CIMEIRA SOCIAL, 7 E 8 DE MAIO, NO PORTO

Pilar Social Europeu entre o quase tudo, o pouco e o quase nada

A CNIS, por intermédio do seu presidente, Lino Maia, vai estar presente na Conferência de Alto Nível da Cimeira Social do Porto, com participação no terceiro painel “Bem-estar e proteção social”.

A Cimeira Social, ponto de relevo da presidência portuguesa do Conselho da União Europeia, decorre na cidade do Porto a 7 e 8 de maio. Para executar o designado Pilar Social Europeu os Estados-membros são convocados a aprovar um conjunto de medidas. Vai estar em debate o Plano de Ação, apresentado pela Comissão Europeia há dois meses, que prevê uma série de iniciativas e estabelece três metas principais a atingir até 2030 ao nível europeu: taxa de emprego de pelo menos 78% na União Europeia; pelo menos 60% dos adultos devem participar, anualmente, em formação; redução do número de pessoas em risco de exclusão social ou de pobreza em pelo menos 15 milhões de pessoas, entre as quais 5 milhões de crianças.

Na Cimeira Social do Porto, a presidência portuguesa quer ver aprovado um programa com medidas concretas baseadas no Pilar Social Europeu, um texto não vinculativo de 20 princípios com o intuito de promover os direitos sociais na Europa, proclamado na anterior cimeira social europeia, celebrada em novembro de 2017 em Gotemburgo, Suécia.

O texto defende um funcionamento mais justo e eficaz dos mercados de trabalho e dos sistemas de proteção social, nomeadamente ao nível da igualdade de oportunidades, acesso ao mercado de trabalho, proteção social, cuidados de saúde, aprendizagem ao longo da vida, equilíbrio entre vida profissional e familiar e igualdade salarial entre homens e mulheres.

Em relação à taxa de emprego, está previsto que a UE atinja uma taxa média (dos 20 aos 64 anos) de 78% até 2030, um reforço face à anterior meta de 75% estipulada para 2020 e que não foi atingida devido à crise gerada pela covid-19. Em 2019, a taxa de emprego na UE fixou-se em 73,1% e no ano passado essa média caiu para 72,4%. Em 2019, 17 Estados-membros da UE tinham atingido ou mesmo excedido a meta de 75% de taxa de emprego, entre os quais Portugal que chegou a uma taxa de emprego de 75,4% em 2018 e de 76,1% em 2019, mas, devido à pandemia, a taxa baixou em 2020 para 74,7%.

O plano de ação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, apresentado pelo executivo comunitário e que estará em foco nesta Cimeira Social, prevê ainda que pelo menos 60% dos trabalhadores da UE recebam formação uma vez por ano, incluindo em competências digitais, e que se consiga tirar da pobreza ou da exclusão social pelo menos 15 milhões de pessoas, cinco milhões das quais crianças.

A Cimeira Social vai ter dois eventos principais: No dia 7 a Conferência de Alto Nível que tem lugar no Centro de Congressos da Alfândega do Porto e no dia 8, a Reunião Informal de Chefes de Estado e de Governo marcada para o Super Bock Arena – Pavilhão Rosa Mota.

A Cimeira Social do Porto pretende reforçar o compromisso dos Estados-membros, das instituições europeias, dos parceiros sociais e da sociedade civil com a aplicação do plano de ação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais.

Esta é segunda vez, em quatro presidências portuguesas do Conselho da UE, que a Europa Social está em destaque, depois de, em 2000, ter sido adotada a Estratégia de Lisboa, um compromisso de renovação económica, social e ambiental para uma Europa da inovação e do conhecimento.

Portugal exerce até 30 de junho a presidência do Conselho da UE, seguindo-se a Eslovénia.

VAMOS COM CALMA…

Como uma espécie de balde de água fria, onze Estados-membros elaboraram um documento conjunto de contributo para a Cimeira Social do Porto no qual sublinham que políticas sociais e de emprego são de competência nacional e advertem que qualquer iniciativa europeia deve respeitar esse princípio.

O documento informal elaborado em conjunto por Áustria, Bulgária, Dinamarca, Estónia, Finlândia, Irlanda, Letónia, Lituânia, Malta, Holanda e Suécia, que visa ser "um contributo para a declaração da Cimeira" considera que este evento - uma prioridade da presidência portuguesa do Conselho da UE -  "surge num momento oportuno", no contexto da crise da covid-19, mas adverte desde já contra a adoção de medidas que violem os princípios da subsidiariedade e divisão de competências.

