Constituída em 2018, a Cerzir Afetos – Associação de Solidariedade Social de Boidobra é a mais jovem IPSS do distrito de Castelo Branco, por onde a Volta a Portugal da Solidariedade passa esta edição.
O impulso para a criação da IPSS aconteceu perante a realidade de a população da freguesia da Boidobra ter ficado desamparada socialmente depois do encerramento do Centro Paroquial de Santo André, dois anos antes.
“Havia aqui na freguesia uma IPSS que fazia o apoio domiciliário e tinha ainda um Centro de Dia, que era o Centro Social Paroquial de Santo André, que tinha sido constituído no início dos anos 1980”, começa por contar Paulo Jerónimo, presidente da instituição, que prossegue: “Essa instituição prestou, ao longo destes anos todos, o apoio à população, mas também não evoluiu muito para fazer face às necessidades da população, nem sequer em termos de estrutura física. Conforme foi criada assim ficou ao longo dos anos. Ela até teve bastante consistência enquanto houve padres residentes aqui na freguesia. O padre Acácio, que esteve cá 50 anos, foi quem fundou a instituição e sempre lutou por ela, mas quando faleceu os padres que para cá vêm raramente estão aqui mais de dois anos e isso acabou por criar constrangimentos a nível da gestão da IPSS. Em 2016, acabou por declarar insolvência e a Boidobra ficou sem apoio social”.
Perante este cenário, “a Junta de Freguesia da Boidobra, refletindo os anseios da população e a inexistência de respostas sociais, fez um trabalho no sentido de voltar a implementar as respostas sociais que fazem falta na freguesia, mas não era a Junta de Freguesia que iria substituir-se à IPSS”, conta, lembrando que, então, realizou-se uma reunião “para debater o futuro das respostas sociais”.
Dessa reunião nasceram várias ideias, dentre elas a de um grupo de três pessoas que encabeçam a equipa de trabalho para constituir uma instituição.
“Começou-se, então, a constituir a Associação e chegámos aos dias de hoje, com todo este trabalho feito ao longo de seis anos. Primeiro, houve o trabalho de criação de estatutos e demais trâmites legais necessários para constituir a Associação. As primeiras eleições aconteceram no início de 2019 e atualmente já estamos no segundo mandato”, afirma Paulo Jerónimo.
Desde o encerramento do Centro Paroquial até agora, o apoio social à Boidobra tem sido feito por outras instituições do concelho, pelas quais foram distribuídos os utentes da extinta IPSS.
“Também já não eram muitos os utentes, porque nos últimos tempos a qualidade dos serviços caiu muito. Desse período até hoje, as respostas sociais estão a ser prestadas por IPSS da Covilhã e das freguesias vizinhas, como Teixoso ou Vila do Carvalho”.
E se nos últimos tempos do Centro Paroquial os utentes já eram poucos devido à pouca qualidade dos serviços, hoje a situação é diferente.
“A realidade é que a procura é muita e a oferta pouca, ou seja, essas IPSS não conseguem dar respostas às atuais necessidades da população da freguesia. E digo isto porque, a partir do momento em que a Cerzir Afetos foi constituída, as pessoas, pensando que a instituição já estava no terreno, começaram logo a contactar-nos no sentido de se inscreverem nas respostas sociais”, sustenta o presidente da Cerzir Afetos, explicando o trabalho, entretanto, desenvolvido para aquilatar das necessidades da população: “Na altura, fizemos um levantamento das necessidades da freguesia, não só para constituirmos a IPSS, mas também para comprovarmos a necessidade da nossa existência. Foi um trabalho feito porta a porta que serviu de base ao nosso relatório para enviar à Segurança Social e, assim, sermos reconhecidos como IPSS e para que pudéssemos continuar a dar os passos para criar as respostas sociais”.
E as necessidades identificadas junto da população foram a de um SAD e um Centro de Dia.
“A freguesia tem cerca de 3.500 habitantes e, apesar de termos muita população jovem, há muita gente envelhecida. O nosso projeto é de 30 lugares para cada uma das respostas, não só pela questão da necessidade, mas também pela nossa capacidade enquanto pessoas inexperientes na gestão destas instituições. Depois tem que ver com a sustentabilidade do projeto”, argumenta Paulo Jerónimo, acrescentando: “Temos um plano de negócio que, com as respostas a funcionar em pleno, dá-nos essa sustentabilidade”.
O projeto inicial da Cerzir Afetos prevê a formação de uma equipa de 15 funcionários, para cuidarem, no máximo, dos 60 utentes esperados pela instituição.
Depois de uma candidatura ao PARES 3.0, que foi indeferida, a instituição candidatou o projeto de SAD e Centro de Dia, com capacidade para 30 utentes em cada resposta, ao PRR, o qual foi aprovado.
