Aparentemente, o regime político perfeito seria aquele cuja prática fosse sempre a da democracia directa. Na impossibilidade comprovada de isso acontecer, sobra o recurso à utilização pontual do referendo, que muita gente considera a última e definitiva expressão da vontade popular. A maioria das constituições políticas reconhece pois esse direito, embora um direito utilizado, quase sempre e só, em circunstâncias muito particulares. Numa democracia representativa, o referendo é a excepção e não a regra.
Vem isto a propósito das consequências que tiveram recentemente algumas consultas populares de tipo referendário, a começar por aquela que teve lugar no Reino Unido e que levou à sua saída da União Europeia. A ideia de promover esse referendo partiu do próprio chefe do governo, o conservador David Cameron, que esperava encontrar na sua realização uma resposta eficaz para alguns dos problemas internos que enfrentava na altura. Se não ganhasse, demitir-se-ia, garantiu ele durante a campanha, talvez por acreditar que não perderia. Mas foi isso que aconteceu, e não teve outro remédio senão demitir-se. Foi um acto de dignidade que lhe custou caro em termos políticos. A ele, à Europa e, se calhar, ao país.
O grande problema dos referendos é que estes são dominados, geralmente, mais por emoções circunstanciais do que pela reflexão, mais pelo imediatismo do que por uma visão global e de longo prazo. Basta recordar o que se passou, em 2005, com os referendos realizados na França e na Holanda sobre a Constituição Europeia e, mais proximamente, com a consulta popular que teve lugar em Itália. Também no Reino Unido o referendo foi convocado por um chefe de governo que parece ter feito cálculos errados, como já tinha acontecido com Matteo Renzi, um primeiro ministro que surgiu inesperadamente na cena política italiana e se tornou uma vedeta da política europeia, até ser afastado por um referendo que ele mesmo convocou, a propósito de uma questão constitucional aparentemente menor. Mas podíamos ir ainda mais longe e recordar o fim da carreira política do general De Gaule, também ele vítima de um referendo que, aparentemente, não tinha grande importância objectiva.
Também Erdogan, o chefe do governo turco, aparentemente insatisfeito ainda com o enorme poder que já detinha na sequência de um falhado golpe de estado, cujos contornos exactos não são claros, decidiu convocar um referendo cujo objectivo único foi o de aumentar ainda mais esse poder. E conseguiu-o, mas com uma vitória demasiado curta para as suas ambições e para todo o empenhamento que dedicou a essa consulta popular. Não foi um resultado brilhante para ele e útil para o país. Por isso, e com todo o respeito que merecem as iniciativas democráticas, bem se pode dizer que a convocação de um referendo nem sempre está isenta de riscos…
Não há inqueritos válidos.