JOSÉ A. SILVA PENEDA

A pobreza em Portugal

Estatísticas oficiais da União Europeia recentemente divulgadas dizem que a taxa de risco de pobreza dos idosos no nosso País subiu de 20,2% em 2019, para 21,4% em 2020. Nas crianças essa taxa também aumentou no mesmo período de 21,6% para 21,9% e, nos idosos, de 20,2% para 21,4%.

Neste conceito de risco de pobreza cabem todas as pessoas cujo rendimento fica abaixo de 60% do rendimento mediano por adulto de cada País, o que equivale a cerca de 540 euros mensais. O número de pobres em Portugal já ultrapassa assim os 2 milhões.

Seguramente que por trás do agravamento destes números estão os efeitos da pandemia, mas não podemos deixar de considerar que foi neste período que se puseram de pé políticas públicas de natureza social muito fortes. Enquanto na crise anterior verificada entre 2010 e 2013 as políticas públicas de apoio social não foram ativadas ou até diminuíram de intensidade, como foi o caso do rendimento social de inserção, recentemente passou-se o contrário, como aconteceu, por exemplo, com o “lay-off” que beneficiou largos milhares de pessoas. Não fora as medidas tomadas durante a pandemia, o agravamento do número de pessoas em situação de pobreza ainda seria muito maior. Significa que o Estado Social funcionou, gastou muito dinheiro, mas, mesmo assim, o número de pobres aumentou.

Acontece que a maior parte dos pobres não o são por não terem emprego ou por dependerem de apoios sociais que menorizem a ausência de salário. A verdade é muito dura de ouvir, mas o certo é que a maioria dos pobres em Portugal trabalha. E entre os que trabalham, a maior parte dos que são classificados como pobres tem vínculos laborais sem termo e auferem, pelo menos, o salário mínimo.

São pobres porque auferem salários baixos ou têm empregos precários. 33% dos pobres, em Portugal são trabalhadores, 26,6% dos quais precários e só 13% é que são desempregados. Trata-se de uma situação inaceitável, que mostra como a nossa sociedade está gravemente doente.

Outro indicador muito importante é o que mede quão distante está o rendimento das pessoas mais pobres do valor fixado para o limiar da pobreza. Chama-se a este indicador, taxa de intensidade da pobreza.

Em Portugal essa taxa é de 24,4%, o que significa que a média do rendimento mensal dos mais pobres anda à volta de 414 euros.

Se conjugarmos estes dados sobre a pobreza com o nível de distribuição de rendimento, os últimos dados disponíveis, que são de 2019, mostram que em Portugal os 20% mais ricos auferem 5 vezes mais rendimento do que os 20% mais pobres. Se olharmos para a proporção da riqueza dos 10% mais ricos face aos 10% mais pobres, este valor sobe para 10 vezes.

Temos assim um problema de forte desigualdade que tem como consequência o enfraquecimento da classe média, e é sabido que uma sociedade com uma classe média débil não pode almejar a ser uma sociedade com altos níveis de desenvolvimento.

O salário mínimo pode ser um poderoso instrumento para tirar da pobreza um considerável número de pessoas, especialmente se tivermos em consideração que uma parte significativa dos que são pobres têm emprego. Recentemente têm ganho força algumas teorias, como por exemplo as defendidas por David Card e Alan Krueger, recentemente galardoados com o Prémio Nobel da Economia, que pretendem demonstrar que o aumento do salário mínimo não tem como consequência a diminuição da criação de emprego. Com base na mesma linha de orientação, a Alemanha, através das formações políticas identificadas com os verdes e os liberais, propuseram um aumento do salário mínimo de 25%.

Sendo esta tendência de aplaudir há que ter em conta que o tecido empresarial na Alemanha, tem elevados níveis de produtividade e competitividade que estão muito distantes dos que se verificam no nosso País. Por isso é que eu insisto que as medidas que conduzam ao reforço da competitividade e produtividade das nossas empresas não podem ser vistas apenas como medidas de natureza económica. Elas devem ser vistas também como uma poderosa alavanca para tornar a nossa sociedade menos desigual.

Mas não se pode ficar com a ideia que uma só medida de política, por mais poderosa que seja, pode resolver o problema da pobreza e das desigualdades.

É nos grandes centros urbanos que se encontram em maior número as pessoas em situação de pobreza, exclusão social e os chamados sem abrigo. Cerca de metade das pessoas em situação de privação material severa reside nos grandes centros urbanos.

Está provado que é muito difícil fazer funcionar o chamado “elevador social” quando a base de partida é muito baixa ou quando não se tem acesso a instrumentos fundamentais com vista a uma completa integração na sociedade. Não se pode ambicionar construir uma sociedade mais coesa e menos desigual se não cuidarmos da marginalidade na base da pirâmide etária. Em Portugal, uma em cada cinco pessoas em situação de pobreza é criança e a grande maioria dos seres que nascem em famílias pobres, crescem, vivem e morrem pobres. Por isso, um domínio prioritário da política nacional de combate à pobreza tem de se focar na pobreza infantil. 

No combate à pobreza o papel reservado ao nível local tem de ocupar uma posição de relevo. Paralelamente a uma visão integrada, articulada e coerente da política social, a busca de soluções terá de ser encontrada na base da proximidade, com o envolvimento dos destinatários, das instituições particulares de solidariedade social, das autarquias e dos serviços pertencentes à administração central, designadamente segurança social, educação, emprego e habitação. Sem este pressuposto de organização poucos ou nenhuns resultados se poderão alcançar.

 

Data de introdução: 2021-11-10



















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