Criado em 1906, por vontade testamentária de Júlio Alcântara Botelho, o, então, Albergue Elvense dos Inválidos do Trabalho, hoje Lar Júlio Alcântara Botelho, em Elvas, tem desenvolvido a sua missão de apoio aos idosos num edifício também ele centenário, mas que finalmente está a ser alvo de uma intervenção estrutural.
Criar melhores condições para os utentes e adequar o edifício às exigências legislativas são os dois grandes objetivos da obra em curso.
“Ao longo de muitos anos, as instalações têm sofrido alguns melhoramentos, uma coisa aqui e outra ali, intervenções que nunca foram estruturais. O edifício remonta a 1906, tendo sido adaptado aos poucos, mas nunca foi aquilo que tinha de ser. Hoje, as condições têm de ser as melhores e têm de ser de topo como se estivéssemos num hotel. E foi isso que fez a instituição avançar para esta obra”, começa por revelar Paulo Pires, diretor-técnico do Lar Júlio Alcântara Botelho, acrescentando: “Estamos a reestruturar toda a instituição, que, assim, vai ficar com excelentes condições”.
Inicialmente orçada em cerca de 900 mil euros, e com o apoio do PDR 2020, “após uma reestruturação financeira, a obra vai ficar, contas finais, em mais de um milhão de euros”.
“Este é um projeto que vem de 2012 e, desde então, houve diversas alterações à legislação, em termos de reabilitação urbana, o que nos obrigou a alterar o projeto e materiais, que hoje custam o dobro. Daí, o valor total da obra estar um pouco acima de um milhão de euros”, explica Paulo Pires, que revela quais as fontes de financiamento encontradas para suportar a requalificação e ampliação do edifício, sito no centro da cidade de Elvas: “Recorremos à banca e, por isso, adotámos o sistema de venda do património para saldarmos as dívidas e estabilizar as contas da instituição. É isso que temos vindo a fazer e, até à data, nunca tivemos problemas”.
“Quando começámos o juro era de 0, agora já está acima dos 5%... Isso obriga-nos a um esforço maior”, afirma Fernando Pereira, elemento da Direção, ao que o diretor-técnico acrescenta: “É um esforço financeiro que temos de fazer e todo o capital que vem das rendas das casas vai para esse fim, senão tínhamos um saldo final das contas negativo em alguns milhares de euros”.
Para além de Júlio Alcântara Botelho, que deixou uma grande fortuna à instituição, também foram aparecendo outros «homens bons» de Elvas que foram doando alguns imóveis à instituição, “que, diga-se, hoje são mais um problema do que uma mais-valia para a instituição”, sustenta Paulo Pires, esclarecendo: “Temos pouco mais de 90 imóveis e estão quase todos arrendados, mas em termos de manutenção os gastos são brutais e as rendas são muito baixas. Por isso, hoje dão mais prejuízo do que lucro à instituição. A política que a Direção tem seguido, e bem, é, à medida que vão ficando devolutos, vender e injetar o capital diretamente naquilo que é a nossa função, ou seja, dar apoio aos idosos. Nós não olhamos tanto ao dinheiro, mas mais às pessoas, porque temos um legado a preservar e a continuar que é ajudar as pessoas”.
Ainda assim, sem folgas, a instituição tem uma situação financeira estável e controlada.
“Neste momento, a situação financeira é estável. Não é a melhor que poderíamos ter, é estável, mas com muitas dificuldades, sem folga. Não podemos fugir muito do que já fazemos, porque é sempre no limite, sempre na red line”, lamenta o diretor-técnico, sublinhando: “Atualmente, cobramos apenas os 80% da reforma do utente e não cobramos comparticipação familiar, pelo menos, para já. Quando o edifício estiver pronto, alguns terão de pagar”.
Com uma equipa de 50 funcionários, o Lar Júlio Alcântara Botelho, antes das obras tinha capacidade para 78 utentes.
“Por causa da obra de remodelação e ampliação da instituição, reduzimos a lotação para os atuais 62, mas ficaremos com uma capacidade de 81 camas, com acordo de cooperação para 78”, revela Paulo Pires.
A intervenção no edifício vai trazer uma outra grande mudança à instituição, como explica o diretor-técnico: “Neste momento, temos uma vasta lista de espera, mas com esta intervenção o paradigma da instituição vai mudar por completo. Já há uns anos fizemos uma alteração aos estatutos da instituição, porque os anteriores só previam idosos do sexo masculino e ainda é o que temos, porque havia uma parceria com a Santa Casa da Misericórdia de Elvas, em que esta recebia as mulheres e o Lar os homens. Os tempos são outros e a longevidade das mulheres maior do que as dos homens, daí também a nossa média de vagas ocupadas baixar, porque os homens vivem menos. A partir de agora o paradigma vai mudar e vamos ter quartos para casais, quartos para senhoras e quartos para homens”.
Sempre situada no centro da cidade de Elvas, no seu início, ainda como Albergue, a instituição funcionava num outro local, perto do atual.
