A paixão pelos touros na região foi uma importante fonte de receita para que a Associação de Beneficência «Amigos da Terrugem» nascesse e fosse hoje um elo fundamental na ação social no concelho de Elvas. Tudo começou com a construção da praça de touros, hoje um problema para a instituição, mas essencial para a construção do equipamento onde a instituição cumpre a sua missão solidária. Remodelar a ERPI é o objetivo prioritário, passando o futuro pelo reforço das respostas à terceira idade, uma vez que as crianças são cada vez menos.
Um par de anos após a Revolução de Abril de 1974, as gentes da Terrugem, localidade raiana do concelho de Elvas, distrito de Portalegre, sentiram a necessidade de criar uma estrutura que pudesse acolher os mais idosos que não tinham qualquer retaguarda familiar.
“Entre um grupo de pessoas da Terrugem com preocupações sociais começou a falar-se da necessidade de criar uma casa para acolher os idosos da Terrugem”, começa por recordar Leonel Nascimento, ressalvando: “Estamos a falar de um tempo em que não havia apoios nem acordos de cooperação”.
Então, nos encontros que mantinham e em que conversavam e alimentavam a ideia, cogitaram qual a melhor forma de manter uma casa dessas.
“Então, alguém disse: ‘E se fizéssemos uma coisa para fazer umas touradas à vara larga?’ Outro sugeriu fazer uma coisa maior e foi aí que arrancou a Comissão Angariadora de Fundos para a Construção da Praça de Touros da Terrugem, a origem disto tudo, ainda em 1977”, recorda o atual presidente da Associação de Beneficência «Amigos de Terrugem» (ABAT).
Posteriormente, já como presidente da Junta de Freguesia, e após ter estado na inauguração de um lar de idosos numa freguesia vizinha, “em conversa com o diretor da Segurança Social do distrito”, expressou a vontade em ter algo semelhante na Terrugem, “ao que ele disse para se avançar que a Segurança Social apoiava”. “Trouxe a ideia para a Comissão e foi quando avançámos para a criação dos primeiros estatutos da instituição, em 1979, revistos em 1982, que é quando passa a ter o estatuto de IPSS”, explica Leonel Nascimento, acrescentando: “Em 1979 foi quando se fundou a instituição, mas só após a construção da praça de touros e com os proventos das corridas que se realizaram é que se avançou para as respostas sociais, cerca de nove anos depois”.
O primeiro propósito da instituição foi a construção da praça de touros – no que hoje seria, certamente, apelidado de empreendedorismo social, mas igualmente alvo de grande contestação, visto que os espetáculos taurinos estão sob fogo cerrado de grandes sectores da sociedade –, “mas logo com o objetivo de criar um centro de dia e um infantário”.
Como recorda João Pataca, diretor de serviços da ABAT, “as primeiras respostas nascem em 1988, precisamente, com o investimento dos lucros da praça de touros e já com apoios da Segurança Social”, referindo ainda que a primeira pedra do equipamento social “foi colocada em 1984”.
Das duas respostas sociais que inauguraram os serviços da ABAT mantém-se o Centro de Dia, com 25 utentes, e do, então, Infantário apenas funciona a creche, com 11 petizes, sendo que o ATL encerrou no final do ano letivo passado. O Pré-escolar encerrou em 2016 “e a creche mais dois ou três anos também fecha”, lamenta João Patacas.
“Há poucas crianças, aqui em frente, do outro lado da rua, surgiu um Pré-escolar público, pelo que as respostas deixam de fazer sentido”, sustenta Leonel Nascimento.
Para além destas respostas, a ABAT acolhe 30 idosos em ERPI, e auxilia 40 utentes através do Serviço de Apoio Domiciliário.
Numa freguesia de pouco mais do que mil habitantes, a ABAT é o maior empregador com um quadro de pessoal de 36 funcionários.
Inserida num meio em que a população idosa, à qual responde prioritariamente, a instituição da Terrugem vive o dilema de muitas outras pelo país fora que é o de trabalhar para uma população rural cujos rendimentos são baixos.
