Nasceu para regular a coabitação dos 2.200 novos moradores das Lameiras, mas rapidamente avançou para o apoio social. Ao longo dos 37 anos de existência, a Associação de Moradores das Lameiras cresceu, diversificou as respostas sociais e “hoje é uma instituição de referência a nível nacional”. Neste crescimento sustentado que tem feito, a instituição tem o grande lamento e desilusão com o imbróglio criado em torno da Casa Abrigo, que a instituição criou há 13 anos e que continua a dar prejuízo, sem que a Segurança Social ponha fim à “confusão” que criou.
A AML – Associação de Moradores das Lameiras nasceu em 1984, no Complexo Habitacional das Lameiras, na freguesia de Antas, cidade de Vila Nova de Famalicão.
“Quando viemos para o Bairro das Lameiras éramos 2.200 pessoas e éramos todos jovens. É um quarteirão enorme, tem 290 apartamentos e 30 lojas”, começa por dizer Jorge Faria, presidente da instituição, que ao longo do tempo se foi expandindo, criando as antigas instalações do Centro Social e Comunitário da própria AML, no rés-do-chão de dois blocos habitacionais. Já em 2003 é inaugurado o novo equipamento do Centro Social e Comunitário, alargando a instituição o número de respostas. Mais tarde seria criado o «Espaço Social, Desportivo e Cultural da AML».
Instaladas as 2.200 pessoas, era necessário dar alguma ordem à casa e, aquando da criação da AML, o primeiro objetivo era regular o relacionamento entre os novos vizinhos e destes com o complexo habitacional.
Porém, outras necessidades foram logo identificadas, sendo que a primeira foi com as crianças do bairro.
“Havia aqui cerca de 750 crianças, que brincavam e jogavam à bola no interior do edifício, que parece uma alameda. Tem campos de futebol, de basquete e parque infantil. Temos tudo ali no interior e os miúdos podiam estar ali que os pais de cima tomavam conta. Ali não andam veículos motorizados”, refere Jorge Faria, lembrando: “Mas, em 1983, quando viemos para cá não era como agora, que há creches em todo o lado. As pessoas vieram de muito lado e a maioria não se conhecia, mas nem toda a gente era pobre e necessitada. A Câmara quando selecionou os moradores quis equilibrar as coisas e este nunca foi um bairro social típico”.
Identificada a primeira necessidade dos moradores, “então, um grupo de moradores reuniu-se e sugeriu-se a criação de uma associação de moradores, senão era uma balbúrdia”.
Após várias reuniões, cinco moradores foram incumbidos de formar uma associação, mas, antes de haver a associação, já havia grupos de trabalho. Finalmente, um grupo de 18 moradores fundou a Associação de Moradores das Lameiras.
“Nas primeiras eleições para os corpos sociais concorreram três listas. E é essa primeira Direção eleita que decide criar uma resposta social para as crianças”, recorda, lamentando a atitude da autarquia na altura: “Fizemos o pedido à Câmara, mas esta, apesar de dizer que sempre teve confiança na AML, achava que nós não éramos capazes! E queria entregar essa resposta à Misericórdia. Recusámos e tanto fizemos que provámos que aqui havia gente capaz para gerir uma resposta social”.
Nos dias que correm, a AML já trabalha com um universo de centenas de utentes, a maioria, em especial na área da infância, de fora do bairro das Lameiras.
Com um corpo de 90 funcionários, a AML acolhe 83 bebés em Creche, 75 crianças no Pré-escolar e 104 em CATL, apoia 35 idosos em ERPI, 40 em SAD e 30 em Centro de Dia.
Já no Serviço de Atendimento e Acompanhamento Social (SAAS), a AML atendeu, em 2020, 117 famílias, sendo que em 2021, até junho, já o fazia a 240 famílias. Situação idêntica no RSI, com acompanhamento, em 2020, a 159 famílias beneficiárias e, em 2021, já eram 172.
Para além da Formação, a instituição tem igualmente uma Casa Abrigo, para seis pessoas.
Mas quando se fala na Casa Abrigo, Jorge Faria só lhe apetece meter as mãos à cabeça.
“A Casa Abrigo é uma grande confusão”, atira de pronto, explicando: “Quisemos criar uma Casa Abrigo para vítimas de violência doméstica e comprámos um apartamento, mas não fomos apoiados por ninguém, nem pela Câmara, nem por privados, nem por ninguém. Mesmo assim comprámos um apartamento no bairro para seis pessoas”.
Porém, para protocolizar a resposta, a Segurança Social impôs que a AML “comprasse o apartamento ao lado para que a casa abrigo fosse para 12 pessoas… e até deu um prazo”, conta, desenrolando o novelo: “Então, entrámos em negociatas com o morador do lado, que nos disse que se lhe encontrássemos uma casa mais pequena, por ele tudo bem. A casa era da Câmara que concordou com a situação, mas quando lhe pedimos apoio para comprarmos o apartamento, não tivemos sorte. Então, com o dinheiro que tínhamos comprámos o apartamento, mas que precisava de ser mobilado e equipado. Fomos novamente pedir apoio à Câmara para ajudar, mas nada outra vez”.
Quando tudo estava pronto para as 12 pessoas, a instituição comunicou à Segurança Social, “mas não havia dinheiro para nos apoiar”, lamenta.
