Reeleito, já este ano, para um segundo mandato à frente da URIPSSA, João Canedo é o rosto do Sector Social Solidário nos Açores e, nesta conversa com o SOLIDARIEDADE, dá conta do que tem sido feito pela União Regional junto das associadas. Adiada de 2020 para 2021 devido à pandemia, a 14ª Festa da Solidariedade acontecerá nos Açores, já no início de outubro, e para além de vários momentos de reflexão sobre questões que se prendem com o quotidiano das IPSS açorianas, é propósito da URIPSSA dar a conhecer ao país o bom trabalho que as instituições sociais das nove ilhas do Arquipélago fazem em prol de uma população que regista dos mais elevados índices de pobreza de Portugal.
SOLIDARIEDADE – Que o retrato se pode traçar do Sector Social Solidário no Arquipélago dos Açores?
JOÃO CANEDO – O Arquipélago dos Açores é formado por nove ilhas, o que em muitos casos dificulta um apoio uniforme a todos os que necessitam dos nossos serviços. Temos IPSS em todas as ilhas, num total de 223, desde o Corvo a Santa Maria e a nossa ação é no terreno perto de todas as comunidades, principalmente as mais necessitadas. Como sabe, os Açores têm o maior índice de pobreza do país e só podemos melhorar esse indicador trabalhando todos em parceria e com o mesmo objetivo. Quando digo todos, refiro-me ao Governo Regional, aos Municípios e às IPSS.
Em que se traduz o trabalho da URIPSSA desde que se reorganizou e assumiu um papel ativo na defesa dos interesses das IPSS?
A URIPSSA foi criada em 2007 com o intuito de ser uma voz ativa na defesa dos interesses das suas associadas. No entanto, devido ao facto de estarmos separados por nove ilhas esse trabalho foi mais dificultado. Tínhamos uma direção demissionário desde 2016 e, em 2017, lançaram-me o desafio de constituir uma equipa para dar seguimento ao trabalho que até então estava a ser executado. Ao analisar a comunicação entre os elementos da Direção da União, que estavam separados pelas diversas ilhas, e para conseguir efetuar um trabalho de base e organizar a mesma, optei por efetuar convites a alguns associados da Ilha Terceira para formarmos uma equipa. A meados de 2017 fomos eleitos, sendo todos os corpos sociais da Ilha Terceira, de modo a facilitar os contactos entre os elementos. Esta situação para nós foi benéfica, tanto na organização, como na decisão. Como disse anteriormente a URIPSSA começou em 2017 com uma nova equipa e novas dinâmicas. Em primeiro lugar, tentámos avaliar as necessidades das associadas e de todas as IPSS dos Açores. Importa referir que, através do apoio da Câmara Municipal da Praia da Vitória, possuímos uma sede, tendo em conta que na nossa opinião era importante para as IPSS terem um espaço de referência. Assim, nesse mesmo ano fizemos a primeira formação, intitulada como Introdução ao RGPD e, em 2019, promovemos uma formação mais extensa sobre este mesmo tema, tendo contado com 169 formandos das diversas ilhas. No ano de 2020, com o apoio do Governo Regional dos Açores, através da Direção Regional da Solidariedade Social [DRSS], criámos uma avaliação de desempenho específica para as IPSS. Já este ano, houve nova eleição para os Corpos Sociais e, desta feita, optámos por convidar elementos de outras ilhas e assim podermos descentralizar e termos representantes da URIPSSA nessas ilhas.
Portanto, primeiro organizaram-se de forma mais concentrada e agora alargaram essa participação a toas as ilhas. Isso implica seguramente mais trabalho para a URIPSSA?
Sim. Numa perspetiva de desenvolvimento contínuo e de trabalho de melhoria, contratámos também um funcionário para a sede da URIPSSA e acordámos uma avença com um escritório de advogados para melhor servirmos os nossos associados. Nos dias de hoje, devido às solicitações dos nossos associados, às diversas representações, nomeadamente, nas negociações com o Governo Regional e com os sindicatos, e integrando várias organizações, como o CESA, os Concelhos de Ilha e outras, somos obrigados a ter uma maior disponibilidade para podermos fazer face a toda esta variedade de assuntos em tempo útil.
