A grande incógnita que nos atormenta por estes dias é o que vai acontecer às taxas de juro.
Do caminho futuro das taxas de juro depende, por exemplo, a prestação da casa, fazermos ou não fazermos tal ou tal investimento e, finalmente, depende a própria saúde geral da economia que é como quem diz o nível do emprego e o bem-estar geral da comunidade.
É natural que estejamos ansiosos!
Os bancos centrais foram forçados a subir as taxas de juro quando (tarde e a más horas) se deram conta de que o surto inflacionário de 2021/2022 não era meramente transitório, era um caso sério a merecer medicina de respeito.
Das hesitações e dos erros dos bancos centrais já se escreveu que chegue. O que na verdade agora importa é tentar perceber o que aí vem e tentar ajustar as nossas expetativas e os nossos comportamentos ao que o futuro eventualmente nos reserva.
Foi a inflação que obrigou os bancos centrais a subir taxas de juro e será a inflação que permitirá fazê-las descer algures no futuro.
O que sabemos sobre a inflação?
Sabemos que está a descer consistentemente desde os máximos de 2022.
Nos Estados Unidos os máximos foram registados na meada do ano, na Europa por volta de novembro de 2022.
Olhando para os números de março vemos que, nos Estados Unidos (US) a inflação desceu de 8,5% em março de 2022 para 5% em março de 2023.
Contudo, a descida da inflação explica-se quase totalmente pelos efeitos de base em relação aos custos da energia.
A energia vale um pouco menos de 10% do índice de inflação em US. Em março de 2022 os preços da energia subiam em base anual cerca de 32% e, portanto, contribuíam com cerca de 3% para a inflação geral. Em março de 2023 os preços da energia recuavam cerca de 7% e, consequentemente, contribuíam negativamente cerca de 0,5% para o índice geral.
É fácil perceber que, se excluíssemos a energia, a inflação estaria basicamente estável.
E daqui para a frente como vai ser?
O mais provável é que o índice geral continue a descer na medida em que a energia e a comida, quanto mais não seja pelo efeito de base, apresentem contributos pequenos ou até negativos.
No entanto, mesmo que os preços da a energia e dos bens alimentares estabilizem nos níveis atuais, a inflação nuclear vai ser mais dura de roer.
Tipicamente a energia e a comida valem (dependendo do país) entre um quarto e um terço do índice. O resto são outros bens físicos, mas, sobretudo, serviços e dentro dos serviços a habitação tem um peso muito significativo.
Na área dos serviços os salários comandam os preços – são a componente mais importante dos custos pelo que, em última análise, a parte de leão da inflação futura depende da capacidade dos trabalhadores de exigir melhores salários e da capacidade das empresas para repercutir os aumentos de salários nos preços.
Por boas e por más razões a dinâmica infernal de salários e preços que alimentou a inflação nos anos 70 e 80 do século passado não parece reprodutível nos nossos dias.
O meu lado otimista diz-me que não vamos precisar de uma recessão brutal para parar com o ciclo vicioso da inflação.
O que não acredito é que o ciclo atual seja um “blip” passageiro que vai curar-se em pouco tempo e com custos contidos.
Provavelmente vamos ter ainda um par de anos com inflação bem acima do que consideramos razoável e, portanto, sem margem para os bancos centrais reduzirem as taxas de juro num horizonte não muito distante. Provavelmente vamos ter de viver com taxas de juro elevadas durante mais tempo do que gostaríamos.
O curioso aqui é que os mercados financeiros (supostamente quem mais sabe destas coisas) não pensam como eu – são mais otimistas.
No início de fevereiro as cotações de futuros de taxas de juro indicavam a crença dos mercados de que a Reserva Federal faria dois cortes nas taxas de juro ainda durante este ano. Atualmente a perspetiva dos mercados é um pouco mais negativa, contudo, a probabilidade implícita nas cotações de futuros de que as taxas de juro permaneçam nos níveis atuais ou mais altos até ao final do ano é muito pequena, ou seja, os mercados acreditam que os níveis atuais das taxas de juro não são sustentáveis mesmo em prazos relativamente curtos.
O que pode levar a que os mercados estejam certos e eu errado?
Creio que uma de duas coisas: ou a inflação vai descer muito rapidamente para níveis confortáveis para os decisores da política monetária ou, então, vem aí uma recessão que vai obrigar o banco central a reduzir as taxas para estimular a economia.
Em relação à primeira hipótese (descida benigna da inflação) parece-me muito pouco provável que possamos chegar no final de 2023 e mesmo durante 2024 com a inflação ancorada em níveis que deixem os banqueiros centrais confortáveis para rever em baixa as taxas de juro.
Resta hipótese da recessão.
Não faltam indicadores a apontar para uma eventual recessão.
Porventura o mais óbvio de todos é a inversão da curva das taxas de juro, isto é, o facto de as taxas de juro serem mais altas nas maturidades curtas que nas maturidades longas – as taxas de juro em US a 3 meses estão ligeiramente acima de 5%, a 10 anos estão próximo de 3,5%. Isto não é normal e no passado situações similares têm ocorrido antes de recessões. Na Alemanha as taxas a 2 anos são superiores às taxas a 10 anos em 50 pontos base.
A recente turbulência no sistema bancário pode ter consequências na capacidade de geração de crédito e consequentemente deprimir o nível de atividade económica.
Indicadores que vão chegando de vários mercados (em particular o mercado da energia) também apontam para uma eventual recessão ainda em 2023 ou no início de 2024.
Talvez!
Ainda assim, a não ser que a recessão seja profunda e ameace ser longa (parece pouco provável), não estou a ver como os bancos centrais tenham margem para baixar taxas de juro em doses consideráveis.
O meu cenário central é que, com recessão ou sem ela, as taxas de juro em 2023 e 2024 não sejam muito diferentes das taxas atuais.
Tanto quanto posso ver os mercados estão equivocados neste particular. Veremos!
Mas talvez mais interessante que tudo isto seja imaginar como vai ser lá para 2025 ainda que tudo corra bem em 2023 e 2024, isto é, sem recessão e com inflação bem-comportada.
Um tema interessante para uma crónica futura.
Não há inqueritos válidos.