É um conceito que surgiu na Dinamarca há cerca de 50 anos e só agora dá os primeiros passos em Portugal. Trata-se do cohousing que mais não é do que habitação colaborativa em Português. Apesar disso, há já algumas experiências entre nós, promovidas por IPSS, que tocam o conceito e que se afiguram como respostas interessantes e válidas para promover o envelhecimento ativo. Retardar a institucionalização de pessoas idosas mais ainda ativas, autónomas e capazes de muito é o objetivo e a habitação colaborativa, em moldes solidários ou apoiados por autarquias, são uma solução. É também para apoiar projetos destes que nasceu a Hac.Ora, cuja missão é dinamizar projetos de cohousing em Portugal.
Se o conceito do cohousing como é entendido no norte da Europa e que ao longo de meio século tem ganhado espaço noutras latitudes do Velho Continente, só agora chega ao nosso país, há muito que determinadas realidades urbanísticas portuguesas encontram alguns pontos de contato com o conceito há muito disseminado no norte da Europa. São os casos das ilhas do Porto, dos pátios de Lisboa, das comunidades hippies ou das aldeias em que diversos equipamentos (forno, lagar e outros) eram comunitários.
Porém, o conceito de habitação colaborativa, que é muito mais do que simplesmente partilhada, vai mais além, pois define-se como uma comunidade intencional e autogerida, na qual espaços e instalações comuns complementam as habitações privadas.
Tipicamente, a gestão e a manutenção de um cohousing são feitas pelos residentes. São criados grupos de trabalho para lidar com as diferentes tarefas, desde a gestão financeira à preparação de refeições comuns. A ideologia da habitação colaborativa pode estender-se à vizinhança. O reforço do sentido de comunidade não se resume aos limites físicos do cohousing. Muitos grupos que vivem em cohousing organizam atividades ou eventos de toda a ordem comuns com os vizinhos, gerem hortas comunitárias ou alugam os seus espaços comuns a grupos externos.
Nos tempos que correm, vários são os motivos que potenciam o desenvolvimento de projetos deste tipo, não apenas de cariz ideológico, mas também prático (pois reduz a carga do trabalho doméstico, como cozinhar e limpar), económico (encontra formas acessíveis de se viver na cidade) e social (aumenta a inclusão social, assim como promove o envelhecimento ativo e o combate à solidão).
É precisamente neste último ponto, o social, que a primeira associação portuguesa de promoção do cohousing assenta os seus princípios.
“A Hac.Ora é uma associação que visa divulgar este conceito da habitação colaborativa, o cohousing, e está focada nas camadas seniores, apesar de todos nós defendemos muito a intergeracionalidade. É claro que os projetos mais ricos surgirão se conseguirmos garantir essa intergeracionalidade”, começa por dizer, ao SOLIDARIEDADE, Nuno Cardoso, presidente da Hac.Ora, acrescentando que é assim porque “o problema que a sociedade tem no presente é essa camada de seniores que são ativos e, felizmente, duram mais tempo em boas condições de atividade”.
O problema é que, “neste momento, não há qualquer proteção para essa gente”.
Os números dizem que, atualmente, Portugal é o terceiro país mais envelhecido da Europa, com uma medida de idade de 44,1 anos, e que 20,6% da população tem mais de 65 anos.
“Em Portugal temos infraestruturas para seniores que, há medida que os anos passam, se transformaram mais em unidades de cuidados continuados, porque os seniores iniciais foram envelhecendo e ficando mais dependentes. As respostas que temos são mais para a fase terminal da vida, em que as pessoas estão mais incapazes motora e psiquicamente, e não há uma resposta para o antes desse estado de dependência”, sustenta Nuno Cardoso, sublinhando: “A resposta é para as pessoas ficarem em casa enquanto puderem, por vezes com um apoio domiciliário, mas é uma solidão muito grande”.
Para Nuno Cardoso, “o foco da Hac.Ora são mesmo os seniores, porque essa camada da população a cada dia que passa tem mais dificuldades e mais incapacidade para resolver o seu problema de habitação”, pelo que defende que “a sociedade deve mobilizar-se para ajudar a que eles se organizem e para que surjam as respostas”.