Mesmo assim, “a situação financeira da instituição é equilibrada”, afirma o presidente, acrescentando: “Temos uma gestão muito rigorosa e organizada, ao ponto de discutir o preço das cenouras. A nossa vice-presidente vem todos os dias para a cozinha, tal como se fosse uma cozinheira. É uma gestão mesmo economicista e todos poupamos. As contas estão equilibradíssimas, mas não há folga para investimentos. Aliás, ainda devemos ao banco parte do empréstimo investido no piso superior do edifício”.
Não há dinheiro, mas há vontade e necessidade de investimento. “Temos um projeto para o edifício, mas não há verba para o fazermos”, frisa Inácia Cacheirinha, vice-presidente da ABAT, ao que João Patacas acrescenta: “Há um projeto elaborado e aprovado à espera que abram candidaturas e que é para a remodelação do lar”.
O verdadeiro objetivo era ampliar a resposta social, mas tal, de momento, parece não ser possível.
“O objetivo era alargarmos o lar para conseguirmos um maior equilíbrio entre o número de utentes e o de funcionários, mas as candidaturas que há não permitem ampliação da resposta. Não há possibilidade de ampliação, tem que ser para a requalificação, porque se colocarmos mais uma cama a Segurança Social não aprova o projeto”, refere Leonel Nascimento.
A necessidade de intervencionar o equipamento é justificado com a idade do mesmo.
“O edifício é de 1988, sendo que o lar abriu em 1991 e nunca sofreu obras de remodelação, a não ser quando foi ampliado, com a construção da ala no piso superior, em 2008. A nossa intenção é requalificar o rés-do-chão e remodelar os quartos”, revela João Patacas.
Sobre as outras respostas à terceira idade, o presidente da ABAT defende as virtudes do SAD, pois proporciona aos 40 utentes “apoio 365 dias por ano, que inclui almoço, jantar e ceia, para além de outros serviços, como higiene do lar e pessoal, entre outros”.
Já para o diretor de serviços o Centro de Dia, e a queixa não é inédita entre as IPSS, “é a resposta mais complicada para a instituição, porque é a que acarreta mais custos e que dá menos rendimento, seja da Segurança Social, seja dos utentes”.
E justifica: “Os rendimentos dos utentes são baixos, a comparticipação da Segurança Social é de 107 euros, mas o custo dos utentes é quase igual aos do lar, só não dormem na instituição”.
Ainda sobre a vertente económico-financeira da instituição, os tempos que correm não estão de feição para aquilo que foi o primeiro impulso para se concretizar a ABAT e que durante bastante tempo alimentou de recursos financeiros a instituição: a praça de touros.
“A praça de touros, no início, foi uma mina de recolha de fundos para a instituição. Fazia-se uma brincadeira qualquer à vara larga e trazia-se cerca de 200 contos para a instituição. Só que hoje já não é assim. Começou a haver falta de afluência de público, a não ser nas festas da freguesia, e hoje para manter aquele edifício, que foi construído pela população graciosamente aos fins-de-semana, é uma carga de trabalhos. É que dantes ofereciam as vacas bravas e ninguém cobrava serviços, o que hoje já não acontece”, lamenta Leonel Nascimento, acrescentando: “Ainda que seja um edifício nosso, e que já nos deu umas centenas largas de contos, agora é o inverso, porque não há muitos empresários que queiram fazer corridas numa terra que tem pouca população, para além de que a manutenção do edifício é dispendiosa e tem que ser feita todos os anos”.
Como seria a Terrugem sem a ABAT?
“Seria uma aldeia fantasma, nem lugar para os idosos haveria”, responde, de pronto, João Patacas, ao que Paula França, diretora-técnica da instituição, acrescenta: “Dou um exemplo, a faixa etária aqui no lar está entre os 80 e os 90, e temos vários com mais de 90 anos, e quase todos os que morrem na freguesia ou são utentes do SAD ou não são nossos utentes. Isto dá para ver o que seria a Terrugem sem a ABAT”.
Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)
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