FUNDAÇÃO MARIA INÁCIA VOGADO PERDIGÃO SILVA, REGUENGOS DE MONSARAZ

Pandemia da Covid foi o maior desafio, mas a verdade foi reposta a favor da instituição

Nove anos depois, e no âmbito da Volta a Portugal da Solidariedade, regressámos a Reguengos de Monsaraz e à Fundação Maria Inácia Vogado Perdigão Silva para conhecermos a situação atual da instituição, depois das dificuldades financeiras que vivia na altura e do terramoto que foi a pandemia de Covid-19.
Nessa primeira visita, o presidente da instituição à data, Vítor Martelo, relevava as dificuldades financeiras da instituição, fruto dos investimentos feitos na construção da Unidade de Cuidados Continuados (UCC) e da creche, que à altura era deficitária em crianças.
Nove anos volvidos, e apesar das dificuldades surgidas, entretanto, o atual presidente, José Gabriel Calixto, sustenta que as contas estão equilibradas, mas sob uma gestão muito rigorosa.
“Numa instituição como esta, a situação financeira deve ser sempre alvo de muita atenção. Estamos perante uma IPSS que não pretende obter lucro, mas que tem de ter uma gestão financeira rigorosa e responsável. Em 2018, altura em que aqui entrámos, já havia um passivo significativo e, neste período, usámos como estratégia de gestão não vender património. Assim, ainda mais difícil se torna, mas é nesse sentido que temos trabalhado. Numa primeira fase, consolidámos todos os passivos que existiam numa única instituição bancária e, passados estes cinco, seis anos, ultrapassada a situação da Covid, voltámos ao mercado bancário para nova renegociação e uma nova melhoria de condições financeiras. O passivo estrutural está consolidado e está nas melhores situações que o mercado pode absorver”, defende, acrescentando: “Temos as valências, praticamente, todas no limite da lotação, à exceção do Serviço de Apoio Domiciliário”.
Sustentada numa “gestão cada vez mais profissional, rigorosa e otimizada”, a instituição, no final do ano passado, finalizou uma obra já a precaver, de certa forma, o futuro.
“Da análise que fizemos a todas as estruturas da Fundação, identificámos uma equipa de recursos humanos que está na UCC da instituição, que tinha capacidade para, de forma otimizada, servir um maior número de camas. Concorremos ao Portugal 2020, na área da Saúde, e conseguimos criar a nossa unidade de convalescença, que nos permitirá um acréscimo de receitas significativo”.
Segundo José Gabriel Calixto, as dificuldades financeiras que a instituição vivia ficou, essencialmente, a dever-se ao investimento inicial na criação da UCC, que foi grande e, para além da alienação de algum património, houve necessidade de contrair um empréstimo bancário que gerou encargos para o futuro.
“Esse é um efeito que a instituição ainda sofre e que não é passível de se pedirem apoios”, constata, explicando o caminho que a nova Direção seguiu, para além de renegociar a dívida, e que passa por criar uma unidade de convalescença: “O que aconteceu mais recentemente foi um ato de gestão que pretende otimizar as equipas que por via desse investimento têm de existir, pois os rácios são para cumprir. E estas equipas podiam ainda ser mais otimizadas se as instalações o permitissem, especialmente, na oferta de convalescença. Este investimento, que foi financiado a 85%, não nos queixamos de o ter feito. Apesar das dificuldades com a inflação e as guerras, que tivemos de suportar, mas faz parte da vida, a obra só terminou no final do ano passado, quando devia ter terminado um ano antes. Com estas camas, estas unidades têm a sustentabilidade garantida se tiverem a ocupação total e não acreditamos que não venha a ter”.
Com a ampliação da Unidade de Convalescença, a capacidade passa de 8 para 19 camas.
Como resultado desta intervenção, a Fundação garante um maior equilíbrio financeiro: “A forma como dimensionámos as duas ofertas, quer a de longa duração e manutenção, quer a de convalescença, são neste momento equilibradas e permitem-nos olhar para o futuro com tranquilidade no que respeita à sustentabilidade. Infelizmente, temos outras respostas desequilibradas, que estas duas não estão, como é a ERPI”.
Há nove anos, a instituição acolhia 18 utentes em Centro de Convívio, 16 em SAD, 86 em ERPI, 30 em UCC e ainda 56 crianças em creche, com uma equipa de 100 funcionários. Hoje, o Centro de Convívio foi encerrado, há 12 utentes em SAD, 80 em ERPI, 30 em UCC e 86 crianças em creche.
É aqui na creche que se nota a grande diferença em termos de números, algo que a gratuitidade veio ajudar.
