Estamos a pouco mais de um mês das eleições para os órgãos autárquicos. Uma das virtualidades da democracia é a possibilidade de, livremente, se poder escolher quem nos possa representar, neste caso, no governo a níveis concelhio e de freguesia. Em política, todos os atos eleitorais têm a mesma importância, pois todos visam, em princípio, escolher quem assegure condições bastantes para que sejam respeitadas e defendidas a dignidade humana e o zelo pela preservação do nosso planeta. Infelizmente, em muitos países, que se regem por modelos políticos democráticos, estão a criar-se condições que fragilizam a opção pela democracia, com base em medos resultantes de maiores fluxos migratórios, de inseguranças várias, entre outras razões. Estas fragilidades costumam ter uma dimensão local. Todavia, há outras ameaças mais complexas, dada a sua amplitude e estratégias. A primeira e mais gravosa de todas é o domínio poderosíssimo que a vertente financeira da economia tem sobre a política. Com efeito, são cada vez mais frequentes e prejudiciais para o bem comum, os enredos financeiros – alguns deles com contornos criminosos de grande complexidade, e revestidos de uma incontrolável opacidade – que estão a gerar gritantes desigualdades socioeconómicas, com prejuízos diretos nas condições e vida do povo. Por isso, é indispensável ter a consciência clara de que a democracia, uma vez adquirida, não se torna automaticamente numa realidade invencível. Não têm sido poucos os regimes democráticos que foram esmagados por ditaduras sanguinárias. A democracia fortalece-se na medida em que o povo a alimenta com a sua ativa participação em tudo, que assegure a liberdade responsável, a nível pessoal e coletivo. Isso implica a prática consciente da cidadania; o acesso indiscriminado a direitos que deem dignidade à vida de toda a gente; a justiça social, a solidariedade e a subsidiariedade; a criação de órgãos intermédios, como são, por exemplo, as Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS); a não abstenção sempre que se for chamado a fazer opções de interesse comum; a colaboração com organizações políticas, educativas, sociais, culturais, ecológicas...; a monotorização das decisões e práticas dos que legislam, nos governam ou têm outras responsabilidades públicas. É importante, por isso, que ninguém descuide as suas obrigações cívicas bem esclarecidas e persistentes
Uma das ações cívicas de primeira linha traduz-se na participação em todos os atos eleitorais. Não se pode entregar a outros responsabilidades que são, intrinsecamente, nossas, sob pena de não termos o que desejamos e, em sentido ético, perdermos a total legitimidade para exigir ou denunciar seja o que for. Oxalá que as próximas eleições tenham uma grande participação. Está em causa a escolha daqueles a quem se recorre primeiro para a resolução dos problemas mais básicos. Sabemos bem o que os fregueses esperam do executivo da sua Junta de Freguesia e os munícipes do da sua Câmara Municipal. Mas as eleições agendadas para o dia 26 de setembro têm uma justificação acrescida e da maior preponderância para o poder local. Irão aumentar as transferências de competências em áreas governativas, até agora, alocadas ao poder central para os municípios. Todas são relevantes, mas preocupam-me mais as da área socioeducativa por ainda não estarem bem esclarecidos as áreas e níveis de intervenção, critérios, financiamentos, interlocutores, graus de responsabilidade, entre outras dúvidas.
Deixo algumas das minhas preocupações, sem prejuízo de voltar ao assunto: a descentralização não pode enfraquecer as medidas de políticas públicas para que continue assegurada a universalidade do acesso aos direitos educativos e sociais. Importa que o desenvolvimento integral das pessoas e dos seus bairros se sobreponha à “partidarite”; que se reforce, em termos de representatividade e participação efetiva, em tudo, as Comissões Locais de Freguesia e os Conselhos Locais de Ação Social para além de outras melhorias que se impõem; que sejam transparentes os critérios e as decisões que a partir deles serão tomadas; que se obtenha uma maior valorização, em termos de decisão e acompanhamento, das estruturas regionais e locais representativas da população destinatária; que se pratique um tratamento interdisciplinar de casos sociais considerados de difícil resolução, com uma eficaz articulação entre os órgãos do poder local e as instâncias regionais representativas do governo central; que se alcance a coordenação, respeitando escrupulosamente a proteção de dados, entre os diferentes atendimentos sociais de proximidade.
Nada tenho contra o reforço do poder local. Pelo contrário. Mais depressa se detetam problemas e se resolvem quanto maior for a sua proximidade geográfica. Conhece-se melhor a realidade, o que propicia maior assertividade na eficácia dos projetos que se delineiam e executam com melhor utilização dos meios necessários. É mais fácil interessar e implicar as cidadãs e os cidadãos a participarem nas decisões, como é o caso dos “Orçamentos Participativos”. É uma oportunidade das IPSS se assumirem como eficazes agentes de desenvolvimento local, assente na justiça, na solidariedade e na subsidiariedade.
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