CENTRO DE ASS. PAR. DE PATAIAS, ALCOBAÇA

Crianças de hoje são filhas dos utentes de ontem

Nasceu em meados do século passado para dar sopa aos pobres, mas com a passagem dos anos, a necessidade emergente foi o acolhimento de crianças enquanto os pais trabalhavam. Partindo desta lógica, rapidamente o Centro de Assistência Paroquial de Pataias se tornou, para os pais, o local de desenvolvimento e educação dos filhos. É assim, em casa própria, desde 1976, um equipamento que começou por acolher 35 crianças e que hoje recebe, entre creche e pré-escolar, 185 petizes.
Segundo as más-línguas, o padre Franquelim da Cunha “roubou aos ricos para dar aos pobres”, por isso não é de estranhar que tenha sido pela sua ação que, no ido ano de 1955, tenha criado o Centro de Assistência Paroquial de Pataias (CAPP), no concelho de Alcobaça, para dar sopa aos pobres.
De facto, em meados do século passado, Portugal assistiu ao surgimento de diversas instituições que o principal propósito era dar de comer aos mais carenciados e desvalidos, numa época em que a fome e a pobreza grassavam pelo País.
A instituição iniciou atividade servindo refeições nas camaratas da igreja, a chamada sopa dos pobres, como era usual à época, “mas os estatutos já previam todas as demais valências”.
Posteriormente passou por uma antiga escola, que também já foi quartel dos bombeiros, e depois, já nos anos 1960, foi para “uma vivenda no bairro da Cibra, que o comendador Joaquim Matias doou para ser criada uma creche, onde os pais, trabalhadores da fábrica de cimentos, pudessem deixar os filhos”, conta Célio Coelho, presidente da instituição.
“Já com o padre Adelino Nunes na paróquia, o comendador doou este terreno à igreja e foi então que se construiu o edifício que aqui está, muito bem pensado para a altura, porque ainda hoje continua a ser atual. Foram poucas as alterações que se fizeram”, acrescenta, lembrando que a inauguração em 1976.
“O comendador viveu muito aquilo que hoje se chama responsabilidade social da empresa e queria fazer neste bairro uma unidade com todas as valências, das sociais às desportivas, para os trabalhadores e famílias, mas também aberto à população em geral”, sublinha o padre Virgílio Francisco, consultor espiritual da instituição.
Ainda antes de se instalar nas novas instalações, o CAPP abandonou a sopa dos pobres e dedicou-se à área da infância. É na altura em que passa a ocupar uma das vivendas do bairro da Cibra.
Este avanço vai um pouco contra a corrente, mas tinha visão de futuro, como explica Célio Coelho: “Antes do 25 de Abril não se sentia tanto esta necessidade, porque esta era uma zona em que as mulheres se dedicavam à agricultura e, estando por casa, tinham as crianças consigo. Com a democracia e as mulheres a começarem a trabalhar fora de casa mais em massa, a necessidade tornou-se evidente”.
E se numa primeira fase as crianças iam para o infantário por necessidade, já que as mães passaram a trabalhar fora e precisavam de um local seguro para deixar os filhos, depois “houve o reconhecimento da instituição como uma mais-valia para as crianças”, destaca o padre Virgílio, ao que Fernando Ónil, diretora de serviços, acrescenta: “Numa fase inicial estas instituições eram vistas mais como armazéns de crianças, mas uns anos depois começou-se a apostar na educação e na forma como ajudar as crianças a desenvolver-se. E também os pais tiveram que ser um pouco trabalhados”.
E com mais de 40 anos de atividade com as crianças não é de estranhar que hoje muitos dos pais das crianças que frequentam a instituição sejam antigos utentes.
E se na vivenda não havia condições para ter muitos petizes, com a passagem para o novo equipamento, o número tem aumentado à medida que os anos passam.
“As inscrições começaram a crescer de ano para ano”, lembra Fernanda Ónil, por isso, a capacidade foi sendo alargada com pequenas intervenções no edifício e abertura de novas salas.
Começou com 35, passou para 45, depois para 55 e atualmente tem 85, “apesar do Acordo de Cooperação ser só para 75”.
“Agora estamos à espera do aval da Segurança Social para uma capacidade de 92 crianças e, mesmo assim, continuamos a ter lista de espera”, destaca Fernanda Ónil, que acrescenta: “Aqui, felizmente, nunca houve falta de crianças”.
Para o presidente da instituição, “o problema é inverso, pois não conseguimos dar resposta a todos os pedidos”.
Nem mesmo na crise, quando muitas instituições viram a frequência das respostas à infância diminuir, o CAPP teve menos crianças.
“Não se notou muito a crise no número de crianças. Por outro lado, a instituição procurou sempre fazer a gestão das mensalidades, obstando a qualquer situação”, lembra o padre Virgílio, no que é acompanhado por Célio Coelho: “Houve casos esporádicos em que os pais tiraram as crianças daqui para as pôr no público, mas parece que não era tão barato como eles pensavam!”.
