Antes de me dirigir a si, quero manifestar a minha enorme satisfação aos meus concidadãos eleitores. Muitos, nos quais me incluo, temiam uma maior abstenção dado o contexto pandémico em que vivemos. As garantias decorrentes de um Estado democrático não mereceriam taxas de abstenção como as que se têm vindo a verificar nos últimos anos. A percentagem nestas eleições ainda não foi dignificante das exigências de cidadania, mas foi muito melhor que as expectativas. Parabéns a todas e todos que votaram, mesmo esperando em filas mais ou menos longas.
A si, senhor Presidente da República eleito, felicito-o por ter sido a escolha, maioritariamente, preferida pelos votantes. Saiba que, apesar da limitação de poderes que a Constituição lhe confere, mesmo assim tem as possibilidades, que lhe assistem, decorrentes da magistratura de influência. Não tenho nada para lhe dizer que já não saiba, mas, mesmo assim, não quero deixar de lhe transmitir o meu pensamento.
O próximo mandato vai ser mais exigente que o atual. O país está diferente. Com as incertezas resultantes da pandemia, agravaram-se as condições sociais de milhares de famílias portuguesas. Continuamos a ter, com tendência para piorar, um país empobrecido e desigual. O empobrecimento resulta não só da crise económica, mas também do facto de não existirem linhas de rumo para o desempobrecimento, ou erradicação da pobreza. As desigualdades podem acentuar-se, devido não só à tendência que vinha de trás, mas ao facto de a crise originar novas discriminações como por exemplo: entre quem perdeu rendimentos ou outros bens, com a crise, e quem não perdeu ou até lucrou com ela; entre os beneficiários e os excluídos das ajudas estatais e comunitárias; entre quem se instala em empregos de prestígio, mesmo improdutivos, e quem se debate com o desemprego ou com trabalhos mal remunerados... O país está bastante dividido, em consequência não só das desigualdades acabadas de referir, mas também por força de posicionamentos políticos, de realidades territoriais e do peso dos interesses dominantes. A ausência de estratégia para a superação da crise é uma realidade muito preocupante; na verdade, muito embora existam o «Plano de Recuperação e Resiliência», bem como financiamentos e orientações provenientes da União Europeia (UE), não foram criadas condições para que todas as localidades estejam envolvidas neste esforço, nem para que todos os cidadãos possam participar como agentes e como destinatários. Há que ter cuidado, mais uma vez, com a falta de estratégia na distribuição dos meios financeiros provenientes da UE, para que não se venha a efetuar em função das capacidades de aplicação, em vez de se focar nas necessidades a atender.
Senhor Presidente, mas uma missão também muito complexa, mas urgente, que tem pela frente é a defesa e aprofundamento da democracia, contribuindo para uma maior exigência à classe política, contribuindo para uma nova forma de a fazer, concretamente impregná-la de um sentido ético inequívoco, colocando as pessoas e os seus anseios acima de interesses partidários e de qualquer outro tipo de agremiação. É ainda premente criar condições para a valorização da democracia participativa que, articuladas com políticas públicas, assente nas organizações da sociedade civil.
A democracia é, apesar das limitações que possa ter, o melhor regime de governação de qualquer Estado. Estão a criar-se condições, cada vez mais pujantes, para debilitar a democracia portuguesa. Conto consigo senhor Presidente, faça reverter esta situação.
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