“A creche agora tem uma garantia de receita e teremos sempre procura, porque antes as famílias acabavam por ficar com as crianças em casa, porque aqui no interior ainda vai havendo essa possibilidade. Entretanto, também aumentámos a capacidade para 86 crianças, porque criámos uma nova sala”.
Reequilibrada a contabilidade da creche, uma das grandes queixas do presidente Vítor Martelo há nove anos, pela falta de crianças, José Gabriel Calixto aponta a ERPI como a valência mais desequilibrada financeiramente.
“A prática histórica desta ERPI remete para que, para além da mensalidade, nada mais fosse cobrado aos utentes, nem medicamentos, nem fraldas, nem idas ao hospital, nem mais nada, o que acarreta um custo muito elevado para a instituição. Há cerca de um ano invertemos a situação, mas esta inversão vai demorar cerca de quatro anos a produzir efeitos cabais, que é quando todos os contratos podem ser alterados, pois não o podemos fazer unilateralmente. Já começa a ter algum impacto, mas ainda vai demorar”, explica, acrescentando: “Depois há fatores que não podemos otimizar, porque estamos num edifício histórico, centenário, que tem custos de manutenção e características que não são alteráveis. Estamos a implementar algumas medidas de gestão, por exemplo, na energia para irmos para formas mais económicas e eficientes face aos custos. Por exemplo, vamos cobrir o telhado com painéis solares, que esperamos avançar até ao final do primeiro trimestre, e na alimentação também procuramos reduzir custos. A nossa ideia é que a valência seja, dentro em breve, marginalmente negativa, para que seja sustentável, com a ajuda da folga de outras valências”.
A história da instituição, que completa este ano 55 anos, fica indelevelmente marcada pela pandemia da Covid-19 no ano de 2020. A Fundação foi capa de jornais e abertura de telejornais nacionais, não porque tenha sofrido um surto de coronavírus, mas porque a Ordem dos Médicos emitiu, à altura, um relatório, considerado “falso” pelo presidente da instituição. Porém, depois de chegar ao Ministério Público e este proceder às devidas averiguações, todas as acusações foram arquivadas e nem sequer foram alvo de qualquer investigação por parte da Polícia Judiciária. Agora, já deu entrada uma ação contra a Ordem dos Médicos no Tribunal Administrativo de Lisboa, em que a Fundação, alguns dirigentes e alguns trabalhadores pedem uma indemnização de 2,25 milhões de euros por danos reputacionais.
À distância de quatro anos, o presidente José Gabriel Calixto, à data também edil de Reguengos de Monsaraz fala em sentimentos de “tranquilidade, injustiça e tristeza”.
“Falar sobre isto é difícil e mais difícil falar em poucas palavras… Nós tivemos variadíssimas acusações, fomos acusados de violar direitos humanos, acusações feitas através de um relatório falso, feito por pessoas que nunca puseram os pés nesta casa. Portanto, o que tínhamos de fazer na altura, era desempenharmos a nossa missão o melhor possível, envolver todas as pessoas que pudéssemos, porque vivíamos uma situação de catástrofe global, mas o que nos estava destinado era gerir a situação que tínhamos nesta casa e neste concelho. E foi o que fizemos. As acusações foram o que foram e tomar alguma nota da dimensão que tiveram, em especial nas redes sociais, que ainda hoje continuam a fazer estragos. Simplesmente, houve aqui uma coisa que nos faz olhar para trás com tranquilidade, e já vou aos outros sentimentos, ou seja, fizemos o que estava ao nosso alcance, com todos os meios que tínhamos ao nosso dispor”.
Segundo o dirigente, o surto “causou uma enorme tristeza”, porque faleceram 16 utentes, uma funcionária e um motorista da autarquia.
“No entanto, apesar dessa situação ter acontecido, poucos dias depois do surto se declarar já estavam aqui na instituição duas dezenas de militares, porque, a instituição, de um momento para o outro, ficou sem funcionários que estavam doentes. Ao longo da semana seguinte foram feitos contactos com o Banco de Voluntariado da Cruz Vermelha, também com a Segurança Social, mas muitas das pessoas que deviam ter vindo, nunca apareceram, dado o estigma do surto de Reguengos, como se fosse diferente de outras instituições”, lamenta, recordando: “Pelo facto de o presidente da Câmara, que é o responsável máximo pela Proteção Civil concelhia, ser por inerência presidente da Fundação, fez com que houvesse uma sintonia de recursos que foram imediatamente aplicados. E a primeira decisão da Proteção Civil foi instalar em diversos pavilhões multiusos que temos uma estrutura residencial de retaguarda que acolhesse os idosos. Esta foi uma medida tomada por iniciativa própria. E esta estrutura foi fundamental para acolher os nossos idosos, mas também idosos de outros concelhos”.
