HUMANITAS – FEDERAÇÃO PORTUGUESA PARA A DEFICIÊNCIA MENTAL

O Estado tem de perceber que é preciso falar com quem está no terreno

A Humanitas – Federação Portuguesa para a Deficiência Mental congrega cerca de três dezenas de instituições, mas almeja juntar a si mais das outras 80 que existem. Associada da CNIS, a Humanitas entra em 2020 com uma nova Direção, que pretende fazer ouvir a voz das instituições que trabalham na área da deficiência intelectual, junto do Estado e das outras organizações de quem é parceira. Helena Albuquerque é a nova presidente da Direção da Humanitas, para o quadriénio 2020-2023, e conversou com o SOLIDARIEDADE sobre o presente e o futuro, as prioridades e as preocupações que a federação tem neste novo mandato.

SOLIDARIEDADE – Foi recentemente empossada como presidente da Humanitas, quais são as prioridades destes novos órgãos sociais?
HELENA ALBUQUERQUE – Podemos dizer que temos dois vetores fundamentais de atuação. O primeiro é, de facto, a representatividade da Humanitas nos órgãos governamentais, a influência das políticas para a deficiência intelectual e a criação de linhas de apoio para a deficiência intelectual. Fazer sentir que somos um representante da área da deficiência intelectual e que, portanto, todas as decisões da tutela que devem ser tomadas nesta área deverão passar, pelo menos, pela consulta à Humanitas. O segundo grande vetor é atuar diretamente nas nossas associadas. Isto vem da constatação de que a Humanitas tem sido, e muito bem, essencialmente uma federação de representação institucional, mas as associadas não sentem a Humanitas como uma mais-valia no seu trabalho diário. E digo isto como presidente da APPACDM de Coimbra! Nesse sentido, o nosso Plano de Ação tem várias iniciativas, algumas já estruturadas, precisamente com este segundo objetivo, ou seja, o de introduzir nas nossas associadas alguma mudança no atendimento do seu dia-a-dia, nomeadamente na sua capacidade de inovação e na partilha entre associadas de projetos. Também dar alguma formação que as associadas devem ter e que nós podemos, como linhas fundamentais, fornecer. Por outro lado, fomentar a internacionalização do movimento da deficiência intelectual. Urge também assegurar a sustentabilidade da Humanitas. Portanto, um dos grandes objetivos da federação é conseguir mais associadas de forma a que a sua representatividade seja obtida na totalidade. A Humanitas tem cerca de 30 associadas. Uma das primeiras ações desta Direção foi fazer o levantamento de todas as instituições que apoiam, de alguma maneira, a deficiência intelectual e deparámo-nos com cerca de 80 fora da Humanitas. Claro que algumas delas são pequenas instituições, que só têm um Centro de Atividades Ocupacionais (CAO) ou formação profissional, mas, e pensando na sustentabilidade da estrutura e na capacidade de investir e fazer projetos novos, apostamos num aumento do número de associadas.

E o que tem a dizer sobre a relação com o Estado?
Bem, eu comecei há pouco tempo, há um longo caminho feito e um longo caminho a fazer, mas temos como premissa fundamental que a tutela tem que perceber que, quando fala de deficiência intelectual, tem que ouvir as pessoas que estão no terreno. Não há nada melhor do que ouvir uma federação que as represente e temos feito questão de mostrar e de continuar a desenvolver essa relação. Já estive reunida com a senhora secretária de Estado para a Inclusão e a mensagem foi muito essa, tem de nos ouvir. Por exemplo, há um grupo de trabalho para o CAO e nós temos que ser ouvidos.

A reformulação da resposta de CAO é uma das grandes questões para as instituições, até porque já há muito que se fala que está a ser estudada?
Essa é uma prioridade da tutela, segundo me foi dito, e vai também abrir brevemente um PARES a nível de CAO, Lares Residenciais e Residências Autónomas. Outra das prioridades da tutela prende-se com as questões de acessibilidade, segundo a Secretaria de Estado, mas até na acessibilidade é fundamental ouvir a deficiência intelectual. Na gestão de uma organização como a Humanitas, há tempos para andar com outras federações e há temos para caminhar sozinha. Tenho já tentado junto de outras federações tomar posições de bloco, mas também há tempos em que, porque a nossa realidade é tão específica, temos que nos impor sozinhos.

Como vê este novo PARES, bastante direcionado para a deficiência? CAO, Lares Residenciais e Residências Autónomas são as grandes necessidades das instituições?
Decididamente, são. Essencialmente, quando falamos em respostas que cobrem a terceira idade das pessoas com deficiência, que são os casos das Residências Autónomas e dos Lares Residenciais. Neste momento, é muito importante apoiar as instituições da deficiência intelectual, porque nesta última corrente que surgiu da vida independente a maior parte das pessoas não foi abrangida. Por isso, há necessidade de apoiar as instituições e dar-lhes todas as condições para criarem estruturas vocacionadas para o atendimento de cada um e conforme as suas especificidades. E isto só acontece com instituições especializadas ligadas à deficiência intelectual. Depois, há toda uma regulamentação que precisa de ser atualizada. Portugal tem leis muito antigas e esta área da deficiência intelectual tem evoluído muito, pelo que há necessidade de atualizar a legislação. Mas isto tem que ser feito com uma perspetiva realista e com a participação das pessoas que estão no terreno. Por exemplo, temos leis de construção de edifícios de apoio a pessoas com deficiência que estão completamente desadequados do terreno e das necessidades das instituições e que são um exagero…

Como assim?
Por exemplo, as áreas que são exigidas para lares para pessoas com deficiência é uma coisa que não se encontra em mais nenhum país europeu, nem nos países nórdicos…

À semelhança do que acontecia com o AVAC?
Exatamente. Nós temos listas de espera desesperantes e depois exigem estruturas caríssimas para apoiar um número mínimo de pessoas. Costumo dizer que o nosso lar não é uma casa como a gente queria, é quase um hotel de luxo. E, se calhar, nem nós queremos viver num hotel de luxo, mas numa casa de família. Há, de facto, uma desadequação da legislação ao que se passa no terreno.