Como é a relação entre a URIPSSA e o Governo Regional e também com as diversas autarquias do Arquipélago?
A URIPSSA sempre teve uma ótima relação de parceria com o Governo Regional, tanto com o anterior como com este da coligação PSD/CDS/PPM, que assumiu funções em outubro passado. Temos tido algumas reuniões com a DRSS e a Vice-Presidência, que tem a pasta da solidariedade social, e, de momento, estamos a negociar os valores padrão para o ano de 2021, o que para nós já é tarde visto que no Continente já estão acordados desde julho. Quanto aos contactos com as autarquias, vão existindo com algumas e, por enquanto, ainda não conseguimos reunir com todas, devido à pandemia, o que contamos fazer após as eleições autárquicas.
Sendo diferente do Continente, como é o modelo de comparticipação do Governo Regional às respostas sociais das IPSS?
O nosso modelo tem muitas diferenças, o que não quer dizer que seja melhor, mas, no meu humilde parecer, é mais transparente e mais agilizado. A maioria dos acordos são para respostas típicas e um dos nossos objetivos e desafios para este ano é podermos passar mais algumas valências de atípicas para típicas. Na parceria com o Governo Regional, criou-se uma plataforma informática (SIADS) onde todas as instituições colocam os utentes e os valores recebidos pelos utentes protocolados. Neste sentido, o Instituto da Segurança Social dos Açores [ISSA] tem acesso aos valores recebidos pelas instituições e pode calcular os valores que tem de comparticipar. Os valores-padrão são os que se estabeleceram para cada valência: o utente, no caso de ERPI, paga 80% dos seus rendimentos e o ISSA paga a diferença até perfazer o valor padrão, que nesta valência é, mais ou menos, de mil euros. A instituição não pode ultrapassar nos utentes protocolados o custo real que se tem nessas valências. Após termos contactado várias IPSS com ERPI, concluímos que o custo real anda na ordem dos 1.300 euros, pelo que o valor-padrão fica muito aquém dos custos que as instituições têm, obrigando as IPSS a se reinventarem para poderem fazer face aos custos. Além disso, a plataforma SIADS também permite gerir a lista de espera em ERPI, para já, apenas na Ilha Terceira e na Ilha de São Miguel. Nos casos dos jardins-de-infância, o valor padrão está na ordem dos 376 euros, o que para nós é muito abaixo do custo real por utente. O mesmo se aplica às creches, sendo o valor padrão mais alto, mas não contemplando os custos que as instituições têm com a equivalência das educadoras de infância. Sei que no continente existe uma comparticipação para subsidiar os custos que as IPSS têm com as educadoras de infância, mas nos Açores essa situação não existe. Em muitos dos outros casos, como as respostas atípicas, os valores estão muito abaixo do custo real dos utentes.
Isso levanta grandes dificuldades às instituições?
Sem dúvida. Quando foi pensado o valor-padrão em 2014, não se pensou nos aumentos sucessivos do salário mínimo, que tem aumentado desde essa altura, nas questões da higiene e segurança no trabalho, nas da medicina no trabalho, HACCP, RGPD e na qualidade técnica que hoje nos é exigido. Estas várias obrigações legais e políticas aumentaram em muito os custos das IPSS e os valores-padrão não acompanharam estas situações. Neste sentido estamos a trabalhar com a Vice-presidência do Governo Regional dos Açores um novo paradigma para tornarmos as IPSS mais eficientes e sustentáveis.
Quais os grandes problemas sociais que as IPSS têm que combater para tornar a vida dos açorianos melhor?
Acho que é transversal a todo o Portugal, defendo que temos de ter instituições geridas como se de uma empresa tratasse, para serem eficientes e sustentáveis e para melhor poderem apoiar a nossa comunidade. Para isso acontecer temos de ter valores padrão que possam ir ao encontro dos custos reais das IPSS e, assim, possamos apoiar e melhorar a qualidade de serviço que prestamos à nossa comunidade.
Vai ser lançada uma nova resposta social de apoio à população idosa, em que consiste esse projeto-piloto?
