PARQUE RARÓ

Natureza e atividades radicais para todas as pessoas

Não fosse por mais nada, só de ver a alegria esfusiante e o sorriso rasgado de Rogério Gonçalves, 53 anos, do Castêlo da Maia, a descer no slide já valia a pena a visita ao Parque Raró. O administrativo de um parque de estacionamento na Maia tem mobilidade reduzida e, depois de uma vida quase inteira a deslocar-se com umas muletas, há cinco anos que se transporta numa cadeira de rodas, isto depois de uma meningite lhe roubar as pernas ainda criança.
“Nasci normal, mas tive meningite. Dantes tinha umas ortóteses e andava com umas muletas, que larguei há uns cinco anos. Era bastante cansativo, mas com a cadeira de rodas descobri um outro mundo. Com a cadeira vou a todo o lado e até no trabalho me facilita a mobilidade”, conta Rogério Gonçalves, ainda ofegante dos festejos após a descida «vertiginosa», que a mãe, também presente, assistiu bastante preocupada.
Tudo tranquilo, porque tudo está preparado para todas as condições físicas dos aventureiros.
Rogério viu uma reportagem na televisão e não quis deixar passar o arranque das férias sem visitar o Parque Raró, uma aposta do MADI – Movimento de Apoio ao Diminuído Intelectual, de Vila do Conde, em algo que possa ser usufruído por todas as pessoas. Ou seja, quem tem mobilidade reduzida e quem não tem, ou quem seja portador de deficiência ou não.
“Como isto é uma novidade para quem tem a mobilidade reduzida, é algo de louvar, porque é um espaço tão bonito, com atividades que todos nós sonhamos e que nunca pensamos que possa ser realidade”, congratula-se o visitante vindo do Castêlo da Maia, juntamente com alguns familiares, deixando uma crítica: “Fazem tudo para os ditos normais e nós ficamos sempre aquém das expectativas, porque nunca fazem nada para nós. Agora é diferente”.
E sobre a experiência no slide, Rogério, de olhos brilhantes e arregalados, avalia e deixa um desafio: “A sensação é indiscritível, porque a altura é algo que nos faz abanar por dentro. Convido toda a gente que gosta de novas sensações a vir visitar este parque. Foi a primeira vez que fiz slide e nunca pensei que aqui tão perto pudesse ver este sonho concretizado”.
Recorde-se que o MADI é uma instituição que, há 40 anos, faz atendimento direto à população portadora de deficiência mental do concelho de Vila do Conde. Iniciou atividade em 1982, com uma resposta educativa, mais tarde, em 1995, com um Centro de Atividades Ocupacionais (CAO), a seguir surgiu a Formação Profissional, o Lar Residencial e ainda uma Clínica de Fisiatria e Fisioterapia.
Como as famílias continuavam a procurar a instituição, as listas de espera continuavam a aumentar e a instituição não conseguia responder a mais pessoas na sede na Azurara, então, o MADI adquiriu um terreno em Ferreiró, cerca de 20 mil metros quadrados, onde, em cerca de seis mil, construiu o Polo Rural, onde tem um CAO, um Lar Residencial, uma piscina (para usufruto dos utentes e que ao fim dos dias e aos fins-de-semana abre à comunidade) e ainda um jardim, uma horta e um pomar.
Separado por uma rede estão, então, os restantes cerca de 23 mil metros quadrados, ou seja, o Parque Raró.
“É um parque diferente, onde os nossos utentes pudessem usufruir de tudo aquilo que, à partida, lhes está vedado. Por exemplo, por vezes, quando fazemos um passeio e eles querem fazer uma atividade mais radical, não podem! Por isso, sentimos a necessidade de criar algo para eles”, explica Maria José Simães, coordenadora do Polo Rural do MADI, mas esta não é a única razão: “Como também precisamos sempre de inovar e criar mais atividades para mantermos os utentes ocupados ao longo do dia, estas atividades mais viradas para a natureza, para o rural, para cuidar da terra também são muito interessantes e beneficiam muitos os nossos utentes”.
E porque a sustentabilidade da instituição é um objetivo permanente, “a rentabilização do investimento, algo que a Direção não esquece, está sempre presente”.