Na I Conferência Internacional «Cohousing em Portugal/Viver sustentável», que decorreu no Porto, a arquiteta sueca Krestin Kärnekull revelou que estudos realizados no seu país de origem demonstram que “as pessoas que vivem em cohousing têm uma esperança de vida de mais 10 anos”.
Para além das realidades já faladas que têm alguns pontos de contato com os princípios do cohousing, há já experiências institucionais em Portugal que também tocam aqueles princípios. São os casos de algumas IPSS e também de autarquias.
“As respostas mais institucionais, como das IPSS, são igualmente muito importantes, porque permitem às pessoas fazerem a sua vida de forma autónoma o que lhes dá uma sensação de liberdade muito importante”, afirma o presidente da Hac.Ora, revelando um caso da autarquia de Oeiras: “Há 10 anos, o edil Isaltino Morais construiu um bloco com 60 T1, todos para seniores ativos, e cedeu o rés-do-chão a uma IPSS que tem um centro de dia. E à medida que as pessoas vão envelhecendo vão usufruindo dos serviços da instituição, para além de que têm o apoio desta em muitas das tarefas domésticas. Não é cohousing porque não há autogestão e, se calhar, nem se está a promover tanto o convívio como seria desejável e que também é essencial no cohousing, mas já é algo a pensar naquela população específica”.
Já com idade a mais para não estarem sozinhos e isolados e idade de menos para serem institucionalizados numa ERPI (Estrutura Residencial Para Idosos), muitos dos seniores permanecem em suas casas, muitas vezes sós e sem retaguarda, contando apenas com o apoio domiciliário das instituições sociais.
Na rede solidária que cobre o território nacional, há pelo menos dois exemplos felizes do que poderemos chamar de residências assistidas, uma espécie de cohousing institucional. Porém, também aqui não encontramos um dos pilares do cohousing que é a autogestão, mas as experiências têm-se revelado muito positivas para o acolhimento e apoio a idosos ainda autónomos e ativos.
É o caso do Centro Social e Paroquial de S. Miguel de Acha, concelho de Idanha-a-Nova, que, em 2012, construiu quatro pequenas residências paredes meias com a instituição, onde moram cinco idosos ainda autónomos e ativos, que assim têm o apoio dos serviços da IPSS (Centro de Dia e Serviço de Apoio Domiciliário) e não estão sós ou isolados.
Dando especial atenção ao envelhecimento ativo, a pequena instituição de S. Miguel de Acha desejava ter capacidade financeira para poder ampliar esta resposta social, que não é comparticipada pela Segurança Social
“Para já chega para as necessidades, mas temos vários pedidos para as residências. Se tivéssemos oito, provavelmente, estariam cheias com pessoas daqui de S. Miguel de Acha”, dizia em 2017, ao SOLIDARIEDADE, Alberto Gonçalves, vice-presidente da instituição, explicando as razões dos pedidos: “Há muitas pessoas que têm perdido alguma autonomia, principalmente porque as suas habitações começam a colocar-lhes obstáculos, como as escadas ou, por vezes, três simples degraus”.
Mais a norte, no concelho de Águeda, Os Pioneiros – Associação de Pais de Mourisca do Vouga também apostou nesta solução, dando resposta atualmente a 17 idosos.
“Eles moram ali nas suas casinhas, mas têm todo o apoio da instituição, que é onde, por exemplo, vão comer, apesar de cada casinha ter cozinha”, conta José Carlos Arede, presidente da instituição.
As «Casinhas do Pinhal», nome que vão buscar à envolvente paisagística, são um conjunto de oito habitações construídas em terreno contíguo ao edifício-sede da instituição, onde, para além de tomarem as refeições, os ocupantes das casinhas têm acesso a todos os demais serviços da instituição, sejam médicos, lavandaria ou outros.
António Pinto (mais conhecido por Pauleta) tem 79 anos e, depois de 41 anos emigrado na África do Sul, regressou a Portugal com a família. Após um processo de divórcio aos 73 anos, optou por ocupar uma das casinhas, onde mora desde então. Serralheiro de profissão, Pauleta ajuda na manutenção da instituição e, de bicicleta ou de carro, todos os dias vai ter com os amigos para jogar às cartas, beber uns copos e conviver.
