Espalha-se por diversos polos, localizados em diferentes concelhos do distrito de Coimbra, servindo centenas de utentes portadores de deficiência intelectual. E se o período de confinamento devido à Covid-19 trouxe algumas perdas para os utentes, a retoma de atividade tem sido tranquila, apesar do grande receio instalado entre as famílias. De resto, como em todas as outras instituições, o futuro está à frente e, nesse sentido, a APPACDM de Coimbra prossegue o desenvolvimento dos seus projetos, tendo sempre como principal fito a melhoria do atendimento, a evolução dos seus utentes e a sustentabilidade da instituição.
Das centenas de utentes que acolhe nas diversas respostas sociais que desenvolve, na APPACDM de Coimbra “três quartos dos jovens não regressou após a reabertura por opção das famílias”, revela Helena Albuquerque, presidente da instituição, apesar de na retoma da atividade “não haver mistura dos utentes dos lares residenciais com os do CAO e das outras valências”.
“O regresso tem sido progressivo nos CAO e nas outras respostas. Estamos a tentar normalizar, porque foi e é complicado, mas tem sido tranquilo”, refere, sublinhando: “Isso não impede os sustos, porque as pessoas estão com receio, ainda estão a avaliar como correm as coisas. Há no ar uma sensação de ameaça constante. Qualquer febre há quase uma reação de pânico”.
Este ambiente de alguma forma é compreensível numa instituição como a APPACDM de Coimbra, onde “a maior parte dos utentes não tolera a máscara”, mas Helena Albuquerque assegura que “está tudo tranquilo” e, “de momento, não há casos positivos”.
No entanto, neste período pandémico em que vivemos desde março a instituição regista um óbito, de uma jovem utente do lar residencial, de 47 anos.
“Terá sido infetada numa ida ao hospital e o teste que efetuou não foi conclusivo, apesar de negativo”, avança a presidente da instituição, afirmando ainda que, no regresso à instituição, a utente infetou três técnicos e uma utente, “felizmente, sem danos maiores”.
Para Helena Albuquerque, este período de inatividade da instituição, que manteve apenas as estruturas residenciais em funcionamento, provocou nos utentes “uma certa perda de capacidades”, mas “não havia outra alternativa”, considerando ainda que “há perdas irreparáveis, porque a falta das terapias leva a que aconteçam essas perdas”.
Por outro lado, se “há jovens que estão muito bem em casa”, para outros “foi muito complicado e este regresso foi uma descompressão enorme para as famílias”.
Nesse sentido, e após tanto tempo fora da instituição, a APPACDM já fez a opção, seguindo o aconselhamento da tutela, para que os CAO estejam abertos em agosto, ajudando assim os utentes a recuperar algum tempo perdido e aliviando mais um pouco as famílias.
A pandemia que afetou a vida de todos foi e ainda é um enigma para muitos dos utentes da APPACDM de Coimbra e instituições semelhantes, pois a quebra de rotinas, a falta das terapias e muitas vezes os ambientes familiares, que não são os mais adequados, como que revolucionam o seu estar, provocando alguns recuos no seu percurso de vida.
Criada em 1969, a delegação de Coimbra da APPACDM, inicialmente nascida em Lisboa. Com a autonomia em 2000, a estrutura de Coimbra, que tinha um caráter distrital, acabou por acolher no seu seio alguns dos polos espalhados pelo distrito que não tinham condições para se autonomizarem.
“Esta estrutura organizacional da APPACDM de Coimbra, com polos espalhados por diversos concelhos em torno de Coimbra, tem muito que ver com a história da instituição”, começa por referir Helena Albuquerque, presidente da instituição há 15 anos.
“A gestão destas instituições é cada vez mais complicada e a economia de escala é cada vez mais precisa, pelo que em muitos destes polos continua a não haver condições para a autonomia e cada vez é menos provável que aparecer gente a querer assumir a gestão autónoma desses polos”, explica, acrescentando: “A gestão centralizada em Coimbra dificulta, mas facilita também. A gestão é centralizada, mas trabalhamos em grupo nas diversas valências. Há uma coordenação em cada uma das respostas sociais que trabalha sempre com os quatro polos. Apesar de ser uma gestão centralizada, é sempre feita por valência, havendo um grande contacto da Direção com as diferentes coordenações. E isto acaba por ser muito refrescante, porque as realidades locais são muitos variadas e assim acaba por ser mais enriquecedor”.
