EUGÉNIO FONSECA, PRES. CONF. PORTUGUESA DO VOLUNTARIADO

A Política Melhor (IV)

Continuando na senda das reflexões anteriores, conheçamos, agora, o que pensa o Papa Francisco, na sua Carta Encíclica Fratelli Tutti, sobre a importância da política e a relação que esta deve ter com a economia, e o avanço tecnológico. A partir do pensamento de Francisco podemos ver como a economia social fomentada, nomeadamente pelas Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS), pode dar o seu contributo para que a política retome o seu devido lugar na promoção de um desenvolvimento, que seja mesmo integral, quer dizer, que atinja todas as dimensões existenciais do ser humano, e sustentável, na medida em que não se torna esse desenvolvimento tão vulnerável às crises da economia. Por outo lado, se a economia conseguir conciliar o seu crescimento com o desenvolvimento humano, torna-se mais humanista e menos “financeirista”, assim como os avanços da técnica têm de estar ao serviço das pessoas e não apenas de interesses economicistas. Recordo que fazer política é defender os interesses legítimos da “pólis”[1].

Neste sentido, cada pessoa é um agente político, por ação ou omissão, na medida em que também tem a responsabilidade de cooperar, ativa e criticamente, com os poderes políticos instituídos. É sobre esta forma de fazer política, relacionada com a arte de governar a dita “pólis” a que o Papa se refere, mencionando as suas fragilidades, mas sem deixar de colocar duas perguntas cruciais: E, contudo, poderá o mundo funcionar sem política? Poderá encontrar um caminho eficaz para a fraternidade universal e a paz social sem uma boa política? (176). Efetivamente, para o mundo funcionar precisamos de bons políticos. As IPSS têm uma missão incontornável para que haja “uma política boa” na medida em que transportam consigo os valores da solidariedade, da equidade social que geram fraternidade e paz. Que seria, assim, do nosso Portugal sem as IPSS?

Estamos a entrar numa nova crise económica e financeira decorrente de uma iníqua guerra instalada no leste da Europa que se segue a uma outra, da qual ainda não estamos, totalmente, livres, e as IPSS vão ser, como sempre, convocadas a contribuir para a superação das consequências mais nefastas, como seja o empobrecimento das pessoas e das famílias. Sem a cooperação adequada do Estado Central e das Autarquias tudo será mais difícil. Todavia, as IPSS já deram provas de saberem reinventar-se ao gerarem novas formas de solidariedade. Já aconteceu decerto voltará a acontecer– que enquanto na economia de mercado o emprego decresce, na economia social abrem-se novas possibilidades de trabalho remunerado e voluntário. Como agora é vulgar dizer-se: as IPSS não deixarão ficar ninguém para trás, que não farão aceção de pessoas e se forem confrontadas com o estabelecimento de prioridades, elas sabem que são os mais vulneráveis que terão a sua preferência. Desta forma, as IPSS contribuem para que os políticos possam articular-se melhor com a economia, pois seria demagógico pensar-se qualquer possibilidade de governança sem o apoio desta. Isso mesmo reconhece Francisco ao constatar que «não se pode justificar uma economia sem política, porque seria incapaz de promover outra lógica para governar os vários aspetos da crise atual». Pelo contrário, «precisamos de uma política que pense com visão ampla e leve por diante uma reformulação integral, abrangendo num diálogo interdisciplinar, os vários aspetos da crise». «Penso numa política salutar, capaz de reformar as instituições, coordená-las e dotá-las de bons procedimentos, que permitam superar pressões e inércias viciosas». «Não se pode pedir isto à economia, nem aceitar que ela assuma o poder real do Estado.» (177).

As IPSS não se podem deixar orientar por qualquer ideologia política ou proselitismo religioso, pois o seu objetivo central é a defesa do bem comum alicerçada no respeito pela dignidade da pessoa, particularmente, das que perderam o sentido da mesma ou a sentem espezinhada por diversas formas de opressão. Também os seus dirigentes jamais poderão perder de vista que estão a prestar um serviço, integrado na sua responsabilidade de cidadania e não se podem considerar “proprietários” das instituições que governam, mesmo que delas tenham sido fundadores, servindo-se de mecanismos menos dignos para não permitirem a renovação dos quadros dirigentes. A apetência pelo poder é uma das fragilidades humanas, de que ninguém está imune, pelo que é importante ter o discernimento de saber quando é o tempo para passar a missão a outros de modo a garantir a sempre necessária renovação.  É sempre o bem comum, presente e futuro, que deve guiar as opções dos dirigentes das IPSS. A este propósito, e a pensar nos políticos, o Papa adverte: Perante tantas formas de política, mesquinhas e fixadas no interesse imediato, lembro que «a grandeza política mostra-se quando, em momentos difíceis, se trabalha com base em grandes princípios e pensando no bem comum a longo prazo. (…) Pensar nos que hão-de vir não tem utilidade para fins eleitorais, mas é o que exige uma justiça autêntica, porque, como ensinaram os bispos de Portugal, a terra «é um empréstimo que cada geração recebe e deve transmitir à geração seguinte». (178).

Por último, há que referir um princípio fundamental que legitima a cooperação das IPSS com a política governativa: a subsidiariedade. Há que considerar, ainda, que só num trabalho em rede se podem alcançar os objetivos mais complexos, ser mais eficaz e eficiente. Francisco valoriza muito esta metodologia, no que à política diz respeito, ao escrever: E só uma política sã poderia conduzir o processo, envolvendo os mais diversos setores e os conhecimentos mais variados. Desta forma, uma economia integrada num projeto político, social, cultural e popular que visa o bem comum pode «abrir caminho a oportunidades diferentes, que não implica refrear a criatividade humana no seu sonho de progresso, mas orientar esta energia para novos canais». (179)

Penso que todas estas orientações permitirão assegurar a identidade e autonomia das IPSS que não podem ser, por razão alguma, beliscadas.

 

[1] (latim polis, -is, do grego pólis, -eos, cidade), Cidade independente cujo governo era exercido por cidadãos livres, na Antiguidade grega. = CIDADE-ESTADO, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/p%C3%B3lis [consultado em 04-08-2022].

 

 

Data de introdução: 2022-08-12



















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