Sobre o “parque natural com equipamentos de lazer”, a responsável faz uma visita guiada pelo espaço para que se possa perceber a variedade e princípio inclusivo que norteia o Parque Raró: “Assim que se entra no Parque temos uma alameda cheia de plantas aromáticas, como caril, tomilho, sálvia, tudo para apelar aos sentidos. Temos um Recanto das Fadas, que é um espaço muito bonito onde foram colocadas, nos troncos das árvores, janelas e portas para dar a ilusão que lá moram fadas. Isto, inclusive as fadas penduradas nas árvores, tudo feito nas salas de atividades pelos utentes e técnicos. Depois, temos a parte do arborismo, que pode ser desfrutado por pessoas com deficiência, inclusive em cadeiras de rodas e cegos, com um circuito de pontes entre árvores. Há ainda um percurso mais elevado para aqueles que são mais aventureiros e que requer um pouco de mais apetência física. Temos ainda a parede de escalada, que as pessoas cegas podem fazer, enquanto as de cadeiras de rodas são içadas, e na parte de cima temos o slide, que todos podem fazer, inclusive os de cadeira de rodas, que são içados por um guincho. Esta é uma experiência, de momento, única no País em que os portadores de deficiência física podem fazer slide”.
Mas porque está inserido num local campestre, banhado pelo rio Ave, o parque tem toda uma vertente rural.
“Temos uma quinta pedagógica, que denominámos de Aldeia dos Animais, onde temos umas casas construídas pelo nosso carpinteiro e pintadas pelos utentes e funcionários, onde estão cabras, galinhas e uma égua. Temos ainda um picadeiro e um celeiro, onde se guardam os materiais de trabalho no parque, e uma pequena horta, onde os grupos que nos visitam podem experimentar a colher ou a plantar produtos”, explica, entusiasmada Maria José Simães, prosseguindo a descrição: “Este é um espaço vivo, por isso ainda há coisas a trabalhar e a desenvolver, como o espaço sensorial, já mais perto do rio Ave, que passa mesmo junto à zona mais baixa do terreno. O Jardim dos Sons, onde temos, entre as árvores, xilofones e espanta-espíritos, tudo instrumentos feitos na casa pelos utentes e funcionários. Ao lado, há um borboletário, uma grande paixão da nossa diretora Elisa Ferraz. É um espaço muito bem conseguido, que não choca minimamente com a natureza, coberto com uma rede, em que a ideia é que as pessoas possam entrar e estar rodeadas por um jardim onde andam borboletas. Iremos ter seis espécies de borboletas, fruto de um protocolo com o Pólo de Vairão, da Universidade do Porto, cujos especialistas nos dão o know-how sobre que plantas lá colocar para atrair e alimentar as borboletas. O espaço inclui uma espécie de maternidade, um pequeno laboratório, onde será possível observar todo o processo de desenvolvimento de uma borboleta, algo muito pedagógico e interessante”.
Mas isto não é tudo: “Temos ainda um lago, já habitado pelas rãs, que dão o nome ao parque. Raró vem de rã de Ferreiró! Temos também um percurso sensorial que vai ser aumentado, onde as pessoas descalças podem percorrê-lo e sentir as diferentes texturas e ter diferentes sensações. Obviamente, um parque de merendas e uma vista fantástica para o rio Ave e ainda uma variedade de espaços e recantos para simplesmente estar em contemplação ou a ler um livro rodeado pela natureza”.
A construção do Parque Raró contou com a colaboração não apenas de toda a família MADI, de dirigentes a utentes, de técnicos a funcionários, mas também da comunidade de Ferreiró, que deu animais, plantas e árvores, deu tempo e emprestou tratores e que desde a primeira hora acolheu o MADI de braços abertos.
“O Parque Raró não é um espaço só para pessoas portadoras de deficiência, é para todas as pessoas, só que desta vez as pessoas com deficiência não são esquecidas. Está aberto à comunidade e, durante a semana, funciona apenas por marcação, essencialmente com instituições, escolas e colónias de férias, e aos fins-de-semana está aberto ao público das 10h00 às 19h00. A única coisa que pedimos é que se quiserem fazer alguma das atividades como arborismo, slide ou escalada que façam marcação, porque requer a presença de vários monitores”, esclarece Maria José Simães.
Inaugurado a 18 de junho, o Parque Raró é já uma sensação, com grande exposição mediática e que todos os dias tem recebido visitantes sedentos de fazer atividades radicais, ou simplesmente para passar um bom bocado num local idílico no seio da natureza.

Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)

 

Data de introdução: 2017-08-10



















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