Sem nunca referir a Ordem dos Médicos, José Gabriel Calixto avança o que espoletou toda “a mentira” que se seguiu.
“Essa unidade de retaguarda foi utilizada por uma ordem deontológica para fazer um ataque feroz à instituição, pretendendo provar que essa estrutura não tinha as condições mínimas para os médicos e enfermeiros atuarem. Bom, veio a provar-se que, no Alentejo central, essa foi a unidade utilizada por outros concelhos, mas aí já não houve ataques, apenas o reconhecimento de que aquilo era um porto de abrigo para diversas instituições”.
Apesar disso, “a injustiça veio a seguir, com o tal relatório”, afirma, acrescentando: “Este é outro sentimento que sobra desse tempo, o de uma grande injustiça, que só ultrapassámos porque a nossa consciência nos dizia que estávamos no caminho certo. Foi muito importante termos ao nosso lado mais de duas centenas de militares que por aqui passaram e todos foram imprescindíveis e insubstituíveis no que fizeram nessa situação de calamidade. Os militares merecem esta palavra, porque vieram para uma missão”.
Mas as acusações não se ficaram por aqui.
“Apesar disso tudo, houve denúncias de hipotéticos maus-tratos na nossa ERPI e na unidade de retaguarda. No fundo, tínhamos tido 16 óbitos por desidratação ou desnutrição, tentando colocar o ónus da morte dos utentes na instituição, seus dirigentes e trabalhadores. Sinceramente, não sei se alguma vez retorqui essa acusação, porque até tinha as certidões de óbito que não diziam nada disso”.
Com o arquivamento das acusações pelo Ministério Público, foi tempo de a Fundação agir em defesa do seu bom nome.
“Neste momento, um relatório com inúmeras falsidades identificadas foi colocado no Tribunal Administrativo de Lisboa, porque é lá a sede da ordem deontológica em causa, e agora aguardamos serenamente o desenrolar dos acontecimentos. Este é um processo colocado, não pelo presidente da Fundação, mas em conjunto pela Fundação, seus dirigentes e por mais de duas dezenas de trabalhadores. Esta é uma ação reveladora do sentimento de injustiça que aqui todos têm perante o que nos aconteceu. Iremos lutar até ao fim, por uma questão de dignidade e de manutenção da nossa idoneidade e do nosso bom nome, como instituição com quase 60 anos de vida, que foi de forma soez tratada ao mais baixo nível, propagando ondas de ódio nas redes sociais e na comunicação social”, afirma o presidente da instituição, sublinhando o facto de o relatório ter sido apresentado em primeira mão à comunicação social e não a nenhuma entidade com responsabilidades na área.
“Nós tínhamos a nossa consciência tranquila, estávamos tristes, muito abatidos, mas tranquilos. E, curioso, no dia que essa entidade decidiu divulgar na comunicação social, de forma grotesca, esse relatório, tínhamos aqui a instituição cheia de reguenguenses a aplaudirem os nossos trabalhadores. Isto, depois, tem requintes de malvadez brutais, pois no dia em que a comunidade nos agradece, temos dois telejornais nacionais a dizerem, de forma mentirosa, que a instituição não tinha plano de salvaguarda. Esta é outra das mentiras”, assevera.
Ultrapassada a situação, a instituição não tira os olhos do futuro. Mesmo sem novos projetos, o futuro é o que preocupa os responsáveis da Fundação: “Neste momento, queremos consolidar esta estrutura, porque estamos convencidos que, como está, nos permite uma vida tranquila em termos de sustentabilidade financeira e uma qualidade de serviço que não queremos perder. Esta é a nossa perspetiva a quatro anos, mas a qualquer momento podem surgir oportunidades que uma instituição destas não pode deixar de aproveitar. A instituição funda-se num edifício secular e o mundo contínua a avançar e nós não podemos viver só com base na história. Se calhar, a 10 anos pode surgir uma perspetiva mais evoluída do que é acolher os nossos velhos e, então, teremos que nos adaptar. Por exemplo, se calhar aqui no nosso território fazia sentido haver aldeias que acolhessem os nossos velhos, num espírito comunitário. E isto que é utópico hoje, pode não o ser daqui a uns anos”.

Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)

 

Data de introdução: 2024-03-13



















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