Em novembro de 2017, em Gotemburgo, na Suécia, foi aprovado um documento da mais alta relevância para a coesão social da União Europeia: O Pilar Europeu dos Direitos Sociais. Foram definidos 20 Princípios, todos eles muito importantes e realistas face à situação da Europa que tinha saído de uma crise económica e financeira muito problemática e nas suas consequências e respostas com efeitos muito desiguais. Foram notórios os diferenciados critérios de solidariedade o que fez com que, como aconteceu com os portugueses, tivéssemos de viver, uma meia dúzia de anos, com dificuldades muito sérias de subsistência digna. Nos diálogos que tive a oportunidade de estabelecer com a Troika, sempre me impressionou a insensibilidade do representante do Banco Central Europeu, comparativamente com alguma compreensão do delegado do FMI.
Há 3 anos, foi, por isso, muito oportuna e revitalizadora da esperança coletiva a aprovação de duas dezenas de princípios que apontam para uma Europa mais justa, com acesso mais fácil ao mercado de trabalho, com sistemas de proteção social mais dignificantes, com reais níveis de acesso à igualdade de oportunidades, com a garantia de cuidados de saúde universais, sem distinções de ordem socioeconómica, com a garantia de condições de trabalho que não destruam o tecido familiar nem façam distinções de género nas retribuições e no acesso a determinadas profissões e lugares de chefia, bem como na motivação para a necessidade de formação permanente, não só para o crescimento cultural das pessoas, mas com possibilidades de adaptação a novas profissões.
A Cimeira Social a realizar na cidade do Porto, terá dois momentos. O primeiro (dia 7 de maio) constará de uma grande Conferência de Alto Nível, na qual participarão chefes de Estado e de Governo da UE, as instituições da UE, os parceiros sociais e outras partes interessadas em participar numa Cimeira Social. Este primeiro dia estará centrado nas principais preocupações que devem ser vertidas para o próximo plano de ação do Pilar Europeu dos Direitos Socais que será apresentado nas próximas semanas para análise e votação à Comissão Europeia. No dia seguinte, o encontro é destinado apenas aos chefes de Estado e de Governo. Na Conferência o que vai estar em reflexão serão os desafios ligados às alterações climáticas e as implicações desta nova era relacionada com a transição digital, como formas de garantir a igualdade de oportunidades para todos. A palavra de ordem é a que, nos últimos tempos, mais se tem ouvido, ou seja, a preocupação de “não deixar ninguém para trás”.
O objetivo é que a concretização do plano faça com que 15 milhões de cidadãos da EU se libertem da pobreza e deixem de ser vítimas da exclusão social; se consiga que, até 2030, 78% da população da EU tenha trabalho e, no mínimo, 60% dos trabalhadores (confesso que preferia não restringir apenas aos trabalhadores) participem em ações de formação; se reduza, de forma altamente significativa, o número de pessoas em situação de sem-abrigo, que deambulam pelas ruas da EU.
Sou um otimista. Se assim não fosse, há muito que teria “baixado os braços”. Nunca aconteceu, e tudo farei para que jamais aconteça. Por isso, procuro ser um otimista realista. É que, estamos já calcificados com os inúmeros planos, estratégias, ações que nunca chegam a bom termo. Planeamentos desajustados às realidades concretas de cada situação, descoordenação das medidas a implementar, eficiências desacreditadas por processos burocráticos monstruosos e inúteis, como por desvios financeiros para fortalecimento, muitas vezes, de interesses contrários à eficácia dos objetivos que se pretendem alcançar, são outra das causas contrárias á eficácia pretendida.
Esta é uma Cimeira muito mais exigente. A Europa está a enfrentar uma crise económica-financeira-social cuja dimensão ainda não se conhece bem. Mas pelo que já se vai constatando, terá consequências gravíssimas, com impactos na vida das pessoas geradores de muito sofrimento.
É verdade que a causa mais próxima para se ter chegado aqui tem a ver com os complexíssimos efeitos de uma pandemia inesperada, mas não podemos ignorar que, antes dela acontecer, os problemas que se pretendem resolver já existiam, resultantes do crescimento das desigualdades sociais geradas por um modelo económico “financeirista” e menos centrado nos bons princípios da economia.
O primeiro desafio desta Cimeira é começar a dar sinais concretos e sérios para que não seja roubada a esperança de melhores dias e, enquanto eles não chegarem, de que ninguém irá ficar privado de condições de vida dignas.
O plano de ação que vier a surgir tem, antes de mais, que contar com a vontade política e solidária de todos os responsáveis políticos dos 27 países. Essa vontade, para ser credível, deve assentar em diálogos geradores de consensos no que é essencial, para que os objetivos sejam alcançados. A definição de políticas públicas inclusivas, sustentáveis e forte na sua capacidade de resiliência são fundamentais. Mas a exequibilidade destas políticas só será possível na medida em que a sua aplicação tiver capacidade de se adaptar a cada circunstância. Neste campo, a conjugação entre o poder central e local e a união estreita com os parceiros, tenham eles a natureza e dimensão que tiverem, é incontornável. Caso contrário, correr-se-á o risco destes planos servirem para “atirar dinheiro para cima dos problemas”, mas não terem qualquer eficácia estrutural.
Para que isso seja evitável, há que criar comissões nacionais de acompanhamento da evolução, ou não, das metas a alcançar. Estas comissões devem contar com a participação de instituições oficiais, empresarias, sindicais e IPSSS.
Desejo que a presidência confiada, neste semestre, a Portugal seja muito promissora e reveladora do regresso aos valores que estiveram na origem desta grande família política e económica. Estou confiante nisso.
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