A Volta a Portugal que o SOLIDARIEDADE continua a realizar chega agora a Setúbal. Dividindo-se territorialmente entre parte do litoral alentejano e a península de Setúbal, tendo apenas o rio Tejo a separá-lo da grande metrópole Lisboa, o distrito tem uma vasta rede social solidária, com cerca de 220 IPSS, 157 das quais associadas da UDIPSS Setúbal.
Socialmente, “a situação está a ficar complicada”, sustenta Fernando Sousa, presidente da União Distrital, lembrando que a vida das IPSS “é má”, o que dificulta o apoio à população, de um distrito que tem concelhos a crescer bastante, fruto da muita imigração.
Classificando o distrito “como um dos piores no apoio à área da deficiência, o presidente da UDIPSS Setúbal lembra ainda que há grande carência de ERPI e de creches.
SOLIDARIEDADE - Que retrato se pode traçar do Sector Social Solidário no distrito de Setúbal?
FERNANDO SOUSA - O distrito, neste momento, está outra vez a entrar numa situação complicada, fazendo lembrar os tempos de D. Manuel Martins, nos anos de 1980. Muitas das grandes empresas desapareceram, mas há uma situação complicada em termos sociais. Esta é uma região com muita imigração, que tem sido uma mais-valia em termos de recursos humanos, porque não há gente para contratar! Essas pessoas que vêm para cá têm muita dificuldade em viver com o ordenado que ganham. É uma zona muito perto da grande metrópole e acaba por sofrer dos problemas da habitação, dos transportes, etc.. E, cada vez mais, essas famílias procuram as instituições para ajudar naquilo que não conseguem ter. Portanto, em termos sociais, a situação é complicada. As instituições, face ao aumento dessa população imigrante, acabam por não ter capacidade de resposta nos equipamentos para as ajudar. Depois, temos ainda o aumento significativo do número de idosos. E não há resposta que chegue! O que se nota é que há autarquias que estão a olhar mais atentamente para estes problemas e estão a dar um apoio e uma certa preferência às IPSS para fazer chegar esse apoio às pessoas que necessitam.
E qual o cenário das IPSS no distrito?
Em Setúbal temos, essencialmente, três tipos de IPSS: as ligadas à Igreja, como os Centros Paroquiais, que têm uma vida muito própria e uma dimensão muito grande, mais voltados para a infância e juventude; as instituições laicas, que dão mais apoio aos idosos e na área da deficiência; e as mutualidades, que também têm um papel importante, mas são poucas. Depois ainda há as misericórdias e outras instituições…
Mas qual é a situação que vivem atualmente?
A situação é má. As instituições estão, cada vez mais, com dificuldades em cumprir o seu papel de apoio às populações, porque a capacidade financeira das instituições está cada vez pior. Mesmo com a gratuitidade da creche, as famílias continuam a ter dificuldades. Temos situações em que há famílias que não vão colocar as crianças na creche logo de manhã por causa dos custos dos transportes. Olhando para o concelho do Seixal, por exemplo, na Amora há três creches e em Corroios outras três, mas, depois, em Paio Pires não há nenhuma… Em Fernão Ferro, que está a crescer significativamente, só tem uma. Ou seja, muitas famílias estão longe das instituições e isso é um problema.
E esta é uma região com muita população e que continua a aumentar, como disse?
Só a freguesia da Amora tem 70 mil habitantes. É certo que a população aqui está mais concentrada, é muito prédio, mas, mesmo assim, é difícil para as pessoas se deslocarem. Quanto aos idosos, muitos deles não têm, nomeadamente, apoio domiciliário e não têm o que precisam, porque, muitas vezes, os familiares vão ficando com algum da pensão para o sustento deles próprios. As comparticipações da Segurança Social são cada vez menores, porque os aumentos são sempre curtos para as necessidades. Temos registado aumento de custos elevadíssimo, por exemplo, com pessoal. Agora, com o novo aumento do salário mínimo, as instituições já estão, novamente, atoladas até ao pescoço. Aqui no distrito há concelhos em que as câmaras municipais têm um papel muito importante e trabalham juntamente com as instituições. É o caso da autarquia do Seixal que apoia bastante. Não são todas, mas os concelhos de Almada, Seixal e Sesimbra ilustram bem o que se passa. Almada apoia muito, mas de uma forma muito própria, o Seixal está muito mais próximo das instituições, já Sesimbra é totalmente diferente.
E que grandes lacunas existem no distrito em termos de respostas sociais?
Sem dúvida, a Estrutura Residencial Para Idosos (ERPI). No entanto, houve candidaturas ao PRR que não foram aprovadas. Quando houver abertura de novas candidaturas a apoios financeiros, os projetos já estão prontos e é só concorrer.