“Segundo parece, este edifício era igual a todos os outros que existem aqui na rua, ou seja, eram várias casas que foram demolidas para ser construído o edifício onde estamos atualmente”, conta Paulo Pires, que é de opinião que é uma mais-valia para o Lar estar situado no casco urbano da cidade.
“Se me disserem que, tecnicamente, era mais vantajoso estar num outro local, com melhor acessibilidade e melhores condições, acho que sim. Agora, enquanto diretor-técnico do Lar, sentindo a instituição todos os dias e como ela funciona, digo que é muito importante a instituição estar no meio da cidade. É que a integração dos utentes com a comunidade é tremenda e muito salutar para eles”.
Refira-se que, no tempo de Albergue, este funcionava apenas com os albergados.
“Enquanto Abrigo Elvense dos Inválidos do Trabalho (AEIT), e que basicamente acolhia pessoas que vinham do trabalho rural, não tinha funcionários, eram os próprios utentes que cozinhavam, limpavam, etc.. A instituição tinha ainda um rebanho de ovelhas que, entre eles, iam levando as ovelhas a pastar junto à muralha do castelo”, conta Paulo Pires, brincando, mesmo, com a situação: “Eles eram praticamente muçulmanos, pois só comiam carne de ovelha, que era o que tinham, mas as pessoas de Elvas faziam muitas doações de azeite, carne, legumes, etc.”.
Com o enorme projeto de requalificação e ampliação das instalações do Lar em marcha, os responsáveis pela instituição têm outros em mente que esperam pôr no terreno em breve.
“Estamos a tentar desenvolver, com uma empresa a nível nacional, um software de gestão para a instituição que se consiga adequar a cada realidade que aqui temos. Vamos, em breve, começar a trabalhar nisso. E vamos estabelecer uma parceria com uma empresa que pode ajudar a instituição em termos financeiros”, revela Paulo Pires.
Já quanto a dificuldades na prossecução da missão, os custos e o pouco apoio do Estado surgem à cabeça.
“Hoje em dia, e cada vez mais, as exigências que nos são colocadas e as dificuldades financeiras que vão surgindo, por exemplo, com o aumento abrupto do preço dos produtos, são os grandes problemas que enfrentamos. Temos também alguma dificuldade em recrutar pessoal, mas isso é um problema geral em todas as áreas de atividade. Mas nestas áreas ainda é mais difícil”, sustenta o diretor-técnico, ao que Fernando Pereira acrescenta: “O Estado que é a entidade que, em primeiro lugar, devia tomar conta das pessoas a partir de uma certa idade, devia ajudar mais materialmente para podermos fazer o serviço que eles prometem e que gostam que as instituições façam. Mas quando chega a hora, a contribuição do Estado é muito baixa. Por isso é que as nossas contas andam no limite, porque não podemos tratar mal as pessoas que acolhemos. A única ajuda que temos é um apoio da Câmara para o suplemento daquilo que a Segurança Social não paga dos remédios, porque o rendimento dos nossos utentes é muito baixo. Agora, a Segurança Social podia e devia comparticipar mais e melhor para nós também prestarmos melhores serviços. E quem diz esta, diz todas as instituições. Até porque somos obrigados a ter um rácio de pessoal muito alto. Neste momento, temos 50 funcionários para 62 utentes”.
Momentos difíceis para todas as IPSS aconteceram com a pandemia de Covid-19.
“Dadas as condições que tínhamos e as circunstâncias que vivemos, correu bastante bem. Tivemos um surto já depois de toda a gente estar vacinada, quando a pandemia estava a entrar na fase de alívio. As coisas correram bem, mas foram dias muito difíceis. Trabalhávamos de segunda-feira a domingo durante quase dois anos. Correu bem, mas foi um investimento muito grande em termos de EPI (Equipamento de Proteção Individual), uma rubrica que, no primeiro ano, representou logo um acréscimo de 60 mil euros ao que era o orçamento da instituição. No entanto, o que conta é o resultado final e esse é positivo, logo porque não houve falecimentos”, afirma, satisfeito, Paulo Pires, que destaca ainda uma aprendizagem que a pandemia proporcionou e que tem reflexos diretos na intervenção que decorre nas instalações.
“Ensinou-nos a tempo de fazermos mais um melhoramento no projeto de remodelação. Com a realidade vivida durante a Covid, repensámos os quartos que, agora, têm a capacidade para funcionar em isolamento ou não. Sem a pandemia, nem pensávamos nisso”, argumenta.
E como seria Elvas sem o Lar Júlio Alcântara Botelho?
“O Lar sempre foi uma instituição de referência no concelho de Elvas e que apoia sempre que é preciso. Na crise de 2008, fizemos uma parceria com a Câmara Municipal de Elvas em que servíamos 600 refeições diárias em cantina. Hoje temos os cabazes sociais e ainda temos a cantina social que serve 35 refeições diárias”, sustenta Paulo Pires.
De momento, a instituição acolhe 62 idosos em ERPI e presta apoio a 42 utentes através do SAD.
Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)
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