JOSÉ FIGUEIREDO, ECONOMISTA

Vem aí uma recessão global?

A resposta deste vosso criado à pergunta em título é muito simples: não sei!
É muito difícil antecipar recessões e é ainda mais difícil, quiçá impossível, antecipar o timing das mesmas.
Um episódio histórico, não demasiado distante para que dele ainda tenhamos memória, ilustra abundantemente a dificuldade de antecipar recessões.
Em agosto de 2008 a economia americana estava em claro sobressalto.
Em 2006, subitamente, os preços das casas começaram a descer interrompendo um ciclo de crescimento “anormal” que tinha começado na transição do milénio.
Naturalmente que o boom do imobiliário residencial foi suportado por um boom do crédito hipotecário. Um dos segmentos do crédito imobiliário que mais cresceu foi o do chamado subprime, isto é, dos devedores com mau histórico ou menor capacidade económica.
Em 2007 a bolha do crédito imobiliário, em particular dos produtos estruturados sobre crédito subprime, estourou e o sistema financeiro ficou em cacos. Até agosto de 2008 a Reserva Federal foi obrigada a várias intervenções de emergência, fornecendo liquidez a instituições supostamente solváveis ou promovendo a compra das mais fracas pelas que tinham balanço para as acomodar.
O ambiente não era propriamente de euforia!
Contudo, em agosto de 2008, apenas um par de semanas antes da falência do Lehman Brothers, com tudo a “arder” em volta, nem um único “professional forecaster”, ou seja, economistas profissionais que por dever de ofício fazem previsões macroeconómicas, antecipou a recessão de 2009. A própria Reserva Federal, no mesmo mês de agosto de 2008, continuava a prever um crescimento positivo em 2009.
O que se seguiu, todos sabemos, foi a maior recessão em 80 anos!...
Na verdade, não há bola de cristal para estas coisas, simplesmente não sabemos como antecipar recessões económicas!
O que podemos fazer é ler os sinais e procurar neles a maior dose de significado que possamos extrair.
O que nos dizem os sinais atuais é que temos fortes razões para estar preocupados.
Nos Estados Unidos a yield curve começou por achatar e depois inverteu parcialmente. A yield curve é uma linha em que inscrevemos as taxas de juro dos empréstimos à medida que o prazo vai aumentando.
Em tempos normais a yield curve é empinada, isto é, as taxas de juro crescem à medida que os prazos são maiores. Em tempos normais as taxas a 10 anos são maiores que as taxas a 5 anos, a 5 anos maiores que a 2 anos, etc.
Isto deriva do simples facto que, ao aumentar o prazo, aumenta o risco e o investidor exige um prémio. No tempo em que os depósitos a prazo rendiam alguma coisa também era assim: quanto maior o prazo maior era a remuneração.
Quando a yield curve achata ou inverte (fica a descer) isso quer dizer que as taxas dos prazos mais longos estão mais próximas dos prazos mais curtos ou até, no limite, mais baixas.
Isto não é sinal de grande saúde da economia. As taxas de juro dos prazos mais longos são a melhor estimativa que podemos ter das taxas de juro de curto prazo no futuro.
Se alguém está disponível para emprestar a 5 anos por um preço mais baixo que o juro que exige a um ano, isso quer dizer que não espera taxas de juro a um ano muito altas daqui a 5 anos, caso contrário, estaria a dar um tiro no pé.
Se os mercados esperam taxas de juro baixas no futuro é porque antecipam um clima económico deprimido.
De uma forma geral as recessões são antecedidas de inversão da yield curve com 12 a 18 meses de antecedência.
Contudo, vamos com calma. Trata-se apenas de um sinal, não há nenhuma relação de causa e efeito que permita antecipar com segurança o que quer que seja.
Na Europa os sinais também são preocupantes.
A economia alemã contraiu ligeiramente no segundo trimestre de 2019. A contração deve-se a uma queda significativa no output industrial, parcialmente compensada com a robustez do setor dos serviços e da construção civil. O que vamos sabendo do terceiro trimestre é que a tendência se mantém e que, com toda a probabilidade, uma nova contração será inevitável.
A produção industrial está a cair em parte devido à transição energética no setor automóvel (muito importante para a Alemanha) mas também porque a Alemanha está a ser uma vítima colateral da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China.
Não por acaso chamaram à Alemanha a locomotiva da Europa. É altamente provável que a fraqueza alemã se propague ao resto da Europa, é uma questão de tempo.
Do extremo oriente também chegam sinais negativos.
As exportações do Japão estão a cair há 8 meses consecutivos.
Na China a economia cresceu acima de 6% no primeiro semestre de 2019. Continua a ser um crescimento robusto, contudo, desde que a China publica dados trimestrais, há quase de 30 anos, este é o crescimento mais baixo de sempre.
Curiosamente no caso da China até há sinais positivos. No primeiro semestre de 2019 mais de 60% do crescimento veio do consumo privado o que parece indicar que a economia chinesa está menos dependente do investimento e das exportações para continuar a crescer.
Contudo, os dados mais recentes indicam que também no império do meio as coisas estão a ficar feias – produção industrial a cair, preços de produção à beira da deflação…
O clima político também contribui para algum pessimismo dos agentes económicos.
Na Europa o cenário mais provável é a saída do Reino Unido da União Europeia de forma desordenada.
Nos Estados Unidos vemos, pela primeira vez em décadas, uma oposição às claras entre o Presidente e a Reserva Federal. A independência da política monetária é uma das maiores aquisições das últimas décadas. A independência do banco central pode estar em causa justamente no país que ainda é, de longe, o mais relevante para a economia mundial e, sobretudo, para os mercados financeiros globais.
Finalmente, convém lembrar que as recessões são um facto da vida, acontecem com alguma regularidade. Desde que há capitalismo moderno, desde meados do século XIX, são muito raros os períodos de 10 anos em que não há pelo menos uma recessão económica.
O atual ciclo de crescimento da economia global vem desde 2009, ou seja, já dura vai para 10 anos. De certa forma já estamos a dever uma recessão à estatística.
Resumindo, não há nada que permita dizer com um mínimo de segurança que vem aí uma recessão no prazo de um ano ou ano e meio.
Mas que os sinais são preocupantes, lá isso são!

 

Data de introdução: 2019-10-09



















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