“Passaram 12 anos e em setembro de 2020 chamaram-nos para assinarmos um protocolo. O acordo era para 1.000 euros por pessoa acolhida na casa, mas exigem quatro funcionários, 24h00, sete dias por semana, em que temos que lhes pagar trabalho noturno, ter um psicólogo, um sociólogo e um assistente social. Nós temos um prejuízo anual de cerca de 30 mil euros com a Casa Abrigo. E são ainda só seis pessoas! O protocolo é só para seis pessoas, mas a Segurança Social exigiu que a valência tivesse vaga para 12”, conta indignado, mas a história não fica por aqui, porque: “Quando em setembro de 2020 a Segurança Social nos chamou para assinar o protocolo para 12, o valor era de 1.000 euros por pessoa. Ficámos satisfeitos, porque o rácio utentes-funcionários já permitiria anular o prejuízo que andávamos a ter. Só que passados 15 dias, voltaram a chamar-nos para nos dizer que as seis novas vagas não seriam a mil euros, mas apenas a 600 euros/mês. E disse-lhes que, se era assim, não assinava. Então, está tudo mais caro, o valor não altera há anos e ainda querem reduzir desta maneira o valor da comparticipação? Não, assim não”.
A situação relatada por Jorge Faria ainda ganha contornos mais curiosos, porque ainda no tempo do Governo PSD-CDS, na falta de verbas para protocolizar as 12 pessoas, a tutela propôs a transformação do segundo apartamento numa resposta de emergência.
“Entretanto, quando surgiu o imbróglio do protocolo para 12 e ficou tudo em águas de bacalhau, agora nem a resposta de emergência temos”, lamenta Jorge Faria, que tem seis vagas para vítimas de violência doméstica que não pode ocupar e continua a acumular prejuízos com a Casa Abrigo tal como está.
Ainda assim, o presidente da AML assegura que “a saúde financeira está boa e recomenda-se, porque há uma boa gestão”, argumentando que “não se gasta de qualquer maneira, somos criteriosos nas compras e fazemos uma gestão rigorosa”.
Com os olhos no futuro na melhoria dos serviços e numa melhor sustentabilidade da instituição, os responsáveis pela AML têm dois grandes projetos em mãos: criar 13 apartamentos de autonomia para idosos e produção de energia e venda à rede.
“Nós já temos uns painéis fotovoltaicos, comprados por nós, e vendemos energia à rede, o que dá algum benefício. Agora, temos uma parceria com uma empresa ligada à EDP que vai montar os painéis, sendo que o lucro da energia ali gerada e vendida é uma parte para essa empresa e outra parte para a Associação. Nós não gastamos dinheiro nenhum, só disponibilizamos o espaço”, revela Jorge Faria, assegurando: “Queremos caminhar no sentido de sermos autónomos financeiramente e este é um passo nesse sentido”.
Quanto ao projeto dos apartamentos de autonomia, as estruturas já existem, são os espaços onde dantes funcionava a Associação, necessitam apenas de ser adaptados.
“Numa parte desse espaço estão alguns serviços, mas a outra parte é para esse projeto. O problema das áreas onde queremos instalar os apartamentos é que ainda tem o âmbito para centro social, o que só a Câmara pode alterar. Depois, ou concorremos a um programa da União Europeia para podermos construir e estabelecer um protocolo com a Segurança Social ou, se não for assim, temos que particularmente alugar as casas, tendo os idosos que pagar como se estivessem numa outra qualquer casa não subsidiada”.
Tal como todas as outras IPSS, também a AML tem lidado, nos últimos 19 meses, com a Covid-19 e todas as suas implicações no funcionamento da instituição.
Por exemplo, o Centro de Dia apenas abriu em meados de setembro, mas, ainda assim, a AML conseguiu passar incólume à pandemia em número de casos positivos de SARS-CoV-2.
“Uma coisa boa que agradecemos, é que não tivemos qualquer caso de Covid nos nossos idosos. Houve apenas um funcionário, mas estava de férias”, congratula-se, agradecendo as ajudas recebidas: “Tivemos bons apoios, da Câmara, da UDIPSS e de outras entidades, o que ajudou, porque os materiais e os produtos são caros. Só em batas é um dinheirão, porque no Apoio Domiciliário, que são 40 utentes e com mais do que uma visita por dia, é necessário trocar a vestimenta por uma nova a cada visita”.
E como seria Vila Nova de Famalicão sem a Associação de Moradores das Lameiras?
“Não seria como é agora. Nas Lameiras nasceram crianças que hoje estão muito bem na vida. As Lameiras são uma escola. Muitas vezes, Vila Nova de Famalicão é conhecida por causa das Lameiras, especialmente na área social. Quando para aqui viemos, as Lameiras estavam na periferia da cidade, agora estamos no centro. Por isso, a Câmara tem que olhar muito bem para este edifício. E, por isso, é que a Câmara tem que apoiar muito a Associação”, alerta Jorge Faria.
Como se pode ler no sítio na Internet da AML: “A Associação de Moradores das Lameiras há muito tempo deixou de ser uma simples coletividade de bairro, para se tornar numa instituição que apostou no desenvolvimento social, na criatividade, na ecologia e na inovação social”.
Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)
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