CENTRO DE BEM-ESTAR SOCIAL DA FREGUESIA DE COZ, ALCOBAÇA

Artesanato, ruralidade e turismo revitalizam a comunidade e a instituição

Diz o povo que “o que nasce torto, tarde ou nunca se endireita” e costuma ter razão. No entanto, quando a vontade de levar avante um projeto se junta a uma força criativa determinante, tudo pode acontecer e ser… diferente. De facto, têm sido inúmeras as vicissitudes que têm colocado um espartilho ao desenvolvimento do Centro de Bem-Estar Social da Freguesia de Coz. Para tentar desapertá-lo, a instituição aposta no Coz’ART, um projeto que aposta no artesanato, ruralidade e turismo como fonte de receita e apoio à comunidade.
Criada em 1989, a instituição daquela antiga freguesia do concelho de Alcobaça tinha como orientação apoiar a comunidade na área das crianças e dos idosos. Contudo, depois de muitos anos liderada por uma Comissão Instaladora, que como grande legado deixou o terreno, mas igualmente uma avultada dívida contraída para a compra do mesmo.
“O terreno foi muito caro e a dívida contraída foi muito grande pelo que a instituição não descolava”, argumenta Alda Gomes, diretora-técnica da instituição, lembrando que “só muito mais tarde foi construído o edifício, sempre com muitas dificuldades, pelo que a obra só foi inaugurada em 2004”.
Apesar de o edifício ter sido construído com o apoio do PARES, “isso não foi suficiente para aliviar a situação, nem ajudou depois a forma como foi orientado”.
Já com uma dívida avultada às costas, a instituição recorreu “a alguns empréstimos, no caso a particulares, mas igualmente com juros”, para construir o edifício que atualmente apoia 50 utentes em SAD, acolhe 30 idosos no Centro de Convívio e ainda serve 40 refeições/dia às crianças da escola da freguesia.
O Centro de Convívio está em processo de transformação em Centro de Dia, faltando apenas a construção, já aprovada, de uma sala para banho assistido, que deve ser concretizada em breve.
O problema do Centro de Coz é que, servindo uma população cujas “reformas são baixinhas”, as “muitas dificuldades que trazem as dívidas até hoje provocam um enorme aperto financeiro”.
“De uma maneira geral, esta é uma população carenciada. Nós servimos as pessoas da terra e estas eram basicamente trabalhadoras rurais e, na maioria, praticamente não fizeram descontos, portanto, isso traduz-se em reformas baixinhas. Por outro lado, não encontramos acolhimento nem disponibilidade por parte dos filhos para comparticiparem um bocadinho. Isso faz com que andemos sempre um bocadinho sufocados financeiramente”, sustenta Alda Gomes, acrescentando: “Já renegociámos a dívida e temos conseguido honrar os nossos compromissos, mas é sempre com uma vida apertada. E foi por causa deste sufoco que decidimos avançar para um projeto social que se transformasse num negócio e ajudasse a financiar e a desafogar financeiramente a instituição, por forma a podermos continuar a apoiar quem precisa”.
Assim, os responsáveis pela instituição, cientes de que era necessário fazer algo “para que o Centro pudesse continuar a apoiar a comunidade como quer e deve”, decidiram avançar, em 2016, com o projeto social Coz’ART e que atualmente já é um negócio.
“O projeto tem três vertentes e chama-se Coz’ART, sendo que o A é de artesanato, o R de ruralidade e o T de turismo”.
Aproveitando a mais-valia que é o mosteiro cisterciense, cujas visitas guiadas são, agora, da responsabilidade da instituição, e que a Câmara Municipal de Alcobaça decidiu revitalizar, apostando na recuperação da envolvente, que tinha sido retalhada e vendida a particulares no tempo da I República.
“Quando pensámos nisto pensámo-lo como um projeto detido a 100% pela instituição e que queremos desenvolver ao ponto de ele contribuir para o financiamento das atividades da instituição”, argumenta a diretora-técnica, passando a explicar as três vertentes que o projeto abarca.
“No que respeita ao artesanato, pretendíamos recuperar e revitalizar as seiras de junco. Todas as artesãs e quem ainda trabalhava o junco tinha mais de 70 anos e achávamos que era agora ou nunca para recuperar e revitalizar esta tradição. Tivemos a sorte do vice-presidente da instituição ser filho de uma tecedeira que sabia fazer esteira e que agarrou o projeto para revitalizar este artesanato”, começa por explicar, revelando os passos seguintes: “Começámos por fazer uma parceria com a Escola Superior de Artes e Design (ESAD) das Caldas da Rainha e lançámos um concurso de ideias, com a parceria da autarquia de Alcobaça, a duas turmas, em que os alunos tiveram um ano para desenvolver protótipos alternativos às cestas. O objetivo era fazer algo que fosse uma projeção para o futuro e não nos ficássemos apenas pelo que se fazia no passado. O interesse era lançar uma semente para o futuro. E o trabalho dos alunos foi muito interessante e proveitoso. Temos cerca de 30 protótipos fazíveis, pelo que ficámos, logo aí, com material para arrancar com esta vertente de negócio”.
Já no que respeita à ruralidade, o cenário principal é o quintal da instituição, com 16 mil metros quadrados, e que, apesar de neste momento estar parado, o Centro quer revitalizar, “até porque há um produtor biológico que é membro da Direção”.