“Estar aqui é fantástico, estou bem acomodado e até temos facilidade de fazer uns convívios com os amigos”, diz, lembrando que “desde 2001 que sou voluntário na instituição”.
O senhor Pinto começou por frequentar o Centro de Dia d’Os Pioneiros, transitando, quando houve vaga, para a casinha.
“Esta foi uma solução muito boa, porque tenho aqui muitos amigos e muita gente conhecida. Estou aqui muito bem e não quero ir para o lar. Já avisei as doutoras que quero morrer aqui na casa”, afirma, confirmando com o olhar com a diretora-técnica da instituição.
Também aqui a Segurança Social não comparticipa, apesar de cada vez mais se apelar a que se retarde a institucionalização dos idosos.
“Os lares são cada vez mais unidades de cuidados continuados e pessoas ativas e autónomas não querem estar num ambiente em que à sua volta só veem pessoas acamadas ou muito dependentes, por isso esta resposta é uma boa solução, pena que a Segurança Social não apoie, nem olhe para estas respostas como um caminho de futuro”, sustenta José Carlos Arede, que mesmo assim tem o objetivo de criar mais algumas casas.
“O cohousing envolve alguns aspetos e algumas respostas que são, de facto, importantes. Ajuda as pessoas a manterem e a criarem novas relações e isso, de algum modo, combate o isolamento e o abandono, o que é importante. Por outro lado, implica a criação de serviços comuns e aí as instituições de solidariedade são também importantes”, defende o presidente da CNIS, acrescentando: “Depois, o criar novas relações, o pôr as pessoas a partilharem serviços e equipamentos cria desafios na vida, o que também é muito importante, sobretudo quando se chega à idade da retirada, como dizem os franceses, encontrar desafios para viver é, de facto, importante”.
Por isso, o padre Lino Maia vê “com muito apreço esta situação e já há algumas experiências muito interessantes”, referindo o caso d’Os Pioneiros, “que criou, num espaço interessante, várias residências, em que os idosos vão para lá, partilham os demais equipamentos da instituição, convivem e tornam menos onerosa e mais desafiante a vida”.
O líder da CNIS defende mesmo que esta pode uma resposta das IPSS para adiar a institucionalização e promover o envelhecimento ativo.
“Considero que esta podia ser incluída como uma resposta típica da Segurança Social. É perfeitamente possível que haja instituições, o caso d’Os Pioneiros é o que conheço melhor, em que elas próprias, tal como neste caso, avancem para algo do género, porque as instituições podem sempre prestar um apoio adicional com os demais serviços que prestam. Então, depois, quando já ficarem menos autónomas poderão, eventualmente, transitar para outra resposta social”, argumenta, sublinhando: “Isto é um caminho a percorrer, porque com o aumento da esperança de vida e com as famílias, diria, cada vez mais pequenas, as pessoas tendem a ficar durante mais tempo sós e mais abandonadas, mas ainda com condições para viver e conviver. Irem para residências deste tipo em que partilham a vida umas com as outras, com espaços em comum, ajuda as pessoas a viver, cria desafios e motiva para a vida”.
Também António Tavares, provedor da Santa casa da Misericórdia do Porto, defende que o cohousing “é uma das soluções para ajudar na questão do envelhecimento”.
Falando na conferência organizada pela Hac.Ora, António Tavares lembrou “não se pode deixar ao mercado a resolução do problema das pessoas idosas”, porque “o envelhecimento necessita de novas respostas, até porque não há capacidade para institucionalizar toda a gente”.
No seguimento dos diversos contatos, com a Assembleia da República, as autarquias e algumas misericórdias, na divulgação e promoção do cohousing, a Hac.Ora prepoara-se para assinar o primeiro protocolo com uma instituição para colocar no terreno o primeiro empreendimento de habitação colaborativa.
Considerando que a forma mais rápida de testar o conceito em Portugal “será mesmo através de instituições como as câmaras municipais e as IPSS”, Nuno Cardoso revela o que se desenha no futuro próximo em parceria com a Misericórdia do Porto.
