JOSÉ FIGUEIREDO, ECONOMISTA

AS GIGANTES TECNOLÓGICAS: Como criar concorrência

A Facebook é um monopólio natural. As externalidades de rede tornaram-na um monopólio imbatível.

Até agora todas as tentativas de verdadeira concorrência falharam. A Ellon, a Secret e a Mastodon estão hoje no baú das boas intenções que deram com os burros na água.

Calcula-se que o limiar de rendibilidade de uma estrutura de rede social similar à Facebook estará na roda dos 100 milhões de utilizadores. A Facebook levou quatro anos a atingir essa quota. Atualmente, com os 2 biliões de utilizadores da Facebook, não sobra muito para iniciativas concorrentes – não é fácil chegar aos 100 milhões, sobretudo chegar lá em tempo de não ver investidores e utilizadores a levantar âncora.

Claro que as boas almas até podem dizer que a Facebook está a perder utilizadores para o Instagram ou para o Whatsapp sobretudo nas camadas mais jovens.

É verdade, contudo, como o Instagram ou a Whatsapp pertencem à Facebook que diferença faz? Porventura, não muita!

Parece claro que concorrer com a Facebook copiando o modelo, isto é, serviço gratuito e fazer dinheiro com publicidade, é próximo de impossível – algo de novo, um modelo diferente será necessário para produzir algum efeito.

Temos de perceber que quando um serviço é gratuito deixamos de ser clientes – passamos nós a ser o produto!

Uma possibilidade consiste em desenhar um modelo por subscrição, isto é, um modelo em que os utilizadores pagam uma renda, simbólica que seja, para ter a acesso á rede.

Mas porque diabo haveria alguém de pagar por algo que pode ter de borla?

Bons motivos podem não faltar. Desde logo pertencer a uma rede em que não se é permanentemente bombardeado por publicidade. Depois ter a certeza da absoluta privacidade dos seus dados. Finalmente nem sequer é difícil bater os standards da Facebook – quando se é monopolista não precisamos de polir muito o que produzimos.

Não se pense que estou aqui a inventar a roda. Esse projeto já foi tentado, mas não resultou. A Vero, assim se chamava a empresa, tentou criar concorrência efetiva ao Instagram. O promotor da iniciativa era Ayman Hariri, filho de um ex-primeiro ministro libanês. O produto parecia ser claramente superior ao Instagram e chegou a captar 4 milhões de utilizadores.

No entanto o projeto acabou por colapsar, curiosamente, em parte, por questões reputacionais. Uma empresa de construção da família Hariri foi acusada de maltratar os trabalhadores e os clientes da Vero, que o eram em parte por questões morais, não ficaram propriamente bem impressionados. Muito embora os alegados maus tratos fossem posteriores à saída de Ayman Hariri da empresa de construção a verdade é que os impactos na reputação foram fatais.

Na Suécia foi recentemente lançado mais um projeto de rede social por subscrição. A ideia, mais uma vez, é que vale a pena pagar para garantir que é a comunidade da rede social que está no controlo e não os anunciantes e que a privacidade dos dados é absolutamente garantida.

O nome do projeto é Idka, o custo é pouco mais que simbólico – 2 dólares por mês – mas obviamente não é garantido o sucesso. Boa sorte!

Mas há talvez uma solução mais radical. O que tem valor numa rede social, em termos mercantis, são os conteúdos que os utilizadores por lá deixam bem como a sua informação pessoal.

Como defendi em crónicas anteriores, no plano da mera justiça moral, as redes sociais deveriam partilhar os seus ganhos publicitários com aqueles que produzem os conteúdos ou que permitem a utilização da sua informação pessoal.

Sabemos que não será assim com os modelos que estão no mercado. Enquanto deixarem Marck Zucherberg embolsar 40% das vendas em resultados líquidos ele não vai repartir um cêntimo com ninguém.

Se queremos uma rede social livre de publicidade, onde a nossa informação pessoal e os conteúdos que geramos não possam ser vendidos, simplesmente não há receitas e não há como remunerar os conteúdos.

A Steemit é uma experiência recente que procura quadrar este círculo, garantindo que a informação pessoal é segura e não pode ser vendida, mas, ao mesmo tempo, remunerando os conteúdos. Naturalmente não os podem remunerar em dólares ou euros correntes. A solução encontrada foi pagar numa criptomoeda similar à Bitcoin a que deram o nome de Steem.

A Steem, tal como a Bitcoin pode ser trocada no mercado por dinheiro “real” e vale atualmente 3 dólares por unidade. Quanto à Steemit procura fazer dinheiro valorizando o seu stock de cripotomoedas.

Mais uma vez, apesar da originalidade e da moda que por aí vai das criptomoedas, é tudo menos garantido que vingue.

Já vimos onde os mercados, entregues a si mesmos, nos trouxeram: monopólios, afetação claramente subóptima de recursos, danos nos consumidores e, sobretudo, riscos evidentes para a democracia liberal tal como a conhecemos nos últimos séculos.

Quando os mercados falham o estado pode e deve intervir.

Neste caso defendo que a grande orientação da ação das autoridades públicas deveria ser, para lá de intervenção regulatória onde se justificar, no sentido da criação de concorrência efetiva.

A portabilidade dos perfis pessoais entre redes seria uma medida importante para ajudar os que ousam desafiar o monopólio.

Porventura não é suficiente. Se eu mandasse pediria que estudassem o seguinte modelo: obrigar a Facebook a ter dois tipos de subscrições. Uma gratuita para quem não se importasse de entregar os seus dados pessoais, os conteúdos e levar com toneladas de publicidade em cima e outra paga, com um preço simbólico, mas livre de publicidade e com garantia de que os dados pessoais e os conteúdos não serão usados para fins publicitários.

O preço teria de ser mesmo simbólico e seria fixado por um regulador. A Facebook seria obrigada a proporcionar uma portabilidade perfeita entre as duas plataformas.

Poderia não dar em nada – a segunda plataforma não conseguir mais que uns poucos milhões de subscritores.

Mas imaginemos um cenário alternativo – a segunda plataforma consegue juntar umas centenas de milhões de subscritores.

O passo seguinte seria obrigar a Facebook a vender essa plataforma.

Talvez…

 

Data de introdução: 2018-06-15



















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