O Natal, enquanto acontecimento histórico, é inegável. Há evidências apresentadas por investigadores, nomeadamente, nas áreas da historiografia e arqueologia que o atestam. É tão real e de uma importância singular que deu início a uma viragem na história da humanidade, tendo-se a mesma dividido em duas eras: a antes e a depois de Cristo. Sabe-se que Jesus teria nascido na ocasião em que «saiu um édito da parte de César Augusto para ser recenseada toda a terra. 2Este recenseamento foi o primeiro que se fez, sendo Quirino governador da Síria.» (Cf. Lc 2, 1-2). Isto mesmo o atesta Flávio Josefo um investigador, não cristão, dessa época. Os demais factos deste acontecimento narrado na Bíblia exigem uma abordagem mais exegética que não é relevante para a reflexão que pretendo apresentar. Verdade histórica é, também, que o nascimento de Jesus de Nazaré não se deu a 25 de dezembro. É que a descrição do evangelista Lucas refere que «havia naquela mesma região pastores que estavam no campo, e guardavam os seus rebanhos durante as vigílias da noite.» (Cf. Lc 2,8). Naquela região, como nas nossas, nos meses de inverno, costuma haver chuva e frio, condições inapropriadas para os pastores não deixarem nos apriscos, durante a noite, os seus rebanhos. A palavra Natal e uma qualquer data específica do dia do nascimento de Jesus, não são referidas nas descrições evangélicas, bem como nunca houve alguma certificação pelos peritos sobre estas informações. O que se sabe é que o nascimento de Jesus só se começou a celebrar pela Igreja Católica desde o século IV, para contrapor a maior festa pagã que era dedicada ao “deus sol”, assinalada aquando do solístico de inverno. Para os cristãos, quem veio dar luz e calor verdadeiros às suas renovadas formas de viver foi Jesus Cristo. Etimologicamente, como sabemos, a palavra “natal” tem a ver com nascimento. Sempre que se refere ao de Jesus escreve-se com letra maiúscula. É importante, porém, saber que a maior festa cristã é a Páscoa e não o Natal.
Mas que tem o Natal a ver com as IPSS, os seus dirigentes e beneficiários? Muito. Vejamos a partir de alguns dos factos.
José e Maria, mesmo tendo percorrido uma longa distância para cumprirem uma ordem política e de interesse social, não se abstiveram de o fazer, pois, à partida, para eles era um dever cívico. Fizeram-no, quiçá, com pouco entusiasmo por terem a perceção de que aquele recenseamento, mais que um objetivo de conhecimento demográfico, poderia ter interesses na ordem da estratégia política ditatorial instaurada pelo Império Romano. As IPSS, e as suas diferentes missões, existem por imperativo de cidadania. É uma forma dos cidadãos cooperarem com os que estão investidos do encargo de governar num âmbito global. Nenhum dirigente de uma IPSS, por isso, deve dizer que faz o que deveria ser feito pelo Estado. Se tem plena convicção disso, a sua principal obrigação é fazer com que as autoridades públicas cumpram as tarefas que lhes estão, exclusivamente, atribuídas. Vejo a existência das IPSS e a dedicação dos que as dirigem, bem como os apoios concedidos pelo Estado, através deles, aos cidadãos como uma missão de cidadania e uma forma de assegurar a vitalidade da democracia participativa. É imperioso que se assuma, nesta área, o Estado como um parceiro e não como detentor da tutela das IPSS, para que a relação mútua seja de cooperação e não de dependência, senão daquela que for acordada, livremente, por ambas as partes.
Como já referi, talvez Maria e José não estivessem muito convencidos da bondade daquela obrigação, mas sentiam não ter voz nem lugar suficientes para expressarem as suas dúvidas e discordâncias. Nasceu-lhes um filho com esses dotes que não deixou de os utilizar em favor dos mais débeis da sociedade do seu tempo. É esta a outra missão dos dirigentes da IPSS, ou seja, dar voz e oportunidade de maior qualidade de vida a quem não a tem e, sempre que necessário, exigir das autoridades públicas as condições necessárias para fazerem bem, o bem que devem fazer. As IPSS não existem só para apoiar os cidadãos mais desfavorecidos, pois seria um contributo para a distinção de classes e acentuar as desigualdades sociais. Mas estão, preferencialmente, atentas às necessidades dos mais fragilizados.
O nascimento de Jesus não deveria ter sido fácil. Os recursos foram escassos. As condições muito frágeis, o apoio mais humano e seguro foi o de José. Mas, mesmo que a presença dos pastores possa ser um facto com pouca consistência histórica e mais de natureza teológica, assim como o da visita dos Magos do Oriente, vale a pena olhar para estas duas narrações como formas de parcerias efetivas e sinceras. Outra realidade a que as IPSS não podem ser indiferentes. Nada se consegue, com eficácia e eficiência, sem cooperação, venha ela de mais perto ou mais longe. Com o apoio reforçado por um conjunto de parceiros mais pobres e outros mais abastados, a Família de Nazaré sentiu-se mais sustentável.
Por fim, o nascituro, a quem foi dado o nome de Jesus, veio a tornar-se num cidadão interventivo, nada acomodado, mas sempre aberto a possibilidades novas que tornassem mais livres, capacitados e solidários os seus concidadãos, firme nas suas convicções, mas sempre aberto ao diálogo, gritou contra todas as formas de injustiças e opressões. Sofreu incompreensões, ataques ignóbeis, suspeições até vir a ser assassinado, mas nunca foi infiel à sua missão.
Outros aspetos deste acontecimento marcante da história se poderiam relacionar com a identidade, valores e missão das IPSS. Mas estes são já suficientes para que consigamos, em cada dia, nas nossas IPSS fazer com que seja sempre Natal.
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