No último Conselho Geral da CNIS, referiu a preocupação com a tendência que tem ganho força no sentido de acabar com a institucionalização. O que a preocupa em concreto?
Todos nós ambicionamos que as nossas instituições não sejam necessárias. Este é o sonho de todos nós, ou seja, que a sociedade seja tão inclusiva que não necessite de instituições. Teoricamente, é algo muito simpático… Agora, como a inclusão é falada de uma forma tão leviana, com tanto desconhecimento do terreno, até por alguns elementos da tutela, muitas vezes pressupõe que as pessoas não conhecem nada do que se passa. E, neste momento, tenho muito medo porque são diretivas que vieram de Bruxelas. Quando me falam da desinstitucionalização das pessoas com deficiência lembro-me sempre do que se passou com a doença mental. E continua a ser uma catástrofe completa. Fecharam os hospitais psiquiátricos e não criaram estruturas alternativas. Neste momento, eles estão na rua a pedir ou estão em casa de familiares e, muitas vezes, não são tratados adequadamente. Portanto, o problema é quase paralelo. A desinstitucionalização não deve pressupor, e em certa parte pressupõe, uma demissão do Estado relativamente a cuidar daquelas pessoas que precisam, de facto, de um cuidado diferente e protegido. Depois, o problema fundamental da desinstitucionalização é que mandar as pessoas para casa, nomeadamente as que têm deficiência intelectual, é isolá-las completamente, porque em casa são excluídas da comunidade. Sendo a deficiência, especialmente a intelectual, ligada às poucas condições económicas, as famílias não têm condições para cuidar destas pessoas convenientemente. Por isso, as instituições são essenciais para assegurar uma vida com dignidade a estas pessoas. Portanto, não me falem em desinstitucionalização. E quando se fala nestas coisas é preciso ter conhecimento de causa e não pondo tudo no mesmo saco e com certo preconceito em relação às IPSS.

Isso é algo que vem sendo cada vez mais evidente?
Há alguma Esquerda neste país que tem, notoriamente, um preconceito relativamente às IPSS e não é de agora, vem historicamente. Por isso, há que conhecer a realidade, as IPSS de hoje não têm nada a ver com as IPSS de há 50, 60 anos, pelo que há que conhecer a realidade e as coisas no terreno e, então, fazer opções.

As instituições são o último garante dos direitos fundamentais das pessoas com deficiência?
Sem dúvida nenhuma. E na deficiência intelectual isso é mais notório, porque são as instituições que, muitas vezes, falam por essas pessoas. Se tirarmos as instituições, tiramos a voz às pessoas que não têm voz e isso é muito grave. E a maior parte dos deficientes intelectuais não tem voz para falar na primeira pessoa. Há que ter uma voz suplementar que são as pessoas que estão no terreno, que são fundamentais neste processo. E as famílias são essenciais neste percurso, por isso, é muito importante que os pais estejam envolvidos nas instituições, porque eles, muitas vezes, são a voz dos filhos que não conseguem falar.

Nesse sentido, estão ultrapassados os problemas que surgiram a propósito da Prestação Social de Inclusão (PSI)?
Neste momento, está mais ultrapassado, mas ainda há um longo caminho a fazer. Muitas vezes, as leis mudam as mentalidades, mas é preciso algum tempo para equiparar o teor da lei com a mentalidade das pessoas que as aplicam. Isto aconteceu na PSI, porque muitas vezes levou-se à obrigatoriedade de interdição das pessoas que recebiam PSI. Os bancos tinham que abrir uma conta em nome dessas pessoas, mas os bancos não abriam as contas se as pessoas não fossem interditas… Enfim, foi uma complicação enorme. No entanto, penso que isso já está a ser mais ultrapassado e agilizado.

A lei do maior acompanhado também tem levantado alguns problemas?
Sim e é das que tem tido, realmente, imensas perversões. A Humanitas, inclusive, vai tentar fazer formação junto a juízes, agentes do Ministério Público, etc. A lei do maior acompanhado, através de um processo legal de avaliação, determina, por decisão judicial, que a pessoa fica autorizada a fazer certas coisas e proibida de fazer outras que eles acham que ela não é capaz. Ora bem, na deficiência intelectual está a ser um desastre, porque os juízes não sabem o que é a deficiência intelectual. Até as perguntas que lhes fazem não têm nada a ver com a realidade e isso não lhes permite sequer tecer sentenças adequadas àquela pessoa concreta com deficiência intelectual, porque não percebem do que a pessoa é realmente capaz ou não. Do que temos visto, a falta de conhecimento nestas situações, muitas das vezes, tira autonomia aos nossos jovens.

E agora vem aí a lei do cuidador informal?
Sim, e mais problemas se avizinham. Há instituições que nos têm sinalizado que muitas pessoas, de baixo estrato económico, com alguns problemas e de famílias desestruturadas, vão querer tirar os jovens da instituição para assumirem o papel de cuidadores informais. Tudo pela questão financeira envolvida e isto é gravíssimo, porque o jovem, sem condições, vai ficar fechado num quarto ou vai ficar em casa. É preciso cuidado com estas leis, especialmente no tocante à deficiência intelectual.

Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)

 

Data de introdução: 2020-02-06



















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