Dentro de breves dias celebraremos os 50 anos do 25 de Abril. Muitas serão as opiniões sobre a importância desta efeméride. Uns considerarão que nenhum benefício relevante nos trouxe, outros pensarão o contrário. Eu estou do lado do segundo grupo. Vale a pena assinalar, com júbilo, a revolução que derrubou um regime ditatorial e obsoleto. É verdade que nem tudo tem correspondido às nossas expetativas e até pode parecer que estamos pior do que antes. É importante não esquecer que, no antigo regime, muitas informações eram sonegadas pelos “media,” completamente controlados e sujeitos a uma censura oficial. Só sabíamos o que os governantes queriam que pudesse vir a público. Tudo o que pudesse pôr em causa o bom caráter ou desempenho dos servidores do Estado era escondido ou manipulado. Quem ousasse protestar era punido com medidas severas que passavam pela reclusão, e até à morte pelos hediondos castigos infligidos. Os apoios sociais tinham uma forte marca assistencialista e eram escassos face aos problemas sociais existentes. A progressão académica era possível aos que detinham poder económico, e aos graus mais superiores, e salvo algumas raras exceções, só acediam os jovens do sexo masculino. Milhares e milhares de portugueses ainda mantêm cravadas no corpo e na alma marcas deixadas por terem sido obrigados a participarem em guerras, ou a verem os seus filhos e irmãos envolvidos nelas, com o objetivo de negar a autodeterminação de povos que tinham direito a ter a sua pátria. No mundo do trabalho só havia direitos para o patronato, e muitos deveres para os trabalhadores, alguns que tocavam a escravatura, compensados com salários baixíssimos. Lamento que muita gente nascida no pós 25 de Abril não tenha a mínima ideia como viveram os seus pais e avós. Não é, porque não lhes tenham sido narradas estas condições de vida, mas por não terem vivido estas realidades. É que ouvir falar de…, é muito diferente de se vivenciarem as situações que procurei lembrar, e outras que por falta de espaço, conscientemente omiti.
A Revolução de Abril trouxe-nos um dos maiores valores inerentes à condição humana que é a liberdade. A sua negação é uma clara violência de um dos mais fundamentais Direitos humanos. É verdade que a autêntica liberdade não se conquista numa madrugada, pois ela é algo que habita no mais íntimo de cada pessoa. Mas não é desta que se trata, porque ela pode existir em contexto de opressão. O que aconteceu no dia 25 de Abril, foi dada a garantia de a poder utilizar pública e coletivamente, denunciando todas as situações em que este direito primário é posto em causa. Os meios de comunicação social podem funcionar sem constrangimentos. Podemos verbalizar em lugares públicos as nossas razões. Esta possibilidade pode concretizar-se nos mais variados contextos, desde os diferentes estabelecimentos que frequentamos ou ao vir para a rua reivindicando o que se julga serem direitos sonegados, ou demonstrando solidariedade com causas que tomam como justas. É verdade que nem todos conseguem ainda utilizar esta dimensão do seu livre arbítrio, porque desligam este valor humano de um dever que lhe é correlativo. Refiro-me à assunção de responsabilidades. Quem assim procede confunde liberdade com libertinagem. Sem liberdade não há democracia.
Com o 25 de Abril instaurou-se um novo regime político de governança que é a democracia. Quer dizer que o povo é chamado a intervir, cada um a seu nível e em variados setores, na gestão política do país. Depois de 50 anos ainda não se conseguiu tirar deste modelo político todas as suas virtualidades. Não se dá a importância devida á participação cívica, pois para que a democracia funcione mesmo, tem que estar assente na vontade do povo. Refiro-me à dimensão representativa que se alcança com a participação nos atos eleitorais que permitem escolher quem nos governa e representa nas decisões maiores. Para já não falar na outra dimensão que permite ao povo influenciar na correção dos desvios que sempre ocorrem, entre o que os partidos políticos garantem fazer e o que, efetivamente, fazem quer no governo da nação quer no Parlamento. Não é suficiente mostrar desagrado em conversas de café ou de sofá. Esta participação consegue-se com a integração ativa nos chamados órgãos intermédios, como são os sindicatos, a criação de ordens profissionais, movimentos dedicados a várias causas, as IPSS, as coletividades de cultura, recreio e desporto. Em democracia, a prática da subsidiariedade é um procedimento que é obrigatório e tem a possibilidade de influenciar, facto que se torna muito mais difícil em regimes totalitários. Atribui-se a Churchill a afirmação de que: “A democracia é o pior dos sistemas, com exceção de todos os outros.” Há que sublinhar que, até hoje, nunca foi inventada melhor forma de governo pelos homens e para os homens, e que todas as alternativas tentadas se revelaram tragicamente inferiores. Porém é preciso ter sempre bem assumido que os regimes democráticos não são realidades que uma vez alcançadas se possam considerar definitivamente adquiridas. É um processo que corre riscos de se ir esvaziando se não for, constantemente, alimentado.
As IPSS têm dado e devem intensificar os seus contributos para o fortalecimento da democracia participada. Como? Assegurando que as eleições dos Corpos Sociais sejam processos transparentes e tenham como única motivação a boa gestão da instituição e a melhor prestação de serviços, reivindicando, dos que legislam e governam, as melhores condições para conseguirem atingir este desiderato. Por outro lado, garantir que outras exigências democráticas sejam bem acolhidas, como, por exemplo, aceitar o aconselhamento dos trabalhadores e o envolvimento dos utentes ou dos seus representantes nos caminhos a abrir, para o mesmo fim. Importa não faltar aos encontros das instituições que têm a mesma finalidade, pois juntos e unidos serão mais fortes.
Foi o 25 de Abril que nos proporcionou um Estado Social. Para que ele cumpra as obrigações decorrentes, é indispensável a colaboração das IPSS. E isto não se pode delegar.
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