A primeira vez que se ouviu falar no Pilar Europeu dos Direitos Sociais foi em setembro de 2015, quando Jean-Claude Juncker, Presidente da Comissão Europeia apresentou, no seu discurso sobre o Estado da União, a Europa Social como uma prioridade da agenda europeia.
Em novembro de 2015, em Gotemburgo, foi aprovado o Pilar Europeu dos Direitos Sociais, um texto não vinculativo composto por 20 princípios fundamentais que visam promover os direitos sociais dos cidadãos europeus e que aborda matérias que vão desde o direito a um salário justo até a cuidados de saúde, da aprendizagem ao longo da vida, a um melhor equilíbrio entre a vida profissional e familiar e à igualdade de género em matéria de rendimento mínimo e de acesso ao mercado de trabalho.
Na altura, eu colaborava com o Presidente da Comissão Europeia e apelidei o texto do Pilar Social de um poema, porque se tratava tão só de um enunciado de princípios, sem qualquer programa de ação que lhe estivesse associado. Num discurso feito posteriormente no Parlamento Europeu Jean Claude advertiu para a necessidade de se avançar para um programa que materialize estes princípios, frisando que o texto não se tratava de um poema e apelando aos Estados-membros para passarem dos compromissos à ação.
Os objetivos apresentados nesta Cimeira Social no Porto foram uma tentativa de ser dado um primeiro passo para a definição de um Plano de Ação. Para isso foram definidos alguns objetivos quantificados no domínio do emprego, da formação e do combate à pobreza.
Não estou muito otimista em relação ao que foi decidido. Em primeiro lugar, convém referir que a experiência passada quanto à definição de objetivos desta natureza por parte das instâncias europeias não é nada animadora. Por exemplo, quando em 2000 se definiu na Estratégia de Lisboa “Converter a economia da União Europeia na economia do conhecimento mais competitiva e dinâmica do mundo, antes de 2010, capaz de um crescimento económico duradouro acompanhado por uma melhoria quantitativa e qualitativa do emprego e uma maior coesão social” e se apontaram objetivos quantificados, nem aquele desiderato foi cumprido, nem nenhum dos objetivos quantificados foi atingido.
Em segundo lugar, a União Europeia não tem competências no domínio das políticas sociais, que são da responsabilidade dos Estados. O Direito Comunitário tem um código genético de natureza económica. No princípio o objetivo foi a criação de um mercado comum à escala europeia. Muito depois com a aprovação do Ato Único Europeu e da Carta Comunitária dos Direitos dos Trabalhadores e depois com os Tratados de Maastricht, com o Acordo Social aprovado em Protocolo Anexo ao Tratado, de Amesterdão, de Nice e de Lisboa é que surgiram aspetos de natureza social, como sejam a promoção do emprego, a melhoria das condições de vida e de trabalho, proteção social adequada, diálogo com parceiros sociais e formação profissional. A Política Social passou mesmo a fazer parte do Tratado da União Europeia, mas os objetivos a atingir nestas áreas, quando muito, são partilhados entre os Estados Membros e a União Europeia.
Na área social o objetivo da União não é uniformizar os sistemas nacionais, mas sim tentar harmonizá-los. É isso que claramente é afirmado no Tratado: “A União apoiará e completará a ação dos Estados Membros”.
Nestas condições não parece fazer sentido assumir objetivos quantificados em torno de aspetos essenciais da vida dos cidadãos, por parte de um número tão elevado de entidades - 26 Estados Membros mais a Comissão Europeia - porque quando tantos são responsáveis, no fim, ninguém é responsável.
Por isso não estou muito otimista quanto aos resultados da cimeira do Porto no que se refere ao Pilar Social, muito embora perceba que os europeus querem mais proteção social, mas nem os líderes nacionais, nem o sistema europeu estão em condições de oferecer pouco mais do que intenções e princípios gerais.
Tenho para mim que maior problema social da Europa não foi abordado na cimeira do Porto, nem é muito discutido e que tem a ver com o verdadeiro suicídio demográfico que se vive no continente europeu. A Europa tem hoje a maior perda de população da história moderna. A Alemanha apresenta a menor taxa de natalidade do mundo. No final do século a União Europeia terá 4% da população mundial com um enorme peso de idosos. Até 2050 a União Europeia vai perder 50 milhões de pessoas em idade ativa. Só na Alemanha serão 11 milhões. A Europa vai ficar irreconhecível. Há quem compare a situação atual com a vivida durante a Peste Negra do séc. XIV.
Enquanto a maior parte do mundo cresce com uma pujança fulgurante a Europa começa a apresentar sinais de declínio, em que a evolução demográfica é a face mais visível e a que causa maior alarme. Só uma certa miopia política não enxerga esta realidade que, afinal, constitui a maior ameaças para o futuro europeu. Este grave problema que afeta toda a Europa não é passível de ser resolvido através de soluções nacionais, porque são ineficazes. Mais do que em qualquer área são precisas soluções europeias.
A Europa, para evitar o suicídio demográfico, tem de apostar de modo muito decidido em políticas que promovam a natalidade, o que significa que são precisas políticas que permitam às pessoas ter o número de filhos que desejam, sem baixar o nível de vida. Mas não chega, porque é irrealista pensar que as pessoas vão voltar a ter quatro ou cinco filhos.
Por isso, a Europa também precisa de uma política europeia de migrações. Mas os líderes não revelam coragem para abordar de forma séria e responsável o tema quando só num ano, a população imigrante cresceu dois milhões de habitantes, enquanto a população autóctone da Europa vai encolhendo assustadoramente.
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