Para além das inúmeras respostas sociais [ver caixa], a instituição presta uma série de serviços à comunidade.
“Esse sector empresarial começou a crescer porque a Direção há 15 anos confrontou-se com a grande dependência dos fundos estatais e quis atenuar um pouco essa situação. E isto é algo que acontecia e ainda acontece com a maioria das IPSS. E é algo que fragiliza muito as instituições e faz com que a gestão seja muito instável, o que impede, de certa forma, de fazer planos a médio-longo prazo. O pensamento estratégico é impossível! Então, começámos a criar um sector empresarial muito forte, neste momento, temos sete empresas, com dois grandes objetivos: o primeiro é conseguir arranjar verbas suplementares que nos tornem mais independentes dos fundos estatais e nos possibilitem dar uma maior qualidade ao nosso atendimento; o segundo objetivo é que todas essas empresas funcionem com pessoas com deficiência, muitas vezes não intelectual. Com esses dois objetivos, e nós temos um orçamento anual de cinco milhões de euros, um milhão vem desse sector empresarial. É uma vertente da instituição que está sempre em crescimento”.
O sector empresarial atua em áreas como manutenção de espaços verdes, lavagem auto e recolha de óleos alimentares usados, entre outras.
“Esta vertente não só contribui financeiramente para a instituição, como ainda promove a inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho”, enfatiza Helena Albuquerque.
E se a instituição tem criado postos de trabalho no seu seio para pessoas portadoras de deficiência, tem igualmente desenvolvido ações para a sua inclusão no mercado de trabalho, dito normal.
Porém, nem tudo são rosas…
“Primeiro, incluir não é juntar e, por vezes, as pessoas fazem uma certa confusão. A inclusão como a fazemos, e que é como deve ser feita, é uma inclusão acompanhada, em que a pessoa que é incluída mantém todas as suas capacidades e tem todas as condições para se adaptar no ambiente incluído. Fazemos inclusão nas empresas, mas também nas outras valências. E não fazemos por ser moda, mas por ser política da instituição, pois achamos que as pessoas com deficiência não devem ser privadas de nada como cidadãos. Daí termos projetos de ciência, de arte e em todas as áreas, mas adaptados às suas capacidades, que é algo que muitas vezes as pessoas se esquecem”.
A presidente da instituição, que sabe na primeira pessoa o que é ter um filho portador de deficiência intelectual, lembra que a maioria dos cidadãos não percebe completamente as idiossincrasias da deficiência intelectual.
“No caso da deficiência intelectual, a inclusão é mais complicada. Por isso é que quando se fala de deficiência e se põe tudo no mesmo saco a deficiência intelectual fica para trás. Primeiro, é preciso entender a deficiência intelectual, porque é muito complicado um cidadão comum pôr-se no lugar das pessoas que por ela são afetadas. Por exemplo, coloca-se uma venda nos olhos da pessoa e ela imagina-se invisual, senta-se uma pessoa numa cadeira de rodas e ela imagina-se deficiente física, mas não se consegue fazer isso com a deficiência intelectual. E quando a gente não sente o problema do outro muitas vezes não o entende. E como não percebe, afasta-se. Depois, há a imprevisibilidade da reação. Enquanto um invisual ou um pessoa com deficiência física reage como uma pessoa dita normal, o deficiente intelectual não reage como se espera. Há adultos de 20 ou 30 anos que reagem como meninos de dois, três anos. E essa imprevisibilidade na maioria das pessoas, a nível instintivo, é recusada”, sustenta Helena Albuquerque, lembrando outro obstáculo: “Outra questão que dificulta a inclusão é que a maior parte dos deficientes intelectuais não pode ser representado na primeira pessoa. Ou seja, a maior parte dos nossos utentes precisa sempre de outras pessoas para os representarem, porque aliada à deficiência quase sempre há um problema de comunicação. E isso cria uma grande barreira para a inclusão”.
