CENTRO SOCIAL PAROQUIAL DE S. MARTINHO, MIRANDA DO DOURO

Porto de abrigo de uma população envelhecida, frágil e só às portas de Espanha

Tudo começou há 30 anos com um «tímido» centro de dia. Já em 2003, é inaugurado o lar de idosos para responder a uma população cada vez mais envelhecida, debilitada e só. É o pilar da freguesia em muitos aspetos e quem mais ajuda a que a comunidade resista e ainda sobreviva. Proporcionar bem-estar e qualidade de vida aos idosos que procuram a instituição é o objetivo e nesse sentido requalificar o jardim do Centro é o projeto em mente e que os responsáveis pretendem pôr em prática o mais breve possível.
O Centro Social Paroquial de S. Martinho fica na sede de freguesia de S. Martinho Angueira, concelho de Miranda do Douro. Fica num território distante do litoral, muito desertificado (não chega a 310 habitantes) e que faz fronteira com Espanha.
Como refere o diretor-técnico da instituição, Vítor Domingues, “o Centro Social é, praticamente, o único empregador da freguesia”, sendo que a instituição já não consegue recrutar na freguesia “porque não há mão-de-obra”.
Com 30 anos de existência completados no passado dia 31 de julho, o Centro Social Paroquial arrancou apenas com uma resposta de Centro de Dia, numas instalações provisórias da Casa do Povo, e só 14 anos volvidos abriu as respostas de Lar e Apoio Domiciliário, já no edifício construído de raiz.
“Em 1989, era notório que as pessoas necessitavam de uma resposta social e foi, então, criada na Casa do Povo uma, mas que só funcionava como Centro de Dia”, conta Vítor Domingues, acrescentando: “Com o passar do tempo, as pessoas começaram a ficar mais dependentes, com mais necessidades e verificou-se que a resposta não era suficiente. A nível humano a situação começou a ser muito degradante, porque as pessoas não tinham condições para estar em casa. Nesta altura surgiu a proposta de tentar dar outro tipo de resposta às pessoas da aldeia”.
Foi, então, criada uma Comissão Fabriqueira para a instituição do Centro Social e Paroquial, com alguns donativos foi elaborado um projeto para um lar, mas, durante muitos anos o processo não avançou.
“Entretanto, foi criada nova Comissão Fabriqueira e as coisas avançaram finalmente. Houve apoio da Câmara e da Junta de Freguesia, para além de outros particulares, e conseguiram construir parte deste edifício onde estamos, que na altura tinha apenas capacidade para 17 pessoas. A 12 de janeiro de 2003 vieram para aqui os primeiros utentes”, recorda o diretor-técnico.
Apercebendo-se que 17 camas não eram suficientes, a Direção resolveu alargar uma das alas, “que inicialmente não foi comparticipada pela Segurança Social”, e que foi inaugurada em 2006.
E se o que levou à abertura do lar e do seu alargamento foi a necessidade sentia na comunidade, hoje “necessidade também há, o problema são as questões que lhe estão implícitas”, argumenta Vítor Domingues, explicando: “Um novo alargamento acarreta mais custos, outros encargos e ajustamentos que o Centro Social, por si só, não consegue dar. Abrir mais uma ala implica muitos mais custos e a instituição não tem capacidade”.
Se no início a maioria dos utentes era de S. Martinho Angueira, hoje há também de outros pontos do concelho de Miranda do Douro e do distrito de Bragança.
São conhecidos os problemas quanto aos índices populacionais no Nordeste Transmontano. A freguesia de S. Martinho Angueira não foge à regra e sinal disso é que dos pouco mais que 300 habitantes apenas três são crianças.
Apesar do isolamento físico e da depressão populacional, a situação socioeconómica da população que a instituição serve é “média, alta”.
“Temos pessoas que recebem boas reformas, porque viveram no estrangeiro, mas também temos aqueles que recebem reformas miseráveis, especialmente aqueles que por aqui ficaram e viveram da agricultura”, argumenta Vítor Domingues, sublinhando: “Depois, há aqui uma outra questão que se prende com o facto de esta aldeia ter sido um centro mineiro. Daí que ainda haja algumas pessoas que fizeram alguns descontos quando trabalhavam nas minas. E isso aumentou um pouco as reformas. E ainda temos uma vasta população de emigrantes, que esteve, sobretudo, em França, pelo que aqui ainda existe uma população com algum rendimento, o que é importante para a sustentabilidade da instituição”.
Porém, as coisas poderiam ser melhores e… mais justas para todos, segundo os responsáveis pela instituição.
“Infelizmente, há uma questão que não conseguimos contornar e que acaba por ser prejudicial e injusta e que tem a ver com os rendimentos que sabemos que as pessoas têm, mas que não conseguimos ter acesso a eles. Há pessoas que não têm familiares, mas têm rendimentos muito elevados, têm terras e bens que não estão no IRS. E nestas situações a instituição nada pode fazer, porque não tem meios para fazer seja o que for. E, o pior, é sabermos das situações e nada podermos fazer”, lamenta o diretor-técnico do Centro Social.