Saudando a proposta de um plano de ação para a implementação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais - apresentada recentemente pela Comissão e que deverá ser adotado pelos líderes europeus no Porto -, que classificam como "um contributo bem-vindo para as discussões na Cimeira Social", os 11 países admitem que o Pilar Social e os seus princípios "serve como uma bússola para políticas sociais e de mercado de trabalho eficazes e promovem o intercâmbio de boas práticas entre os Estados-membros", para logo de seguida enfatizarem que só deve constituir mesmo uma orientação estratégica.

"A implementação efetiva do Pilar Social depende em grande medida da ação dos Estados-membros, que detêm a responsabilidade principal pelas políticas sociais, de emprego, educação e qualificações. Uma ação orientada a nível da UE pode complementar a ação nacional, mas - tal como sublinhado na Agenda Estratégica do Conselho Europeu e no Pilar Europeu dos Direitos Sociais - qualquer ação a nível da UE deve respeitar plenamente a divisão de competências da União, dos seus Estados-Membros e dos parceiros sociais", advertem.

Os 11 Estados-membros sustentam que "qualquer iniciativa da UE nestas áreas deve estar em conformidade com os princípios da subsidiariedade e proporcionalidade e necessita de uma cuidadosa consideração dos diferentes pontos de partida nacionais, dos desafios e das estruturas institucionais", admitindo apenas que "a definição de grandes objetivos a nível da UE possa ajudar a orientar os debates, políticas e reformas nacionais".

SALÁRIO MÍNIMO E OS SEM-ABRIGO

A definição de um salário mínimo europeu justo e digno é um dos elementos da negociação do Plano de Ação para implementação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, que Portugal quer ver aprovado durante a sua presidência da UE, apesar das divergências entre os 27.

No texto do Pilar Social é feita uma referência à remuneração, defendendo que "os trabalhadores têm direito a um salário justo que lhes garanta um nível de vida decente".

Em outubro passado, a Comissão Europeia apresentou uma proposta legislativa sobre os salários mínimos europeus, mas admitiu dificuldades nas negociações no Conselho.

Por essa razão, a instituição assegurou não querer impor valores aos países, mas antes indicadores para garantir uma qualidade de vida decente aos trabalhadores.

Os tratados reconhecem a competência de cada Estado-membro na fixação de salários, mas a Comissão recorreu a uma interpretação flexível que integra o salário nas condições de trabalho.

Atualmente, 21 Estados-membros têm um salário mínimo definido por lei, enquanto nos restantes seis - Áustria, Chipre, Dinamarca, Finlândia, Itália e Suécia -- tal só existe através de negociação coletiva.

São sobretudo estes seis países que se opõem ao conceito, mas contra a proposta estão também associações patronais, que argumentam que a diretiva pode vir a pôr em causa a viabilidade das empresas europeias, já fortemente afetadas pela crise da covid-19.

Bruxelas já afastou completamente a ideia de um salário mínimo igual em todos os 27.
Dados divulgados pelo Eurostat revelam que, no início deste ano, o salário mínimo bruto na UE variava entre os 332 euros na Bulgária e os 2.202 euros no Luxemburgo, com Portugal em 10.º lugar (776 euros).

Em relação à estratégia dos sem-abrigo, o comissário europeu dos Direitos Sociais diz estar "cauteloso" sobre a meta da União Europeia (UE), não se comprometendo a tirar todos das ruas até 2030, mas antes a "reduzir fortemente" o número.

"Eu diria que estou cauteloso com a meta de ter zero sem-abrigo até 2030.” E adianta ainda Nicolas Schmit: “Se eu tivesse uma lista de desejos, colocaria lá o de acabar com a pobreza até 2030", nomeadamente dos sem-abrigo, mas "este não é um processo assim tão fácil".
A posição surge depois o Parlamento Europeu ter apelado aos Estados-membros da UE para adotarem medidas para tirar todos os sem-abrigo das ruas até 2030, cujo número aumentou 70% na última década, para 700 mil.

ELISA FERREIRA

Elisa Ferreira considera que há "uma convergência enorme" entre a presidência portuguesa da UE e a Comissão Europeia relativamente às preocupações com o "grande impacto social" da crise da covid-19, que será mais visível "quando a poeira assentar".

Em entrevista à Lusa, em Bruxelas, a comissária europeia da Coesão e Reformas destaca o pacote de emergência sem precedentes mobilizado a nível europeu desde há um ano para ajudar os Estados-membros a fazer face à crise, que "tem permitido que o impacto sobre o emprego não tenha sido tão grave como se esperava", designadamente com os apoios às empresas para manterem os postos de trabalho.