“Inicialmente, candidatámos o projeto ao PARES 3.0, no entanto, a candidatura foi injustamente indeferida”, começa por dizer, explicando: “A realidade é que mudaram as regras a meio do processo, porque o governo não tinha dinheiro para a quantidade de candidaturas submetidas. Nós cumprimos a candidatura na íntegra, as especialidades eram apoiadas pelo próprio PARES, e em momento algum pediram a licença de construção. A decisão final veio indeferida, porque escolheram as candidaturas com maior estado de maturidade, ou seja, aquelas que já tinham licença de construção. A nossa não tinha, porque não era necessário ter. Foi uma maneira pouco airosa de nos descartarem. Apesar de termos uma pontuação bastante elevada, depois não foi aprovada. Como muitas outras instituições, candidatámo-nos, logo de seguida, ao PRR e aí já foi aprovada”.
O projeto da Cerzir Afetos está orçado, sem IVA, em 779 mil euros, com o PRR a comparticipar 488 mil, a Câmara da Covilhã 200 mil, ficando um pouco mais de 100 mil euros à responsabilidade da instituição.
Sem outras receitas, para além das quotas dos associados e de um apoio anual da Junta de Freguesia, e ainda com o encargo de pagar o IVA, se bem que 50% será devolvido, e de equipar o edifício, a instituição recorreu à banca.
“Temos sempre as instituições bancárias, cuja finalidade é ganhar dinheiro, e que ajudam também nestas situações, pelo que vamos contrair um empréstimo, para termos uma almofada financeira para que a obra não pare. Sabemos que o PRR nem sempre anda como era necessário, porque há muita burocracia. A obra já tem mais de um mês e ainda não recebemos nenhum adiantamento, pelo que para evitar interrupções na obra, recorremos a esta almofada financeira. O empréstimo ainda não foi efetivado, mas está tudo encaminhado e tratado para nos serem concedidos 350 mil euros”, sustenta Paulo Jerónimo, deixando um lamento: “O PRR ainda nem um adiantamento deu, mas a Câmara já tem disponível os 200 mil, que são 120 mil este ano, 50 mil em 2025 e 30 mil em 2026, e, assim, conseguimos, para já, ir pagando ao empreiteiro. Já temos programadas algumas atividades de angariação de fundos junto da população. Apesar da freguesia não ser de muitos donativos, com essas iniciativas previstas é sempre algum dinheiro que entra para contribuir para a sustentabilidade”.
Apesar de alguma desconfiança por parte de alguns habitantes de Boidobra, a adesão à nova Associação tem sido boa.
“No início tínhamos 150 sócios e no final de março tínhamos mais 30 associados. Isto mostra que as pessoas estão atentas. Fizemos uma campanha de angariação de sócios e de sensibilização para a consignação do IRS, em que fomos porta a porta, e obtivemos um feedback muito bom, com várias pessoas a querem fazer-se sócias”, revela Paulo Jerónimo, sublinhando a importância dos associados: “Os associados têm sido o nosso sustento ao longo destes seis anos. Houve alguns associados, porque são como S. Tomé, ou seja, ver para crer, que até desistiram, mas a maior parte manteve-se fiel ao projeto. E foram os sócios que patrocinaram a elaboração do projeto e demais démarches que tivemos de cumprir para chegarmos onde estamos hoje”.
Depois de contar que ainda há poucos dias um casal que tinha desistido de ser sócio, perante o início da obra, solicitaram nova adesão, disponibilizando-se para pagar todas as quotas que não pagaram desde que desistiram até agora, Paulo Jerónimo diz-se entristecido com a falta de confiança de alguns boidobrenses.
“Ao longo destes seis anos, apenas seis anos, de vida desta associação há coisas que me deixam entristecido com alguns dos meus conterrâneos. E isto não é uma crítica, porque há muitos que acreditaram no projeto desde o princípio e, depois, não sou uma pessoa desconhecida na freguesia! Houve pessoas que, quando o antigo Centro de Dia fechou de um dia para o outro, pensaram que no dia seguinte abria um novo e não tiveram capacidade de esperar que o trabalho se desenvolvesse. E começaram logo as críticas de que não íamos conseguir pôr de pé o projeto. Agora, o edifício está a ser construído, ainda há quem diga: ‘Agora, vamos ver quando é que está pronto’. Isto faz-me pensar que, quando estiver pronto, vão dizer: ‘Agora, vamos ver se conseguem meter lá gente e se conseguem funcionar’. Felizmente, não são todos assim”, sublinha o presidente da instituição.
