PAULO PEDROSO, SOCIÓLOGO, EX-MINISTRO DO TRABALHO E SOLIDARIEDADE

Habitação duradoura – a resposta que falta aos sem abrigo

As pessoas em situação de sem-abrigo na Europa, em 2023 serão cerca de 900 mil, segundo a estimativa da FEANTSA (Federação Europeia das Associações Nacionais Trabalhando com os Sem-Abrigo)[1]. Se aplicarmos o método de cálculo da estimativa da FEANTSA à população residente em Portugal, chegamos a uma estimativa nacional de cerca de 18 mil pessoas.

O Inquérito de Caracterização das Pessoas em Situação de Sem Abrigo em Portugal, promovido pela Estratégia Nacional para a Integração de Pessoas em Situação Sem Abrigo recenseou a 31 de dezembro de 2022, um total de 10773 pessoas nesta situação[2].

O número real deve estar algures no intervalo entre os dois cálculos, influenciados pelo conceito e pelo método de recolha e estimativa de totais, as duas fontes coincidem em que as pessoas na situação em causa seguem uma tendência de subida, em Portugal e na Europa.

A realidade desmentiu os otimistas, como o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa e a então Ministra Ana Mendes Godinho, que coincidiram em relacionar a Estratégia Nacional para a Integração de Pessoas em Situação de Sem-Abrigo 2017-2023, com o objetivo de erradicação das pessoas em situação de sem abrigo em Portugal.

A Estratégia Nacional foi alvo de uma avaliação independente ex-post. Uma iniciativa que merce aplauso, já que escasseiam ainda as políticas, planos e estratégias devidamente avaliadas, para que se possa aprender em tempo as lições da sua execução.

Dessa avaliação, realizada pela Quaternaire Portugal[3], destaca-se que foi executada a maioria das atividades e ações a desenvolver para a prossecução dos seus objetivos. Mas identificam-se também dois aspetos críticos anotados pelos avaliadores. Um sobre o conceito e outro sobre os meios.

O próprio conceito de pessoa em situação de sem abrigo (PSSA) continua por estabilizar. Concluem os avaliadores: “Para o conhecimento do fenómeno, têm particular importância ações relacionadas com o conceito de PSSA para permitir uma intervenção com princípios e orientações uniformes, pois, ainda, é notória uma diversidade de interpretações do critério, o que tem implicações quer ao nível da intervenção e prevenção do fenómeno, bem como ao nível da caraterização de PSSA.” (p. 41).  Também não estão a ser estudadas as causas e os fluxos que conduzem as pessoas à situação de sem abrigo. Nas palavras dos avaliadores: “importa referir que o processo atual de caraterização de PSSA realizado anualmente, apenas permite ter um retrato estatístico à data da recolha de informação, não permitindo conhecer os fluxos realizados, nem os nexos de causalidade associados às ações realizadas.” (p. 41).

A Estratégia lutou também com a falta de recursos para a promoção de respostas de longa duração. Segundo os avaliadores “Apesar de as necessidades diagnosticadas estarem reconhecidas ao nível das atividades da ENIPSSA, a falta de respostas, sobretudo em matéria de habitação, condiciona a eficácia da intervenção da estratégia junto de PSSA. A escassez de respostas de longa duração condiciona o tempo de permanência de PSSA em centros de acolhimento temporário, levando ao estrangulamento destas respostas que ficam com a sua capacidade de acolhimento muito limitada.” (p. 42).

Consequentemente, os avaliadores incluíram no seu relatório uma recomendação de aumento das soluções de longo prazo: “recomenda-se o aumento de soluções de alojamento de longa duração, nomeadamente projetos Housing First, apartamentos colaborativos ou apartamentos partilhados, e outras soluções para públicos que não têm uma resposta adequada.” (p. 45)

Na ótica dos avaliadores, que partilho, estamos a agir, mas sem termos trabalho suficiente sobre as causas e os fluxos que levam as pessoas à situação de sem abrigo e estamos a desenvolver respostas temporárias, mas que ficam estranguladas pela ausência de respostas suficientes de longo prazo, que levam à pressão e estrangulamento das respostas temporárias.

Abre-se agora um novo ciclo de intervenção, mas a fragilidade detetada pode perpetuar-se.

O município de Lisboa, que só por si concentra mais de 30% das PSSA recenseadas a nível nacional, acaba de aprovar o seu segundo Plano municipal nesta área, para vigorar até 2030. Mas só uma alteração na 25ª hora, apresentada pelo BE e aprovada pela oposição, à qual a coligação que governa o município se opôs, é que o põe a caminhar com alguma rapidez no sentido do aumento das respostas de habitação duradoura, prevendo até mais 400 casas em Housing First até ao fim do presente mandato autárquico.

Voltando ao plano nacional, foi já lançada a ENIPSS 2025-2030, plena de princípios adequados[4]. Mas cujos meios e condições de sucesso dependem de planos de ação e recursos que nela não são definidos. De novo, nenhuma referência a recursos. Quanto a metas quantificadas, há uma exceção, a definição da meta “assegurar que ninguém tenha de permanecer na rua por mais de 24 horas”. Sendo limitada, seria um passo de gigante. Mas para ser eficaz na inclusão, teria de ancorar-se em respostas de longa duração, que mobilizem meios que está ainda por ver se existem. Caso contrário, pode começar já a preparar-se a terceira fase de planos com as mesmas ambições e metas, que o problema persistirá.


[1]FEANTSA, Eighth Overview of Housing Exclusion in Europe – 2023, acessível em  https://www.feantsa.org/public/user/Resources/reports/2023/OVERVIEW/Rapport_EN.pdf

[2] ENIPSSA,           Inquérito Caracterização das Pessoas em Situação de Sem-Abrigo - 31 de dezembro 2022 – Quadros. Acessível em https://www.enipssa.pt/documents/10180/11876/Inqu%C3%A9rito+Caracteriza%C3%A7%C3%A3o+das+Pessoas+em+Situa%C3%A7%C3%A3o+de+Sem-Abrigo+-+31+de+dezembro+2022+-+Quadros/b40f70be-40c0-478d-af46-f84b035dd57b

[3] Quaternaire Portugal, Aquisição de serviços de consultoria para avaliação ex-post da estratégia nacional para integração de pessoas em situação de sem abrigo (ENIPSSA 2017-2023) Relatório final Volume I, acessível em

 https://www.enipssa.pt/documents/10180/11876/Relat%C3%B3rio+Final+-++VOL+I/8547e0ca-630f-4119-ae87-bd4f4149712c

[4] Resolução do Conselho de Ministros n.º 61/2024, de 2 de abril de 2024

 

Data de introdução: 2024-06-05



















editorial

IDENTIDADE E AUTONOMIA DAS IPSS

As IPSS constituem corpos intermédios na organização social, integram a economia social e são autónomas e independentes do Estado por determinação constitucional.

Não há inqueritos válidos.

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EUGÉNIO FONSECA

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Nas últimas eleições para o Parlamento Europeu foi escandaloso o nível de abstenção. O mesmo tem vindo a acontecer nos passados atos eleitorais europeus

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