Mas, adverte, "não se pode pensar que, uma vez a poeira assente, não vai haver um grande impacto a nível social".

A comissária portuguesa diz ter, por isso, expectativas "muito positivas" relativamente à Cimeira Social no Porto, uma "iniciativa da presidência portuguesa que é muito bem-vinda" já que, realça, "numa pandemia com esta gravidade, não só em termos de saúde, mas também em termos económicos, é muito importante dar visibilidade política à necessidade de olharmos para as questões sociais e para o emprego".

Segundo Elisa Ferreira, "há uma convergência enorme entre aquilo que é agenda a nível europeu e aquilo que é a iniciativa da presidência portuguesa", também numa lógica de que a União Europeia deve aproveitar esta crise para reestruturar as suas economias, passando dos atuais "apoios de emergência" para "apoios de transição", que ajudem a promover emprego de qualidade.

"Temos de trabalhar em conjunto e utilizar os fundos que temos não só para fazer estas políticas de emergência, mas também para prepararmos um relançamento económico que nos dê criação de emprego, mas emprego de qualidade, e o rejuvenescimento do próprio tecido produtivo, de maneira a que sobretudo o desemprego jovem seja efetivamente colmatado de forma estrutural e que os problemas sociais que estão associados, quer ao desemprego, quer ao trabalho pobre, seja ultrapassados, e para isso é preciso acrescentar valor ao trabalho das pessoas", afirma.

A comissária responsável pela pasta da Coesão e Reformas no executivo liderado por Ursula Von der Leyen considera que os planos de recuperação e resiliência (PRR), que atualmente os 27 Estados-membros estão a preparar em estreita cooperação com a Comissão e que lhes permitirão aceder aos fundos do plano de relançamento «NextGenerationEU», é que irão traçar o rumo a seguir.

"Todos os planos de relançamento que neste momento estão a ser montados vão-nos levar precisamente a reestruturar a nossa economia de uma forma mais robusta, mais verde, mais digital, mais tecnológica e, portanto, neste sentido, não poderia haver um momento mais oportuno para se refletir sobre como fazer e como utilizar os meios que temos à nossa disposição do que este que estamos a viver", argumenta.

Elisa Ferreira salienta que, dentro de algumas orientações, cabe aos países definirem as suas prioridades e o caminho a seguir, pelo que, "desta vez não há a queixa de que a Comissão Europeia está a impor" as suas políticas, uma vez que Bruxelas está sobretudo a perguntar aos Estados-membros "onde querem estar daqui a 10 anos".

A comissária admite que não é fácil cumprir o slogan europeu, muito usado durante a atual crise, de «não deixar ninguém para trás», mas insiste que é necessário que a próxima fase da resposta à crise tenha também o "enquadramento de solidariedade" presente na resposta de emergência, e daí a importância da Cimeira Social e da adoção de um plano de ação para a concretização do Pilar Europeu dos Direitos Sociais.

Elisa Ferreira salienta duas questões a serem discutidas na Cimeira Social e que julga merecerem "uma importância especial": a proposta de salários mínimos adequados em toda a União e uma atenção muito especial às crianças.

Relativamente à proposta da Comissão, também neste caso fortemente apoiada pela presidência portuguesa, de um salário mínimo adequado na UE, a comissária observa que "alguns estarão surpreendidos que, no meio de uma crise destas, a Comissão Europeia venha tratar este assunto", mas considera "muito importante" que a Europa adote "regras para constituição de um salário mínimo decente para os trabalhadores".
A esse propósito, lembra o recente estudo promovido pela Fundação Francisco Manuel dos Santos - "Pobreza em Portugal - Trajetos e Quotidianos" - que revela que um quinto da população portuguesa é pobre e a maior parte das pessoas em situação de pobreza trabalha, a maioria com vínculos laborais sem termo.

Para a comissária europeia, além de garantir salários decentes para os trabalhadores, a UE deve também prestar particular atenção às crianças, apontando que, em 2019, ainda antes da crise provocada pela pandemia, já havia na Europa cerca 18 milhões de crianças em famílias que estavam abaixo do limiar de pobreza.

"Com a pandemia, este valor vai necessariamente agravar-se, e quando as crianças são sujeitas à violência da pobreza isso afeta-as durante toda a sua vida [...] Enfim, há aqui uma preocupação enorme se não quisermos que este problema que estamos a viver conjunturalmente se transforme num problema estrutural que vai afetar toda uma geração", alerta.

 

Data de introdução: 2021-05-05



















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