“Neste momento, a Hac.Ora já está a trabalhar num projeto com a Santa Casa da Misericórdia do Porto, em que já temos um imóvel. A associação deseja controlar a vertente técnica do projeto, a nível da arquitetura, sempre em conversa com a dona da obra, mas também quer estar na seleção das pessoas. O que iremos fazer é um anúncio para divulgar o projeto, explicando o tipo de habitações que se trata e sublinhando que é para ser habitado em cohousing, em colaboração. As pessoas inscrevem-se e uma equipa composta por técnicos selecionará as pessoas. É preciso conhecer o perfil de cada pessoa e a capacidade que tem de viver em grupo, caso contrário pode haver um elemento perturbador e tóxico que dá cabo do grupo e do ambiente”.
Refira-se ainda que também as autarquias das duas maiores cidades do país estão a tentar implementar projetos na órbita do cohousing.
No caso de Lisboa, aquando da remodelação do Bairro Padre Cruz foram construídas residências assistidas para idosos autónomos que se inserem num edifício intergeracional, onde há uma creche, e em que os espaços comuns são geridos pelos habitantes.
No Porto, a situação é semelhante. No âmbito da requalificação do Bairro do Cerco, a Domus Social, empresa municipal responsável pela habitação, tem o projeto de instalar também um conjunto de residências assistidas, centrando-se para já a dúvida sobre a tipologia das habitações.
Também na conferência promovida pela Hac.Ora, Guilherme Vilaverde, da Fenache (Federação Nacional de Cooperativas de Habitação Económica), lembrou que “as cooperativas construíram cerca de 200 mil casas, sempre feitas com as pessoas, e criaram também equipamentos sociais”, defendendo que esta forma de estar também “é habitação colaborativa”.
Aliás, a figura de cooperativa é uma das boas formas de avançar para um projeto de cohousing, mas como diz Nuno Cardoso “o importante é as pessoas organizarem-se em grupos, por afinidades, autopromoverem e autogerirem o empreendimento”.
Para Nuno Cardoso, “este modelo tem um potencial enorme de criar grupos como uma qualidade de vida e de bem-estar muito bons”, destacando que “o que se pretende é criar ambientes de felicidade”.
Para isso, “precisamos de viver em conjunto, de nos darmos com amigos e de criar felicidade, que nasce da vivência que temos com as outras pessoas”.
Para o presidente da CNIS, fundamental neste conceito é o estímulo que pode dar às pessoas.
“Há uma expressão antiga que diz ‘viver é conviver’, na medida em que as pessoas têm oportunidade de se relacionar, de conviver e têm desafios para viver, porque quando se vive isolado e no seu canto acaba-se por não ter desafios para viver. Penso que esta é a grande filosofia do cohousing”, concluiu o padre Lino Maia.
I CONFERÊNCIA INTERNACIONAL
No passado dia 22 de fevereiro, na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, a Hac.Ora promoveu a I Conferência Internacional «Cohousing em Portugal/Viver sustentável».
A associação que surgiu há nove meses e tem por missão divulgar e promover o cohousing em Portugal, de olhos postos na faixa etária idosa e ativa, começou por estabelecer contatos com diversas entidades, entre as quais a Assembleia da República no sentido de sensibilizar os deputados para que a Lei de Bases da Habitação, que está em discussão, consagre este novo modo de habitar.
Na FEUP deu-se o pontapé de saída público, com um dia de trabalho em torno do cohousing.
A vertente mais institucional, a caracterização demográfica de Portugal (terceiro país mais envelhecido da Europa), o design inclusivo, entre outros temas, ocupou a manhã dos presentes, enquanto a parte da tarde ficou reservada, especialmente, para a partilha de experiências de outros países. Os casos da Suécia, Hungria, Espanha e Holanda demonstraram a eficácia do modelo, o que deixou ainda mais interessados alguns dos presentes na plateia.
Como ideia geral, no cohousing o ambiente comunitário pode ser de vários níveis, dependendo do que o próprio grupo pretende. Não há modelos formatados e ninguém pode impor nada, o grupo é que define o que quer.
A Hac.Ora (Portugal/Senior Cohousing Association) é uma associação aberta a novos sócios e a adesão é gratuita. Na plataforma online da associação há já um espaço para formação de grupos, “porque já há muita gente com vontade de pôr em prática este modelo”, revela o presidente Nuno Cardoso, concluindo: “A associação quer ir atrás, agora as pessoas vão ter que se juntar e a associação irá apoiar sempre que puder”.
Pedro Vasco Oliveira (texto)
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