O Centro Social de Cambra esteve no olho do furacão dos mortíferos e devastadores incêndios de 15 de outubro, tendo servido de porto seguro para a população de Cambra. É que apesar de instada por Viseu a evacuar o equipamento, a instituição albergou a população obrigada a fugir da igreja face à proximidade das chamas, que rodeavam e ameaçavam o povoado. Mas a sua ação em Cambra, não foi pontual na tragédia, já que tem duas décadas de trabalho no terreno, acudindo às necessidades de uma população envelhecida e isolada.
No dia 15 de outubro, o Centro Social de Cambra, concelho de Vouzela, acolheu cerca de duas centenas de pessoas nessa noite, manteve o apoio durante mais algumas semanas a cerca de meia dúzia de desalojados e tem servido de polo de distribuição de bens a quem tudo perdeu.
“Pudemos ser um apoio porque estamos cá e pudemos ajudar no esforço coletivo de apoiar nesta tragédia”, sublinha Lopes de Almeida, presidente da instituição, que tem acolhido em Centro de Dia mais quatro pessoas, que tudo perderam nos incêndios e que pernoitam na Casa Marista e Albergue de São Macário, em Vouzela.
Este apoio que a instituição deu e tem dado à população não é mais do que o compromisso que tem com a população, ou seja, apoiar no que puder.
Foi assim que nasceu, no ano de 1997, portanto há 20 anos, apesar de só ter começado a funcionar dois anos depois, com um Serviço de Apoio Domiciliário (SAD).
Isto porque o envelhecimento e isolamento da população começava a ser uma realidade muito presente.
“Com a erosão das atividades agrícolas, pecuárias e até silvícolas, os jovens ativos tiveram que emigrar, ir para longe ou trabalhar nas zonas industriais, deixando os mais velhos sós”, sustenta Lopes de Almeida, recordando a necessidade de criação de um polo social na freguesia.
Apesar de praticamente nenhum dos dirigentes fundadores ter experiência na área, a não ser Lurdes Fernandes, que teve o trabalho pioneiro de caracterização social da freguesia de Cambra, o grupo decidiu avançar.
“A doutora Lurdes Fernandes fez um levantamento de todas as povoações, do número de idosos, dos que estavam mais ou menos isolados, das carências habitacionais, um estudo muito completo, que facultou ao CDSS de Viseu e que as técnicas apresentaram superiormente, tendo sido decidida a criação do Centro Social”, conta o presidente da instituição, que concorda com o arranque inicial: “A prioridade, e bem, foi dada ao Apoio Domiciliário para que as pessoas pudessem e possam manter-se nas suas casas. Celebrou-se um Acordo de Cooperação, a Segurança Social deu apoio técnico e avançou-se numas instalações emprestadas pela Associação Cultural e Recreativa de Cambra, fruto de um protocolo entre as duas entidades”.
As obras nas instalações emprestadas e a aquisição da primeira carrinha foram feitas com donativos de um grupo de amigos de Cambra, tendo depois a instituição adquirido outra carrinha, “porque havia ainda a necessidade de se fazer o transporte escolar na freguesia”, que começou logo em 1998.
O Centro Social estabeleceu aí o primeiro Acordo de Cooperação para 20 utentes em SAD. “Em poucos meses, apesar das desconfianças iniciais, porque as pessoas nem sabiam o que era o SAD, as vagas ficaram preenchidas”, lembra Lopes de Almeida.
Segue-se uma nova fase na vida da instituição, com a construção das primeiras instalações. Ao abrigo do III Quadro Comunitário de Apoio, a instituição apresentou uma candidatura ao POEFDS (Programa Operacional Emprego, Formação e Desenvolvimento Social), recebeu a doação de um terreno da Câmara Municipal de Vouzela e avançou para a construção de um edifício próprio.
“Mas estávamos em tempo de vacas gordas, porque o apoio era a 90% a fundo perdido. Um apoio que administrámos criteriosamente até ao último tostão. Nessa altura nem sentimos o pagamento dos 10% que cabia à instituição”, recorda o líder da instituição.
Foram, então, estabelecidos novos Acordos de Cooperação para as respostas de Centro de Dia (10) e Creche (24) e ainda o alargamento do SAD para 35. Nesta altura nasceu também um ATL, mas com o prolongamento do horário escolar, acabou por se extinguir três anos depois.
O espaço do ATL serviu para alargar a creche, que agora tem uma capacidade para 42 crianças.
“As respostas funcionaram bem, com altos e baixos, porque estes percursos não são fáceis. Trata-se de uma atividade cuja gestão é muito difícil. As despesas são elásticas, porque estão sujeitas à lei do mercado, mas as receitas não são elásticas, porque temos, e bem, limites legais àquilo que podemos pedir aos utentes. Mas mesmo que não houvesse limites legais, há os limites naturais e até morais. A média da nossa população não pode pagar os valores do internamento em ERPI, porque não tem condições. Têm que estar inseridos em Acordo de Cooperação ou não terão hipótese de ter essa proteção social”, assegura o presidente.
