartida exigida pela benfeitora que construiu o hospital e que ainda hoje é cumprida pela Misericórdia de Macedo de Cavaleiros.
Aliás, muito do património da instituição, à semelhança de outras congéneres, foi doado, algo que “hoje já não é assim”.
Atualmente são poucas as doações e algumas bem problemáticas.
“As pessoas doam às Misericórdias propriedades que muitas vezes trazem problemas de partilhas familiares. Essas não as quero, aceito todas as doações desde que não tragam encargos para a Misericórdia, porque muitas vezes trazem encargos superiores à própria doação. Muitas vezes há pessoas que vivem sozinhas e não têm família e aparece alguém que se acha mais esperto do que os outros e que, por troca da herança, lhes diz que as acompanham até ao fim da vida. No entanto, assim que fica com os bens, coloca a pessoa num lar. Falou-se numa legislação que acautelasse essa situação e que, de facto, os bens ficassem para a pessoa que acompanha a pessoa até ao fim, mas nunca saiu”, acusa o provedor.
Quanto ao futuro, há um projeto que urge pôr em marcha, mas falta financiamento.
“O projeto que temos neste momento é o da renovação do lar de Macedo, que já tem 30 anos. Foi requalificado algumas vezes, mas necessita de uma intervenção de fundo. Temos o projeto feito e estamos à espera que as candidaturas do Portugal 2020 abram para nos podermos candidatar e fazer uma séria remodelação do equipamento. É uma obra que está estimada em cerca de um milhão de euros e vamos lá ver se conseguimos apanhar alguma coisa, mas já há um ano que estamos à espera de financiamento”, sustenta Castanheira Pinto, assegurando que “sem apoio não é possível avançar”, até porque “a Misericórdia de Macedo não é pobre, nem é rica, é remediada, tem uma boa saúde financeira, mas não dá para aventuras”, pois importa garantir a sustentabilidade da instituição.
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