No entanto, em termos de saúde financeira, Vítor Domingues sustenta que “com a gestão que tem sido feita, está bem, com algumas dificuldades, mas a conseguir cumprir a missão”, sublinhando: “é equilibrada, sem folgas, mas o suficiente para a gestão diária”.
Para tentar diversificar as receitas, a instituição está a promover a implementação da Liga dos Amigos do Centro Social paroquial de S. Martinho, mas que ainda não está a funcionar.
“Pretende-se que o lar tenha amigos que façam doações. Podem ser monetárias, em géneros ou até terrenos, como acontece com outras instituições”, explica Fernanda Martins, diretor de serviços, ao que Vítor Domingues acrescenta: “Tem tudo a ver com as questões da sustentabilidade. Então, procuramos outras formas de dar mais sustentabilidade à instituição, porque a nível da resposta social, muitas vezes, é difícil de gerir. Depois, temos muitas exigências a nível da Segurança Social e do Estado e, muitas vezes, não temos os recursos suficientes para responder a essas exigências”.
No futuro próximo, os projetos da instituição passam por refazer o jardim que existe nas traseiras “para os idosos poderem passear e exercitar”, que é o projeto maior e para o qual a instituição fez um furo de captação de água, já a pensar na rega do mesmo.
“A posteriori, pretendemos fazer adaptações técnicas a nível dos quartos. Recentemente, requalificámos aqui uma parte do edifício e vamos ainda arranjar uma garagem”, refere Vítor Domingues.
Para o diretor-técnico, as grandes condicionantes prendem-se com o facto de “os utentes estarem cada vez mais dependentes, principalmente devido à idade”, pois dos 27 utentes do lar, 13 têm mais de 90 anos e há uma senhora centenária, a Dona Dionísia, uma cantora exímia.
“Temos uma faixa etária muito elevada, vários graus de demência, e muitas vezes são as pessoas mais novas as que estão pior. Mesmo assim, é uma população que ainda gosta de participar em atividades”, acrescenta.
Já mais complicado por vezes é conseguir fazer ver aos familiares que, esporadicamente, visitam os familiares de que há regras que é necessário cumprir e que na instituição se procura “fazer o melhor pelo bem-estar e pela qualidade de vida dos idosos”.
“De certa forma, há famílias que não reconhecem o trabalho que fazemos, porque durante a maior parte do tempo não se preocupam com os familiares, mas se acontece algum incidente, uma doença ou até uma fatalidade são os primeiros a assacar responsabilidades à instituição que esta não tem. Fazem-nos sentir como se nós nada fizéssemos e isso é muito desgastante”, lamenta Vítor Domingues.
Por seu turno, Fernanda Martins destaca que “os familiares do dia-a-dia, porque os temos que vêm cá, praticamente, todos os dias, adoram-nos, já os que vêm cá de vez em quando é que são mais problemáticos”.
“E há muitos que, para além de ignorarem o trabalho que fazemos, ignoram as regras da casa, que não respeitam”, sublinha Vítor Domingues, exemplificando: “Como todas as instituições temos horário de visita, que à tarde é das 15h00 às 18h00, mas as pessoas não vêm às 15h00, vêm às 17h00 ou 17h30… e vem a família toda àquela hora, sendo que no resto do tempo não esteve lá ninguém. E, depois, não estão a dar atenção ao idoso, estão a falar entre si. E só não estão agarrados ao telemóvel porque aqui não há rede!”.
O Centro Social Paroquial de S. Martinho acolhe em ERPI 27 utentes, apoia 10 idosos em SAD e cuida de 2 em Centro de Dia, cumprindo a missão com um corpo de 20 funcionários.
E como seria S. Martinho Angueira sem o Centro Social Paroquial?
“Muito triste”, atira de pronto Fernanda Martins, nada e criada na aldeia sede da freguesia.
“Exatamente, um abandono completo”, corrobora Vítor Domingues, acrescentando: “Não conheci S. Martinho antes de o Centro cá estar, pois estou aqui apenas há 12 anos, mas neste tempo tenho notado uma diferença muito grande. Portanto, imagino como seria sem o Centro Social. As aldeias maiores de S. Martinho deviam ser as que menos gente tinham se não fosse o lar”.
Já a filha da terra sustenta: “Imagino apenas aquelas noites de inverno, que às quatro da tarde começa a escurecer e, a partir daí, nem cães se veem na rua. Se não estivesse aqui o lar, as pessoas teriam que ter ido para outro sítio. E isso acontecendo, o mais certo era os filhos, que estão em França, levarem-nos para lá. E se não tiverem que vir visitar os pais, também não vêm visitar a terra. Então, isto seria ainda mais deserto e triste”.

Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)

 

Data de introdução: 2019-12-19



















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