Nesse sentido, a líder da APPACDM de Coimbra apela a um reforço do papel das instituições e dos pais/cuidadores.
“Há necessidade e é fundamental neste movimento de vida independente que tem havido, e contra o qual não tenho nada, de fortalecer também as pessoas que os representam, pois são elas que podem falar por eles. E é urgente favorecer-se as instituições da área da deficiência intelectual neste movimento da vida independente”, argumenta, sublinhando: “As instituições têm feito muito esse trabalho, uma das coisas que aqui fazemos é trabalhar a autonomia e autodeterminação, mas há problemas objetivos, físicos que muitas vezes impedem essa representação. Por isso, há que ouvir as instituições e os pais e ir para o terreno”.
Nesse sentido, o fim do ensino especial nas instituições e a inclusão das crianças e jovens com deficiência nas escolas públicas foi positivo?
“Como dirigente e como mãe de um jovem com deficiência intelectual, acho que não deve haver modelos rígidos nas respostas, nomeadamente à deficiência intelectual. Temos casos de grande sucesso de incluídos na escola, apesar de cada vez a escola ter menos respostas para as pessoas com necessidades educativas especiais. É notório que do Ministério da Educação tem havido uma certa demissão em relação a esta valência que temos que são os Centros de Recursos para a Inclusão (CRI). Agora, há realmente casos de grande sucesso e estes devem estar na escola, porque é lá que pertencem, e devem ter todas as condições para tal, o que, diga-se, não estão a ter. Está a falhar muito o atendimento aos meninos com necessidades educativas especiais nas escolas. E depois devia haver aqueles casos em que poderiam, eventualmente, fazer o seu trajeto nas instituições”, defende, resumindo: “Para mim, não deve haver um único caminho, mas vários caminhos que se possam escolher consoante os casos em concreto”.
Uma das marcas da APPACDM de Coimbra é o seu dinamismo e espírito inovador, como o comprova as sete empresas criadas e que rendem um milhão de euros para o orçamento da instituição.
Tal como refere Helena Albuquerque, “a instituição tem sempre muitos projetos” e que “se afirma pela inovação e melhoria contínua”.
Assim, “para além de todas as empresas, temos também o projeto em desenvolvimento em Arganil, o «Argus Reciclying», que passa pela reciclagem de todos os resíduos do concelho pelos jovens do polo local”, o que promoverá “um desenvolvimento e aprofundamento maiores da estrutura de Arganil”.
Para além disto, a instituição está a pôr em prática um outro projeto no CAO de S. Silvestre, que passa por construir material em três dimensões, através de uma impressora 3D, consoante as necessidades dos utentes.
O mais recente e, de certa forma, emblemático é o projeto «Idem Aspas», que é uma marca da APPACDM de Coimbra para os seus produtos nas áreas da agricultura, do artesanato, da cerâmica e da gastronomia, desenvolvidos nos diferentes CAO da instituição.
A instituição desconstruiu a expressão idiomática: na Língua Portuguesa, idem significa “o mesmo/também”, enquanto as aspas são uma pontuação utilizada para destacar algo importante. Assim, o projeto representa a individualidade da pessoa com deficiência: “Eu sou o mesmo que tu e eu sou importante”.
RESPOSTAS SOCIAIS
CAO
Arganil, 34; Montemor-o-Velho, 30; Coimbra (S. Silvestre), 120; Tocha, 50.
Formação Profissional
Arganil, 10; Coimbra (Casa Branca), 50; Montemor-o-Velho, 23; Tocha, 20.
Lar Residencial
Coimbra (Montes Claros), 10; Coimbra (S. Silvestre), 18; Tocha, 20.
SAD
Coimbra, 10.
Intervenção Precoce – 180.
Creche e Jardim Infantil Dandélio – 88.
STAF (Serviço Temporário de Apoio à Família)
Coimbra (S. Silvestre), 1.
Tocha, 1.
A estas respostas sociais acrescem ainda os quatro CRI (Centros de Recursos para a Inclusão), localizados em Coimbra, Montemor-o-Velho, Arganil e Cantanhede.
A equipa de funcionários que assegura todas estas respostas sociais nos diversos polos ascende as três centenas.
Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)
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