Um terceiro momento no crescimento da instituição é a construção do lar, um objetivo que esteve desde início presente nas mentes dos fundadores.
“Logo desde o princípio ficou estabelecido por nós que a instituição teria que ter um lar. Não havia vagas em nenhum dos dois únicos lares da região. Quando os nossos utentes do Apoio Domiciliário, que por causa desse apoio vivem mais tempo, chegavam a um ponto mais necessitado, os familiares tinham que os levar para o Caramulo, para a Guarda ou para outros locais, porque aqui não havia resposta. E logo em 2005 começámos a trabalhar para o lar”, recorda Lopes de Almeida.
Então, a instituição adquiriu o terreno contíguo ao edifício que já havia construído, e com uma candidatura ao POPH, que patrocinava 60%, a instituição avançou, com um projeto de cerca de 1,4 milhões de euros.
“Já no decurso da construção, o apoio do POPH passou para 75%, mas tivemos que recorrer a um empréstimo bancário de 700 mil euros, que neste momento já foi amortizado em quase 300 mil euros”, revela o presidente, recordando que “um ano depois da abertura a ERPI já tinha a lotação completa”.
“E foi assim propositadamente”, afirma João Taborda, vice-presidente, explicando: “Primeiro admitimos o núcleo inicial de trabalhadores, que foram estagiar noutras instituições e, depois, fomos gerindo a lista de espera e admitindo utentes lentamente, para criar rotinas e as pessoas se habituarem aos ritmos de trabalho. Por isso, foram seis ou sete meses até enchermos a casa”.
Agindo numa região em que há muito poucas empresas, e apesar de estar na interseção de três grandes zonas industriais – Campia, Oliveira de Frades e Vouzela –, “o Centro Social é o maior empregador da freguesia”.
Mesmo assim, a instituição sente dificuldades em recrutar pessoal na zona, e já tem recrutado a cerca de 20, 30 quilómetros de distância.
“É difícil encontrar pessoal com este tipo de vocação, porque este não é um trabalho fácil. Para a creche é mais fácil, mas para o lar é muito complicado, porque as pessoas não têm formação, nem vocação”, argumenta João Taborda, lembrando o presidente: “Tratar de uma parte das pessoas que aqui temos é um trabalho de enfermagem, não é uma prestação de serviços”.
E como está a saúde financeira do Centro? “Olhando à diferença entre o que recebemos efetivamente do Estado, dos utentes, de donativos e das quotas dos associados e às despesas efetivas, sem amortizações, o resultado tem sido sempre positivo. Agora, repor carrinhas, como é necessário, isso terá que ser pensado no futuro por quem cá estiver, porque agora não há condições”, sustenta Lopes de Almeida.
Já João Taborda considera que, “em termos gerais, a instituição pode dar uns trocos de prejuízo, mas na prática tem havido saldo, até porque tem amortizado e pago o empréstimo sem falhas. A intenção é pagar o empréstimo rapidamente, para livrar a instituição desse peso mensal”, acrescentando: “Em termos financeiros, acho que estamos muito bem. Há instituições por aí que se têm visto aflitas”.
Quanto ao futuro, o presidente é perentório: “Para mim, o principal projeto, que a Direção ainda não aprovou, é o alargamento do lar. Sinto e todos sentimos que essa é uma necessidade, mantendo-se os índices de procura dos últimos anos. Por isso, defendo a construção de um andar superior no edifício antigo, que já foi projetado para poder acolher esta opção, que fica ao nível deste, ficando a ser necessário apenas um túnel de ligação entre os dois edifícios”.
Seriam mais entre 10 a 12 quartos, o que permitiria à instituição “ter um polo de quartos diferentes, para as pessoas mais autónomas”.
E como o sonho é que comanda a vida, “há um outro projeto, mas com este já é entrar no caminho da utopia”, diz Lopes de Almeida, explicando-se: “Primeiro, há que dizer que sem utopia ainda andaríamos em cima das árvores… O projeto é aproveitarmos o terreno que temos e alargar o espaço social, com uma sala com aparelhos de manutenção física e umas lojas. Obviamente não daria grande fruto financeiro, mas seria um centro de convívio e chamariz de pessoas”.
Atualmente, o Centro Social de Cambra acolhe 30 crianças em creche, 10 utentes em Centro de Dia, 35 em SAD e 42 em ERPI, com uma equipa de 51 trabalhadores a que acrescem mais cinco prestadores de serviço e estagiários.
Com uma zona envolvente bastante atrativa, a instituição transformou-a em circuito de manutenção e espaço de lazer, um projeto que recolheu a designação de Natureza ConVida e que é de grande agrado dos utentes das respostas sociais do Centro Social.
Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)
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