JOSÉ FIGUEIREDO, ECONOMISTA

REFORMA DA ZONA EURO: Criar um Mercado de Capitais Europeu

Mesmo a união bancária, ainda que completa e bem sucedida, pode não ser suficiente. Existe um projeto complementar da união bancária que é igualmente fundamental – a unificação dos mercados de capitais.
Na Europa, temos um problema de mercado de capitais, ou, se quisermos ser mais rigorosos, temos três problemas – dimensão, profundidade e fragmentação do mercado.
Comecemos pela dimensão.
A dívida pública americana (a maior e mais líquida do mundo) vale cerca de 20 triliões de dólares e a dívida total da UEM vale pouco mais de metade. Mesmo num mercado unificado seria sempre pequena em comparação com os US. Dividida por 19 submercados, alguns dos quais muito pequenos, nunca poderá fazer sombra ao mercado de dívida pública americana e, no futuro, provavelmente será curta em comparação com a dívida pública chinesa.
O mesmo se passa com as ações. O mercado mundial tem uma capitalização bolsista de 67 triliões de dólares. Pouco menos de metade são empresas cotadas nos Estados Unidos. A maior capitalização europeia, a França, é a quinta a nível mundial depois da China, do Japão e de Hong Kong e vale menos de um décimo da americana.
Em termos de dívida corporativa o mercado da UEM vale 40% do mercado americano mesmo depois de levar em conta a diferença na dimensão das economias.
De onde vem isto?
Vem de uma tradição europeia “continental” que historicamente se opôs à tradição mercantil anglo-saxónica.
O fumo e a balbúrdia das salas de mercados sempre horrorizaram os cartesianíssimos “continentais” – é lá possível tomar decisões sensatas no meio daquele burburinho?!
É em parte por isso que o negócio financeiro no continente sempre foi mais centralizado nos bancos e menos dependente dos mercados. Também por esse motivo as poupanças dos europeus, embora sejam bem maiores que as dos americanos, só em muito pequena parte estão “investidas” diretamente. A maior parte da poupança europeia é aplicada em depósitos a prazo ou produtos estruturados por companhias de seguros (que depois a reinvestem) com rendibilidades mais baixas, mas muitas vezes garantidas.
Na Europa os empréstimos bancários representam cerca de 80% da dívida corporativa e somente 20% estão colocados diretamente nos mercados. No mundo anglo-saxónico é sensivelmente o inverso.
Acresce que os bancos anglo-saxónicos recolocam grande parte do crédito gerado no mercado através de securitizações. Mesmo levando em conta a diferença de dimensão das economias, o mercado europeu de securitização vale apenas a quinta parte do americano.
Por outro lado, existe um problema de profundidade.
Quando pensamos em empresas mais pequenas, mais jovens, mas com grandes perspetivas de crescimento e também com grande risco (normalmente estas coisas andam juntas), porventura as mais interessantes do ponto de vista do crescimento da economia, verificamos que na Europa praticamente só existe o crédito bancário como forma de financiamento. Ora, os bancos tendem a ser muito conservadores nas suas análises e muitas vezes estas empresas acabam por sucumbir antes de ser testadas nos mercados.
Se olharmos para os mercados de dívida de alto risco – mais ajustados a esse tipo de empresas – o mercado europeu vale apenas 1/3 do americano já depois de tida em conta a diferença de dimensão das economias. No caso do “venture capital” a diferença é ainda mais esmagadora – a Europa vale apenas 1/8 do mercado americano.
Finalmente temos um problema de fragmentação. De uma forma geral os mercados estão “nacionalizados”. Não só cada país tem o seu mercado de dívida, a sua bolsa de valores como, de uma forma geral, bancos nacionais emprestam a empresas nacionais e investidores residentes tendem a investir em ativos residentes.
Contudo, uma dose quantum satis de saudável ceticismo pode levar-nos a colocar a seguinte questão: a Europa é uma das economias mais desenvolvidas do mundo e, porventura, a mais competitiva. Para aí chegar não precisou nem de sistema bancário unificado nem de mercado de capitais integrado. Integrar os mercados de capitais é assim tão relevante? Não passamos bem sem isso?
Depende do que se pretenda com o projeto europeu. Depende do nível de coesão e da ambição que pretendemos para o futuro.
Não é por acaso que não há nenhuma empresa europeia entre as maiores empresas tecnológicas mundiais.
Há muitas explicações para que Sillicon Valley fique na Califórnia e não nas igualmente soalheiras areias da Côte de Azur ou na Costa Vicentina.
Uma dessas razões é um ambiente onde prospera uma cultura de capital de risco e onde os mercados criaram estruturas que levam esse capital onde é preciso – às start ups grávidas de promessa e de risco.
Convém eliminar o mito das empresas que nascem em garagens.
A Uber, por exemplo, só existe porque foi possível levantar, ainda numa fase perfeitamente embrionária, 250 milhões de dólares de capital de risco.
Claro que, para obter os fundos, ajudou o facto de um dos promotores, Garrett Camp, ser um empresário conhecido e com um passado de projetos bem-sucedidos.
Mas é difícil imaginar que, em qualquer país europeu, alguém conseguisse levantar um montante sequer comparável para um projeto que, na altura, não era (ou não parecia ser) mais do que uma boa ideia.
Se a Europa tem a ambição de estar na vanguarda da revolução tecnológica que aí vem nas áreas da mobilidade elétrica, dos veículos autónomos, da robotização ou da inteligência artificial, bem andaria se tratasse de integrar os mercados de capitais e se facilitasse a emergência de uma cultura de capital de risco.
Convém dizer que para já estamos a fazer tudo ao contrário. O Brexit abriu, nesta matéria, uma oportunidade única e não repetível. Muito do florescente setor financeiro da City de Londres terá de emigrar para paragens continentais. A UEM poderia ter aproveitado o ensejo para criar um hub financeiro capaz de competir com Londres, Nova Iorque ou Hong Kong. Em vez disso o que vimos foi uma competição feroz e nem sempre limpa entre as capitais europeias para captar o máximo possível dos despojos do Brexit. Paris lá levou qualquer coisa, Amsterdão também, Dublin ficou com uns restos e a maior fatia, provavelmente, aterrará em Frankfurt.
Assim não vamos longe!

 

Data de introdução: 2018-10-11



















editorial

TRABALHO DIGNO E SALÁRIO JUSTO

O trabalho humano é o centro da questão social. Este assunto é inesgotável… (por Jorge Teixeira da Cunha)  

Não há inqueritos válidos.

opinião

EUGÉNIO FONSECA

IPSS OU EMPRESAS SOCIAIS: uma reflexão que urge fazer
No atual cenário europeu, o conceito de empresa social tem vindo a ganhar relevância, impulsionado por uma crescente preocupação com a sustentabilidade e o impacto social.

opinião

PAULO PEDROSO, SOCIÓLOGO, EX-MINISTRO DO TRABALHO E SOLIDARIEDADE

A inatingível igualdade de género
A Presidente da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) foi à Assembleia da República no dia 3 de outubro com uma má novidade. A Lusa noticiou[1] que...