A Cerzir Afetos nasceu, provavelmente, na pior altura em que podia ter nascido devido à pandemia e isso confirma-o Paulo Jerónimo: “Foram dois anos muito negativos para nós, porque não tínhamos, nem temos ainda, respostas sociais em funcionamento. Éramos apenas a Direção e foram dois anos em que não pudemos desenvolver contactos, em especial o porta a porta. No fundo, foram dois anos em suspenso. No entanto, em termos administrativos, funcionámos sempre, em termos de visibilidade junto da população é que as coisas ficaram paradas”.
Em fevereiro, foi lançada a primeira pedra do edifício que vai albergar a instituição e as respostas sociais, um equipamento que os responsáveis pela instituição pretendem que seja “diferenciado e inovador, tal como os serviços a prestar”.
“O próprio diretor da Segurança Social afirmou, no lançamento da primeira pedra, que é um edifício diferente. E esta nossa ambição também foi uma mais-valia para a candidatura, porque o projeto contempla uma sala snoezelen, um miniginásio e um jardim sensorial. Ou seja, o Centro de Dia não é apenas para ter as portas abertas e acolher os utentes, queremos, para além disso, estimular as pessoas”, refere, revelando que o tempo previsto para a conclusão da obra “não chega a dois anos”.
No âmbito do PRR ou do PARES 3.0, muitas instituições têm sentido grandes dificuldades em iniciar as obras dos projetos aprovados, porque com a diferença de preços entre a data de aprovação e a dos concursos públicos é grande e muitos concursos têm ficado desertos ou com um custo muito acima do inicialmente previsto.
No caso da Cerzir Afetos, a confiança do arquiteto no trabalho feito e uma estratégia ousada da instituição, acabaram por não levantar obstáculos ao processo, tendo a obra sido adjudicada logo ao primeiro concurso público. Ainda assim, a preocupação foi grande.
“Não tivemos dificuldade em encontrar empreiteiro, mas houve muito receio da nossa parte. Em julho de 2023 assinámos o contrato e em novembro foi lançado o concurso público, mas antes houve toda aquela fase preparatória. Nós assustámo-nos a sério foi quando fizemos uma consulta prévia ao mercado para sabermos por quanto é que poderíamos lançar o concurso público. Tínhamos uma estimativa orçamental do gabinete de arquitetura que nos dava um valor um pouco abaixo do que aquele por que foi adjudicada a obra. Porém, por causa da variação de preços de mercado, quem estava a acompanhar o processo disse-nos para fazermos uma consulta prévia para que nos dessem preços de mercado e assim o concurso público não ficasse deserto. Nós nunca pensámos é que as empresas apresentassem valores astronómicos! A obra foi adjudicada por 779 mil euros, mas tivemos orçamentos de 1,2 milhões de euros! Quase o dobro. Perante aquilo assustámo-nos, porque não tínhamos hipótese de chegar àqueles valores. Andámos receosos, porque temíamos que o concurso ficasse deserto. No entanto, o arquiteto disse-nos que as empresas da zona estavam era a fazer lobby, que aqueles preços eram de doidos. O arquiteto defendeu a qualidade do orçamentista e que o projeto estava bem feito e os preços bem calculados, pelo que insistiu no valor calculado inicialmente”, recorda Paulo Jerónimo, contando como o desenlace foi positivo: “Então, colocámos a obra a concurso por 800 mil euros e surgiu esta empresa da Guarda com um valor ligeiramente acima do arquiteto, mas abaixo do proposto a concurso. Afinal, ele tinha razão e foi logo ao primeiro concurso. Sei de outras instituições aqui do concelho que tiveram que ir até três concursos e tiveram de aumentar o valor, mas nós, felizmente, as coisas correram bem”.
Habitualmente a pergunta seria ‘Como seria a Boidobra sem a Cerzir Afetos?’, mas neste caso: Que grande mais-valia vai a Cerzir Afetos trazer a Boidobra?
“A Cerzir Afetos tem, desde já, mexido bastante com a freguesia. E esta obra que estamos a fazer, em termos de investimento público para o serviço da população, é dos maiores investimentos financeiros realizados na freguesia de Boidobra nos últimos 30 anos. Um dos maiores foi a construção de um bairro de habitação social, onde o nosso equipamento vai estar inserido. Mas só por isto, a Cerzir Afetos já está a dar um grande contributo a Boidobra”, começa por referir Paulo Jerónimo, que acrescenta: “Depois, acho que era muito mau a Boidobra não avançar com um projeto destes, pois é a única freguesia do concelho da Covilhã que não tem qualquer resposta social própria. A Boidobra não será a mesma quando a instituição estiver a funcionar, porque as pessoas precisam e é um projeto meritório e inovador”.
Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)
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