Uma infância e juventude difíceis, fizeram, desde cedo, Maria do Céu Guitart “sonhar com a criação de uma instituição que protegesse crianças maltratadas”.
Tinha na altura 15 anos e, desde aí, passou por algumas experiências que lhe consolidaram esse desejo e desembocariam na criação da Associação Meninos de Oiro.
“Tive também uma experiência de apoio aos refugiados do Jamor, depois do 25 de Abril, que me fez sentir tão feliz e realizada que compreendi que era o que gostaria de fazer quando fosse adulta”, conta, lembrando que o facto de não ter nenhuma formação académica na área, sempre estudou muito sobre estes temas, sendo o impulso decisivo ter assistido ao Congresso Mais Criança, no Coliseu dos Recreios, em outubro de 2002.
“Nesse Congresso fazia-se um repto à sociedade civil para agir no sentido de proteger as crianças. E foi esse repto que me deu o clique inicial”, revela Maria do Céu Guitart.
A viver em Azeitão, concelho de Setúbal, e depois de avaliar a necessidade de uma instituição como a que sempre tinha sonhado.
“Cheguei à conclusão de que fazia falta há mais de 20 anos, pelo que comecei a procurar mais pessoas que partilhassem o meu sonho. Tive a fortuna de encontrar inúmeras mulheres que se juntaram com entusiasmo e que me apoiaram na formação da Associação Meninos de Oiro”, conta.
A Associação era criada a 14 de maio de 2003 e, desde então, tem apoiado muitas centenas de crianças em risco ou em perigo e suas famílias.
“Nos primeiros anos funcionou exclusivamente com voluntários, mas a partir de 2008 pôde começar a contar com uma excelente e muito motivada equipa técnica efetiva, graças à assinatura do Acordo de Cooperação com a Segurança Social”, recorda, acrescentando: “Inicialmente começámos a trabalhar apenas em Azeitão, mas, mais tarde, a nossa área geográfica de intervenção foi alargada e inclui, atualmente, a Quinta do Conde, todo o concelho de Sesimbra e ainda parte dos de Almada e Seixal”.
Volvidos 20 anos, celebrados em 2023, para a presidente e fundadora da instituição, “tem sido um crescimento lento, mas saudável e o saldo é, sem dúvida, muito positivo”.
Em termos de respostas à população, a instituição de Azeitão, atualmente, com uma equipa de cinco funcionários e alguns voluntários, acompanha cerca de 90 agregados familiares, o que equivale aproximadamente a 120 crianças e jovens.
“O Acordo de Cooperação abrange apenas 58 famílias, pelo que aguardamos, ansiosamente, pela sua urgente revisão há vários anos, para não sobrecarregarmos tanto a nossa tão pequenina e esforçada equipa técnica”, sustenta, acrescentando: “Dos referidos 90 agregados familiares, cerca de 30 são bastante carenciados, e aos quais, além do apoio social do CAFAP, disponibilizamos todo o tipo de apoio material disponível. Recentemente oferecemos, por exemplo, um belo cabaz com alimentos e produtos de higiene no Natal a todas as famílias, além de brinquedos novos para todas as crianças. E durante o ano vamos ajudando sempre que podemos, com alimentos, material escolar, artigos para bebés, móveis, eletrodomésticos, etc.”.
Para além das respostas de CAFAP e Banco de Recursos, a Associação Meninos de Oiro aposta bastante na realização de ações de formação para a comunidade, essencialmente para a comunidade escolar, “que desenvolveu bastante nos primeiros anos da sua existência e que pretende desenvolver muito mais no futuro”.
Segundo Maria do Céu Guitart, “atualmente, devido ao facto de a equipa técnica ser bastante reduzida e estar assoberbada de trabalho, a Meninos de Oiro apenas temos realizado algumas ações de Formação Parental direcionadas aos utentes do CAFAP”.
Por outro lado, a formação da equipa técnica, “é uma das constantes prioridades, porque é essencial acompanhar a evolução dos saberes e enriquecer, cada vez mais, os conhecimentos dos colaboradores para poder realizar um trabalho sempre melhor e mais bem-sucedido”, explica.
Desejo antigo da instituição é a criação de um Lar de Infância e Juventude, Apartamentos de Autonomização, um Berçário, uma Creche, um Jardim Infantil e uma Ludoteca, no entanto, tudo esbarra na falta de terreno para a edificação de um equipamento.
“Todos esses projetos continuam na nossa mente, embora a sua realização dependa em grande parte de termos um terreno onde os possamos implementar. Foi cedido à associação, em 2010, um terreno de 8.060m2 pela Câmara Municipal de Setúbal com esse objetivo, mas, infelizmente, fomos forçados a assinar a respetiva escritura de reversão em 2019”, explica, acrescentando: “Portanto, continuamos a aguardar pela cedência, por parte da autarquia, de um outro espaço que nos possibilite crescermos mais e continuarmos a sonhar”.
De momento, um projeto que pretendem abraçar é a resposta de Enquadramento de Famílias de Acolhimento, aguardando pela assinatura de um novo Acordo de Cooperação com a Segurança Social.
Já em marcha, está a criação de um negócio social, a Clínica Social Rosa dos Ventos.
“Esta clínica social servirá para não só darmos uma resposta de que a comunidade local tanto necessita, como para garantir a sustentabilidade financeira da associação”, revela, explicando que “é um negócio social que consiste num espaço aberto à comunidade com dois gabinetes, onde se disponibilizarão consultas de psicologia, terapia da fala e outras a valores mais acessíveis, o que virá colmatar uma necessidade local que há muitos anos se tem feito sentir”.
Financeiramente, a instituição, hoje, “está numa situação mais estável, graças ao esforço descomunal de contenção de despesas que tem desenvolvido nos últimos anos e graças ao apoio precioso de um voluntário da área de gestão, Pedro Cruz, que começou a apoiar a instituição em 2019”, refere Maria do Céu Guitart, recordando os tempos complicados que a Meninos de Oiro atravessou: “Nesse ano estávamos a viver um momento dramático, em risco de fechar os nossos serviços, mas foi graças a esse fantástico voluntário que conseguimos milagrosamente dar a volta por cima e sobreviver”.
Para além do apoio da Segurança Social, as receitas da instituição provêm ainda da consignação do IRS, de donativos de particulares e empresas e das quotas dos associados.
“É um esforço sobrenatural o que fazemos diariamente para nos mantermos à tona e sobrevivermos”, sustenta.
“O facto de saber que tem havido e haverá sempre casos de sucesso, vidas que conseguimos salvar, sorrisos que conseguimos resgatar” é o que Maria do Céu Guitart mais valoriza dos 20 anos de atividade da Associação Meninos de Oiro.
“Ver uma criança que estava numa situação de grande sofrimento e agora é um adulto feliz não tem preço. Um só caso de sucesso é suficiente para nos dar forças para não desistirmos e não baixarmos os braços. Para tudo valer a pena! E é essa esperança e convicção que nos dá alento diariamente e nos faz caminhar incansavelmente em direção ao futuro”, afirma a presidente da instituição.
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