Falando no PRR (Plano de Recuperação e Resiliência), à semelhança de outros distritos, aqui em Setúbal também houve IPSS a desistir de projetos aprovados confrontadas com a escalada de preços entre o tempo da aprovação e o da execução das obras?
Aqui no distrito não houve instituições a desistir, porque as Câmaras Municipais se chegaram à frente. No Seixal, por exemplo, foram apresentadas 18 candidaturas para equipamentos sociais, nem todos aprovados, e a elaboração dos projetos e das candidaturas foram patrocinadas pela autarquia, que se disponibilizava, igualmente, para ajudar na fatia financeira que caberia à instituição. Desistências, que a UDIPSS tenha conhecimento, não houve.
E relativamente à carência de creches, também se sente aqui como no resto do país?
Sim, daí haver já uma série de projetos para a construção de novas creches. A população tem muitos velhos, mas também tem muita gente nova e, por isso mesmo, está a crescer. Depois, estamos ao lado de Lisboa e muita da população destes concelhos da Margem Sul trabalha lá e levam os filhos para Lisboa. Neste momento, a grande aposta tem de ser nas ERPI, nas creches e, depois, temos um grande problema que é o apoio à deficiência. Setúbal é dos piores distritos do país no apoio à deficiência. Nesta área, tivemos uma candidatura de uma instituição que foi aprovada. Na área da deficiência a resposta no distrito de Setúbal está muito longe do necessário. Há as CERCI, que fazem um excelente trabalho, mas não chega. Durante o dia, tudo bem, mas depois à noite não há resposta.
E como descreve a relação das instituições associadas com a União Distrital e quais as solicitações mais frequentes que elas fazem?
O relacionamento das instituições connosco é bom, as pessoas acreditam na União Distrital. Acreditam na UDIPSS como uma entidade que as representa, porque acreditam que os dirigentes da União Distrital, que também são dirigentes de instituições, os representam bem junto da Segurança Social e da própria Confederação. Sobre as questões que nos colocam, as grandes instituições têm uma estrutura que responde às necessidades, como apoio jurídico e outras situações, já as instituições mais pequenas o que procuram mais junto da União é o apoio jurídico, essencialmente, na vertente laboral. Mas, depois, quando solicitamos às instituições que nos façam sentir os problemas que têm, muitas vezes, elas fecham-se. Notamos que há um grande défice no âmbito dos dirigentes e, por isso, devia haver mais formação para os dirigentes.
Mas essa não é uma aposta da União Distrital, promover formação para os dirigentes?
A União tem um plano de formação anual, que é feito em conformidade com aquilo que as associadas nos apresentam. O nosso plano era muito presencial, mas com a pandemia isto deu tudo uma grande volta e passou a ser muito pelo digital. Esta é uma situação favorável para as instituições porque dispensa deslocações. O problema não são os profissionais, mas sim os dirigentes, que precisam de mais qualificação e que, muitas vezes, não têm tempo ou não têm aptidão para encarar estas formações. Primeiro, há uma grande dificuldade em arranjar dirigentes para as instituições, que vão crescendo e isso implica um maior profissionalismo na gestão. E ou os dirigentes podem e acompanham o crescimento da instituição, ou então delegam nos técnicos. E isto cria alguns problemas. Não há dirigentes e os técnicos passam a dirigentes, o que cria alguma confusão. Técnico é técnico, dirigente é dirigente.
Mas como é o interesse dos dirigentes nessas formações e na necessidade de angariarem mais ferramentas para gerirem as instituições?
Já houve uma altura em que a CNIS fez umas ações de formação para dirigentes e houve uma boa frequência dos dirigentes do distrito. Muitas das pessoas não se disponibilizam, mas quando entram no sistema até se interessam. É certo que há muito amor à causa e à instituição, mas isso não chega. Há dirigentes com enorme voluntarismo, o que, por vezes, não é o melhor, mas são os dirigentes que ainda vão estando disponíveis, porque a malta nova não tem disponibilidade.
E há grandes diferenças significativas entre as instituições do distrito do litoral alentejano e as da península de Setúbal?
Há, porque no litoral alentejano as instituições têm uma particularidade muito interessante, que é o facto das pessoas serem nadas e criadas naquelas comunidades, tipo Alcácer do Sal, o que torna o ambiente mais familiar. Sines já nem tanto, porque é mais industrializado. Depois, há outro locais que têm muitos imigrantes. A parte da península já é uma zona mais urbana, mais industrial e a população é muito pouca natural das diferentes localidades que aqui há.
E como é a relação da UDIPSS Setúbal com a CNIS?
É uma relação de consideração e respeito. Nem sempre concordamos, mas estamos sempre disponíveis para cooperar. Há um princípio que nós defendemos e que passa por, a partir do momento em que há órgãos eleitos, colaborar para se obterem os melhores resultados para as instituições. O nosso relacionamento com a CNIS vai sempre no sentido de partilhar opiniões e estar disponível para colaborar.
Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)
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