Primeiro, “pensou-se fazer a certificação deste terreno e avançar para uma produção hortícola de subsistência, ou seja, para fornecer a instituição”, conta, lembrando que a horta já foi um espaço de “causar inveja”.
“Tínhamos um utente que era o nosso hortelão e que, durante os dois anos que cá esteve, fez da nossa horta algo de causar inveja. Só não podemos dizer que era uma horta de produção biológica porque a certificação é muito demorada, mas a prática era toda nos moldes da produção biológica. Atualmente temos uma parceria com o CEERIA – Centro de Educação Especial, Reabilitação e Integração de Alcobaça, no âmbito da qual temos cá uma pessoa ajudante de cozinha, e pedimos-lhes para que nos enviem uma pessoa com formação na área da agricultura para que possamos retomar a horta, qua hoje, é verdade, está parada”.
Apesar de a maioria dos utentes do Centro de Coz ter vivido da agricultura, hoje isso não é algo que os motive.
“Os idosos já trabalharam muito e agora não querem. Já tivemos aí um grupo de idosos que gostava e, apesar de não poderem muito, gostavam de lá estar e de dar instruções a um grupo de jovens que tivemos aí uma vez. Agora, já temos utentes com demências e que, portanto, não podem participar, e os restantes acham que estão na hora de descansar. Fazer as demais atividades que lhes proporcionamos eles gostam e aderem, agora trabalhar na agricultura… já foi tempo”, explica Alda Gomes, que reconhece ser esta a vertente mais parada do projeto, mas, mesmo assim, com um grande potencial de ser desenvolvida.
“É que a ruralidade aqui está muito preservada. Como não se podia construir, a ruralidade está muito intacta. Depois temos, em Alqueidão, uma reserva de água do Jurássico Superior, a 250 metros de profundidade, que é uma água pura, e temos uma natureza muito intacta que dá para fazer passeios, observação de águias de asa redonda e de outras atividades, porque é uma zona muito calma e preservada”, argumenta, revelando algumas ideias que fervilham: “Temos a ideia de promover uns passeios, porque recebemos aqui muitos turistas e ainda desenvolver outras situações para que possam conhecer a região”.
A aposta é numa vertente turístico-rural, “aproveitando ainda o mosteiro, que até há pouco estava fechado”, revitalizando as visitas-guiadas ao monumento e à área envolvente.
Por outro lado, o Centro pôde, com o apoio da autarquia, adquirir a antiga Adega das Monjas, espaço fronteiro ao mosteiro, “e que serve de sede da Coz’ART, de receção aos turistas e onde é desenvolvida toda a atividade de cestaria”.
“O sonho é avançarmos para um centro interpretativo do junco, mas isso é uma coisa que há de ser… se for possível. Para já não pode ser, mas é um projeto que alimentamos, a fim de deixarmos documentado o percurso do junco em Coz”, afirma, revelando: “Ainda aliado ao turismo, sentíamos a necessidade de, para além das seiras, ter algo para vender, algo que as pessoas levassem daqui como recordação. Sabendo-se que o pão de ló de Alfeizerão foi levado de Coz, porque algumas das senhoras que trabalhavam no mosteiro, aquando do seu fecho, foram para Alfeizerão e levaram a receita, e nós achámos por bem recuperá-lo”.
Por outro lado, sabe-se que a receita original não era como a do pão de ló de Alfeizerão, porque à época para os pães de ló irem nas naus para os Descobrimentos não podiam ser malcozidos, como é o de Alfeizerão.
“O que sabíamos é que o pão de ló de Alfeizerão é assim porque o rei D. Carlos apareceu mais cedo do que o previsto e com a pressa foi retirado mais cedo do forno ainda malcozido, mas o rei provou e gostou e assim ficou. Diga-se que foi por decisão régia que ele ficou assim! Então, fomos à procura da receita original, fizemos diversas experiências e várias sessões de prova e procurámos aquilo que seria o original do pão de ló”, conta Alda Gomes, acrescentando: “Agora, temos o pão de ló de Coz, que é feito, mais ou menos, com os mesmos ingredientes do que o de Alfeizerão, que coze totalmente e é adoçado com mel e açúcar amarelo. Como era para vender aos turistas, encomendámos uma caixa com um design que fosse um pouco do mosteiro, na qual é replicada a grade do mosteiro, grade que separava as monjas dos demais fiéis, e o papel que envolve o bolo é o desenho dos azulejos do mosteiro. Por fim, ainda tem um resumo da história do pão de ló quinhentista”.
Para além de preservar uma tradição e fazer a história do pão de ló, a instituição com este projeto conseguiu “um produto para vender e com isso angariar fundos”.
Aproveitando as virtudes endógenas do território, o Centro de Bem-Estar Social da Freguesia de Coz aposta fortemente no projeto Coz’ART, não apenas pelos benefícios financeiros que dele podem advir à instituição, mas revitalizando práticas que ao longo dos séculos fizeram aquela comunidade, recuperando-as e dando-as a conhecer através do incremento do turismo, apoiado na ruralidade e artesanato.

Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)

 

Data de introdução: 2018-12-06



















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