JOSÉ FIGUEIREDO

2. As Grandes da Tecnologia - Fazer dinheiro (muito) à nossa custa

As leis antitrust viram a luz do dia como forma de limitar o poder monopolista das grandes empresas. No final do século XIX, o que se considerava necessário evitar a todo o custo era que empresas ficassem de tal maneira grandes e de tal maneira poderosas que pudessem, por essa via, adquirir poder sobre a fixação de preços. Adquirido esse poder poderiam colocar produtos ou serviços artificialmente caros com prejuízo dos consumidores.

Deste ponto de vista, ou seja, inflação artificial de preços via poder monopolista, é difícil acusar as grandes da tecnologia.

Não consta que a Amazon faça subir os preços. De certa forma, até pelo contrário. Quando a Amazon comprou a Whole Foods, um retalhista alimentar especializado em produtos “saudáveis”, a primeira medida que tomou foi baixar os preços. Podemos achar os preços dos smartphones da Apple excessivamente caros. Contudo, a Apple tem uma quota de mercado relativamente pequena a nível mundial e o preço dos seus equipamentos não deriva de qualquer poder monopolista, mas tão só de um marketing brilhante e da atratividade da marca.

Outras gigantes tecnológicas como a Facebook ou a Google podem até, no limite, gabar-se de fazer montes de dinheiro prestando serviços gratuitos.

Vejamos as contas da Facebook. A empresa apresentou 4,7 biliões de dólares de resultados líquidos no terceiro trimestre de 2017 para um volume de negócios de 10,3 biliões. Comparando com o período homólogo de 2016 o volume de negócios cresceu 49% e os resultados 79%. Quase 50% de margem e a crescer. Nada mal!

De onde vem tanto dinheiro? Quase todo (98%) vem da publicidade.

A publicidade no Facebook é valiosa não só pelo tráfego que a rede proporciona, mas também porque pode ser extremamente eficaz dado que cedemos à rede um vasto conjunto de informação pessoal.

Claro que Mark Zuckerberg, o fundador e, paras todos os efeitos, dono da Facebook, não aponta uma pistola a ninguém para que participe na rede e com o tempo por lá deixe informação tal como números de cartões de crédito, histórico de compras, histórico médico e até opções políticas ou modo de vida.

Não é verdade que o fazemos livremente? É verdade, pelo menos à superfície. Um estudo recente mostra que, quando perguntamos a pessoas se estariam disponíveis para trocar informação pessoal com vista a receber publicidade que lhes fosse especialmente dirigida, quatro em cada cinco inquiridos respondem que não. Contudo, um outro estudo do MIT e da Universidade de Stanford mostra como bastam pequenos incentivos para mudar a decisão. Muitos estudantes mostraram-se disponíveis para trocar informação pessoal por uma pizza gratuita!

Uma das razões porque baixamos tão facilmente a guarda em relação à informação pessoal é a crença na impenetrabilidade das mensagens aos olhos dos poderes públicos, dos internet providers ou de quem quer que seja. Contudo, muitas vezes, a tecnologia de encriptação não garante nada disso!

Por outro lado, a ideia de que não pagamos nada pelos serviços é totalmente ilusória – como sempre, também aqui, não há almoços grátis.

Na posse da nossa informação pessoal, a publicidade é bem paga pelos produtores e comercializadores dos bens e serviços e as gigantes tecnológicas fazem uma montanha de dinheiro. Esse dinheiro é pago pelos produtores dos bens ou serviços marketizados e, mais dia menos dia, esse custo haverá de transformar-se em preço mais alto para os consumidores. De uma forma ou de outra acabaremos por pagar.

Por outro lado, nalgumas indústrias mais “calhadas” para o comércio eletrónico, como, por exemplo, as viagens ou a hotelaria, a dependência das empresas da presença em plataformas eletrónicas de venda tornou-se uma questão de sobrevivência. Qual o hotel que pode estar fora da booking?

Contudo, a Priceline (empresa que detém a booking) também depende da publicidade que compra nas gigantes tecnológicas – também para ela a presença em lugar privilegiado na Google, por exemplo, é uma questão de sobrevivência. Por essa via a Google faz uma montanha de dinheiro vendendo publicidade. Quem paga? No final das contas, como não há almoços grátis, alguém haverá de pagar e são os consumidores, obviamente.

Noutros casos a ameaça das big tech pode vir de um ângulo diverso. Vejamos o caso da Amazon ou da Alibaba os gigantes do comércio eletrónico.

Jack Ma, o fundador e principal acionista da Alibaba, gabava-se recentemente que a Alibaba não é uma empresa é uma economia.

Num certo sentido, é verdade!

Pensemos no caso da Amazon. Muitas pessoas ainda vêm a Amazon como uma inocente e prestável empresa de comércio eletrónico de livros e discos. Eu, por exemplo, sou um cliente assíduo nestas duas áreas.

No entanto, atualmente estes dois produtos já pouco pesam na atividade da Amazon e são pouco mais que marginais na geração de resultados. Poucos se aperceberam como a Amazon se tornou um polvo com inúmeros tentáculos e capaz de agarrar um grande número de presas.

Por exemplo, a Amazon tornou-se no maior operador de serviços de cloud do mundo.

No último ano completo para o qual temos contas, a área de cloud valia 12 biliões em vendas, um pouco menos de 10% do turnover, mas quase 70% da geração de resultados operacionais.

Nos últimos trimestres a Amazon começou a publicar os números para os seus serviços de logística. Os números da logística andam na casa dos 6/7 biliões, ou seja, cerca de 1/6 do total do turnover da companhia.

Mais recentemente ficámos a saber que a Amazon também opera como banco. Terá já 3 biliões de crédito concedido.

Podemos imaginar de onde isto tudo vem. Virá provavelmente do ecossistema dos fornecedores da plataforma de retalho eletrónico.

Estes provavelmente terão sido os primeiros (hoje já não os maiores, com certeza) clientes da cloud, são seguramente os maiores clientes das plataformas logísticas e são os clientes exclusivos (para já) do banco da Amazon.

Nesta área o que a Amazon faz é financiar os seus fornecedores disponibilizando fundos no espaço de 24 h que cobra depois quinzenalmente da conta do fornecedor na qual a Amazon é, naturalmente, devedor.

Como muitos dos fornecedores também são clientes de logística, até os seus stocks respondem pela dívida à Amazon.

Podemos imaginar que o ratio de incobráveis seja pequeno!

Ou seja, aos poucos, um conjunto enorme de empresas está a ficar “escrava” de uma plataforma eletrónica que continua a reclamar-se um mero intermediário que beneficia produtores e consumidores. Embora o modelo da Alibaba seja manifestamente diferente da Amazon, a verdade é que, também na China, um enorme ecossistema de produtores e consumidores está atualmente “pendurado” na plataforma eletrónica.

Manifestamente as leis antitrust que herdámos do final do século XIX não servem para acomodar a realidade atual das gigantes da tecnologia.

É necessário um novo olhar. Urgente!

 

 

Data de introdução: 2018-01-05



















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