Inserida num meio em que a população está num patamar socioeconómico “moderado”, a instituição segue as regras estabelecidas para fixar as mensalidades, mas os seus responsáveis criticam o modelo.
“Não concordamos com as tabelas que a Segurança Social nos impõe, porque há uma diferenciação de percentagens que não faz sentido”, começa por criticar Célio Coelho, explicando: “Temos pessoas com pouco desnível de rendimentos, em que umas pagam mensalidades muito baixinhas e outras umas muito altas. Essa era uma das questões em que devíamos ser ouvidos e que devia ser alterada. Concordo que tem que haver uma diferenciação, mas as percentagens que a Segurança Social nos impõe não são realistas. Quando para aqui entrei, há 15 anos, havia 12 escalões, o que era mais justo, obrigaram-nos a trabalhar com seis escalões e agora somos novamente obrigados a aplicar nova legislação que mantém a injustiça”.
Por isso, “a instituição optou pela política de manter as mensalidades, mas dando retorno às crianças, que levavam alguns bens para casa”, revela o padre Virgílio, adiantando que, na altura, “pareceu que esta política era uma maior garantia de que em casa as crianças tinham algo para comer”.
Segundo Célio Coelho, “nas instituições vizinhas que têm mensalidades iguais, não têm a mesma oferta”, atirando de seguida: “Desafio-o a dizer-me uma instituição que dê fraldas, medicamentos, papas, bibes e outros produtos de higiene. Ou seja, os pais só trazem as crianças. A instituição dá tudo, que está incluído na mensalidade”.
E para completar a crítica ao modelo de fixação das mensalidades, o presidente da instituição argumenta: “Neste momento, não há ninguém na nossa área de intervenção que não possa pagar o mínimo que nós tínhamos, e que agora não podemos ter, que era de 65 euros. Agora temos pessoas a pagar 12 e 13 euros”.
Nos dias que correm, o Centro de Assistência Paroquial de Pataias tem um corpo de 40 funcionários e acolhe 85 crianças em creche e uma centena em pré-escolar.
Já sem as benesses do benemérito comendador Joaquim Matias, como está a saúde financeira da instituição?
“Nunca se pode dizer que está bem”, atira de pronto Célio Coelho, prosseguindo: “Não temos dificuldades de pagamento imediato, mas não se pode dizer que está bem, porque o dinheiro que existe hoje depressa se gasta. Costumo dizer que se a Segurança Social fechar a porta, nós fechamos a seguir, ou duramos mais um ou dois meses! Se a Segurança Social continuar a comparticipar com o que está atualmente, juntamente com as mensalidades dos pais, conseguimos gerir bem, porque temos que gerir bem, aquilo que há. Não estamos numa situação em que precisamos da comparticipação do Estado para pagar aos fornecedores, porque conseguimos pagar a 30 dias, mas é necessário uma boa gestão, não apenas da Direção, mas de todos os colaboradores”.
Para o padre Virgílio merece também uma nota de destaque o facto que a instituição conseguir “fazer algum investimento, como foi recentemente o caso do parque infantil, ou as obras necessárias para o alargamento da creche”.
Para o pároco e consultor espiritual, “garantindo que haja um pequeno pé-de-meia para qualquer eventualidade, tem havido grande atenção da Direção e dos colaboradores aos custos, garantindo alguma economia, sem pôr em causa a qualidade”.
Sem grandes disponibilidades financeiras para grandes projetos, até porque o que foi anteriormente amealhado serviu para intervencionar o edifício, exclusivamente às custas da instituição, obras que já ultrapassaram o meio milhão de euros, os dirigentes não viram os olhos ao futuro.
“Estamos naquela fase de dar por terminado o projeto que tínhamos de melhorar o equipamento. Tem demorado porque as exigências da Segurança Social são excessivas”, lamenta Célio Coelho, explicando: “Face aos numerosos pedidos que tínhamos, conseguíamos ter mais uma ou duas crianças em algumas salas. Foi-nos negada essa solução, com a ameaça de uma coima de 20 mil euros, sem sequer terem cá vindo ver se as salas tinham, ou não, as condições para receber mais essas uma ou duas crianças. Mas é a lei, como nos dizem da Segurança Social”.
No entanto, no futuro próximo, “a pintura do edifício é a prioridade”, mas há ainda intenção de colocar um painel de identificação da instituição e ainda de alguns painéis fotovoltaicos.
“Tirando as obras do edifício, pretendemos realizar mais algumas conferências sobre crianças para os pais, que já tentámos mas com fracos resultados. Queremos apostar também na formação dos pais, porque o nosso lema é: primeiro as crianças”, refere Célio Costa.
E como seria Pataias sem o Centro de Assistência Paroquial?
“Seria muito complicado para os pais, porque não há mais nada”, sustenta o presidente, ao que Fernanda Ónil acrescenta: “Se não fosse esta, tinha que ser outra, porque não era possível esta freguesia crescer como cresceu sem uma instituição destas”.

 

Data de introdução: 2017-12-07



















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