Tem sido uma prioridade deste Governo, através do seu Vice-presidente, lançar no Arquipélago uma nova resposta social que apoie os idosos que querem ficar na sua casa, «ageing in place». Mas este é um projeto-piloto que ainda não está bem definido. O que temos afirmado é que, ao ser implementado, tem que ser em parceria com as IPSS, uma vez que estas é que estão no terreno e dispõem de pessoal qualificado e têm o «know how» para poder prestar um serviço de qualidade a essa população. Este projeto vai complementar as respostas sociais já existentes, desde o apoio domiciliário, centro de dia e mesmo de ERPI. Esperemos que este novo projeto possa reduzir a lista de espera em ERPI nos Açores, que são imensas.
Qual a grande mais-valia no combate à Covid-19 nas instituições açorianas, que, até ao momento, se salda por poucas vítimas mortais e apenas em uma IPSS?
Acredito que foi um excelente trabalho que os funcionários das IPSS tiveram na sua responsabilidade, humanismo e profissionalismo. Tivemos, também, todo o apoio do Governo Regional, através da Secretaria Regional da Solidariedade, que esteve sempre em contacto com as IPSS, dando as orientações necessárias para podermos atuar. É de realçar ainda a iniciativa do Governo Regional atual de iniciar o processo de vacinação, a 31 de dezembro de 2020, pelas ERPI. Não posso deixar de referir que a CNIS também teve um papel muito importante na informação que disponibilizou à URIPSSA, permitindo a partilha com todas as IPSS. Conjugando todos estes fatores e juntando um pouco de sorte e do trabalho efetuado em parceria, fizemos um bom trabalho. Contudo, não foi excelente, uma vez que, infelizmente, tivemos vários mortos em uma instituição.
Como está atualmente a situação de Covid-19 nas IPSS do Arquipélago dos Açores?
Já tivemos dias piores e outros melhores. Anteriormente, já tivemos oito ilhas sem casos positivos, todavia, de um momento para o outro, outras ilhas aumentaram o número de casos positivos e as cadeias de transmissão. Como sabe, a Festa da Solidariedade estava agendada para setembro, mas, devido aos casos positivos na Ilha Terceira e em S. Miguel, tivemos que adiar para 6 a 9 de outubro. Agora, temos muitos menos casos e já atingimos os 70% de pessoas vacinadas. Esperamos que até final de setembro possamos atingir os 80% para termos a imunidade de grupo.
Sendo a Festa da Solidariedade este ano nos Açores, como está a iniciativa a ser recebida pelas IPSS do Arquipélago?
Temos contactado as IPSS associadas e pensamos começar a contactar todas as outras IPSS açorianas. Sendo a Festa da Solidariedade, não fazia sentido não abrir esta festa a todos. Deste modo, contamos com a presença de todos para podermos comunicar e aprendermos com as boas praticas que as IPSS têm.
Na elaboração do programa da Festa, quais foram as prioridades da URIPSSA?
Tentámos elaborar um programa em torno das necessidades das instituições e podemos dividi-lo em três importantes pontos: Temos uma parte de rua, onde esperamos que as IPSS se conheçam umas às outras, comuniquem, partilhem e possam criar pontes e parcerias entre elas; depois, vamos realizar conferências sobre quatro assuntos de grande pertinência, nomeadamente, os desafios das IPSS na atualidade, a sua sustentabilidade e os papéis do Governo Regional e da Banca na parceria com as mesmas; por fim, conseguir mostrar à nossa comunidade o excelente trabalho que se faz nas IPSS.
O que se pode esperar da Festa da Solidariedade nos Açores?
Como o próprio nome indica, esperemos que seja uma grande festa com muita comunicação, informação, divertimento e muita troca de experiências. Esperamos ainda que no final possamos dizer que valeu a pena.
Deixe uma mensagem-convite a todas as IPSS para aderirem à Festa da Solidariedade nos Açores.
A Festa da Solidariedade só se faz com pessoas e, por isso, apelamos a todas as IPSS, associadas e não associadas da URIPSSA, que se juntem a nós nestes dias orientados para a área social e que todos juntos possamos mostrar à nossa comunidade a importância do nosso trabalho em prol da sociedade, desde os mais jovens aos nossos idosos. Estamos cansados deste confinamento, por isso, vamos todos participar, porque todos estão convidados.
Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)
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