No final de 2022 cometi o erro imperdoável de fazer previsões para 2023. Fazer previsões em macroeconomia implica cometer o pecado da arrogância, é darmo-nos um poder que, em bom rigor, só Deus tem – o poder de conhecer o futuro!
Na verdade, nós nunca fazemos verdadeiras previsões. O mais que nos é concedido é elaborar palpites que podem ser mais ou menos informados. Ainda assim, mesmo o mais e melhor informado dos palpites, é falível.
No final de 2022 previa para 2023 que a inflação entraria em ciclo descendente (aconteceu), que as taxas de juro subiriam (também ocorreu) e que uma recessão era quase certa na zona euro e provável nos Estados Unidos. Em boa verdade os temas da inflação e das taxas de juro não eram verdadeiras previsões - as tendências, na altura, já eram claras.
Em relação às putativas recessões enganei-me redondamente. Contrariamente ao que eu antecipava, a economia americana deu-se particularmente bem durante 2023, enquanto na zona euro, embora tenham havido um par de percalços, não há sinal visível de recessão.
Quanto aos mercados de capitais, para os quais eu prognosticava um mau viver em 2023, imagine-se! - tiveram um dos seus melhores anos de sempre embora, sejamos justos, grande parte da recuperação ocorreu na parte final do ano, coisa que eu dava como provável.
O que é interessante aqui é como, em 2023, tudo ocorreu ao contrário da sabedoria convencional e do que aprendemos nos manuais.
Em princípio, não é impunemente que se aumentam taxas de juro em 525 pontos base em cerca de ano e meio – deveria haver consequências!
A sabedoria convencional diz-nos que, sujeitos a um choque monetário significativo, a procura agregada deveria baixar, o desemprego deveria aumentar, o preço das casas corrigir, etc.
Não aconteceu nada disso. Nos Estados Unidos a taxa de desemprego está abaixo de 4%, na zona euro está em 6,5% valores que correspondem a mínimos de décadas.
Salvo casos localizados, Suécia, por exemplo, não se vislumbra nenhuma catástrofe com o preço das casas.
E, milagre dos milagres, a taxa de inflação está mais bem comportada que a encomenda. Nos Estados Unidos a taxa de inflação está num rápido curso descendente, a última leitura mensal, em novembro foi de + 0,1% e, se considerarmos a variação homóloga anual, estamos a falar de 3,1%, se excluirmos a energia, a variação anual homóloga do índice de preços é de 4%.
Na zona euro a inflação está em 2,4% e, excluindo a energia e a comida não processada, o último registo está próximo de 4,2%.
Em Portugal os números são ainda mais impressivos. Em novembro a inflação geral era de 1,54 %, excluindo energia e comida, estávamos com 2,86%.
Aparentemente, por uma vez, conseguimos uma desinflação imaculada – controlar o monstro sem necessidade de fazer sangue. No lugar da recessão ouvimos agora falar de “aterragem suave”!
O que vivemos nos últimos três anos devia levar-nos a refletir.
Quando o surto inflacionista se manifestou no final do primeiro trimestre de 2021, a maioria (banqueiros centrais incluídos) descartou a coisa como temporária e não merecedora de grande cuidado.
Quando a inflação acelerou com a guerra na Ucrânia, ninguém antecipou a velocidade de progressão do monstro.
Finalmente, quando atingimos o pico, por alturas de outubro/novembro de 2022, nem o mais pintado anteciparia que acabaríamos 2023 quase a cantar vitória sobre a inflação. Ainda há pouco tempo o staff do BCE nos dizia que só lá para 2025 a inflação voltaria a valores confortáveis para os banqueiros centrais – estamos a começar 2024 e podemos já não estar muito longe!
Recomendar-se-ia um banho de humildade para todos nós – reconhecer que a realidade económica é demasiado complexa e que mesmo o mais completo e informado dos modelos não consegue captar nem um módico dessa complexidade. Deveríamos ter sempre presente o aforismo de John Kenneth Galbraith quando dizia que fazer previsões em economia é a melhor maneira de dar credibilidade ao ofício dos astrólogos.
No entanto, o que distingue os seres humanos do resto da criação, é justamente a capacidade para conceber futuros alternativos e decidir em função de uma métrica de recompensa desses diversos futuros. É da nossa natureza, não sabemos fazer de outro modo.
O mal não está em configurar futuros – o mal está quando lhes damos um carácter de quase certeza que eles não têm, não podem ter.
Acredito que a variável cuja evolução mais preocupa as pessoas neste momento é a taxa de juro.
Das taxas de juro depende a prestação do crédito hipotecário e, para muitas famílias essa prestação é a primeira ou a segunda linha de despesa no orçamento familiar. Com a subida das taxas de juro as prestações do crédito hipotecário aumentaram muito mais que os rendimentos das famílias pelo que muitas ficaram em dificuldades.
O que nos espera nesta matéria?
Se acreditarmos na presciência dos mercados as taxas de juro podem baixar significativamente em 2024. Os futuros do dólar dão como provável uma redução de 150 pontos base nas taxas de juro de referência da política monetária, com a primeira descida a acontecer já em março de 2024.
Contudo, quando olhamos para a comunicação dos bancos centrais, nomeadamente a reserva federal americana e o BCE, vemos uma pintura bastante diferente.
Os banqueiros centrais apontam para uma redução de 75 pontos base, a começar lá para o início do segundo semestre do ano.
Percebe-se a razão da prudência dos bancos centrais. É preciso dar tempo para que a tendência descendente da inflação se confirme e possamos estar confiantes que as expetativas para o médio prazo ficam ancoradas próximo de 2%.
Há uma outra razão para sermos prudentes nas atuais circunstâncias. Falhámos de tal maneira nas nossas últimas previsões que agora, mesmo o mais informado dos palpites corre o risco de se ver contraditado pela realidade.
Nestas alturas o melhor mesmo é ir vendo e andando, navegar à vista da costa e decidir em função dos dados que vão chegando.
Para os que têm grandes expetativas de redução das taxas de juro em 2024 eu recomendaria que não alimentassem muitas ilusões.
Claro que, para os que foram muito penalizados nos últimos dois anos com a subida das prestações do crédito hipotecário, uma descida forte das taxas de juro seria um alívio importante.
O problema é que, tanto quanto consigo ver agora, uma tal descida significativa só ocorreria se viesse por aí uma recessão séria e uma subida forte do desemprego.
Entre uma economia em mau estado, a precisar de suporte da política monetária e juros baixos ou uma redução moderada das taxas de juro com a economia saudável, prefiro claramente a segunda.
Seria bom que aterrássemos suavemente deste choque monetário. E, contrariamente a tudo o que eu podia antecipar final de 2022, com o que sabemos hoje, é tudo menos impossível.
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