As migrações não são um fenómeno novo na história global, assim como na do nosso país, desde os seus primórdios. Nem sequer se trata de uma realidade casual. A nível internacional, ao longo dos tempos, ele tem-se verificado até, conforme as suas etapas, um fator balizador da economia internacional. Foi notório no século XIX, como é, hoje, em muitos países de vários continentes, que se progrediu consideravelmente em vários domínios de interdependência, através dos fluxos transnacionais de determinadas mercadorias, de Capitais, de Ideias e de Pessoas.
A mudança de milénio veio acompanhada por uma intensa revitalização das correntes migratórias internacionais ao ponto de converter este fenómeno, segundo algumas correntes políticas, num risco para as gerações vigentes. Por outro lado, constata-se uma monstruosa insensibilidade perante os perigos que correm os imigrantes para terem acesso a países que os possam livrar da morte e da fome. É verdade que a Europa, sobretudo a Itália e a Grécia, têm sido as mais procuradas por estas pessoas que procuram a liberdade para o corpo e espírito. Mas, também, não podemos escamotear que os líderes políticos europeus nunca conseguiram chegar a um acordo para uma justa distribuição equitativa destes imigrantes, e muitos deles até refugiados, por cada país. O que tem vindo a acontecer é que, encavalitados no medo provocado pelo desconhecimento das culturas étnicas que se misturam com os autóctones, determinadas forças políticas têm desenvolvido, demagogicamente, retóricas que “tranquilizam” o povo, mas não lhe dizem que estamos perante uma realidade inultrapassável, enquanto a paz não for uma garantia e o desenvolvimento socioeconómico mais justo. A propósito de determinadas argumentações políticas-partidárias, a este propósito, o Papa Francisco é claro ao afirmar: «Ainda por cima, «nalguns países de chegada, os fenómenos migratórios suscitam alarme e temores, frequentemente fomentados e explorados para fins políticos. Assim se difunde uma mentalidade xenófoba, de clausura e retraimento em si mesmos». Os migrantes não são considerados suficientemente dignos de participar na vida social como os outros, esquecendo-se que têm a mesma dignidade intrínseca de toda e qualquer pessoa. Consequentemente, têm de ser eles os «protagonistas da sua própria promoção». Nunca se dirá que não sejam humanos, mas na prática, com as decisões e a maneira de os tratar, manifesta-se que são considerados menos valiosos, menos importantes, menos humanos. É inaceitável que os cristãos partilhem esta mentalidade e estas atitudes, fazendo às vezes prevalecer determinadas preferências políticas em vez das profundas convicções da sua própria fé: a dignidade inalienável de toda a pessoa humana, independentemente da sua origem, cor ou religião, e a lei suprema do amor fraterno.»[1].
Segundo as estatísticas, regularmente, divulgadas pelos Organismos mais dedicados aos fluxos e integração de imigrantes no nosso país, podemos concluir que, apesar de alguns casos não previsíveis e normais, a maioria dos milhares de imigrantes radicados em Portugal tem trazido muitos benefícios para o nosso país. O mais importante é, sem dúvida, a afluência da mão-de-obra necessária em muitas áreas onde é difícil encontrar, gente nossa, disponível para o trabalho, quando temos uma taxa de desemprego que vai oscilando entre os 6 e 7 %. A justificação está nos baixos salários que são pagos aos imigrantes, mas que, comparativamente, ao salário médio dos seus países se revelam muito favoráveis. Muitos destes postos de trabalho incluem-se num importante setor de economia subterrânea que funciona à margem das leis laborais.
Para além das condições de alojamento e de trabalho, que, em algumas situações, nada se diferenciam da escravatura, os empregadores sem escrúpulos não pagam impostos, nem contribuições para a Segurança Social. Todavia, não podemos olvidar que está a ser muito significativa a percentagem de contribuições para a Segurança Social proveniente dos imigrantes que conseguem – são um número muito significativo – trabalhar com contrato e cumprindo todas as normas laborais estabelecidas. Quer dizer que o seu contributo tem sido importante para o alargamento do sistema Público de Pensões para muitos mais anos. Não se pode negar, porque os números não enganam, que o trabalho dos imigrantes tem contribuído para o crescimento económico da nossa pátria lusa. Um dos aspetos positivos que os imigrantes nos têm trazido é, apesar de ténue, a correção da inversão demográfica, ou seja, estar a contribuir para o aumento da base da juventude, num Portugal que está a ficar muito envelhecido. Algumas destas crianças de diferentes nacionalidades, decerto, já frequentam as creches, Pré-Escolares e CATLs das nossas IPSS. Seria interessante e motivador que a CNIS ou alguma instância de ensino superior fizesse um estudo e o publicasse sobre as relações “entre-culturas”: potencialidades e dificuldades no contexto a que aludi. Penso que poderia ser um excelente contributo para desfazer estigmas ou até mesmos laivos de xenofobia e racismo que já vão salpicando Portugal. Retorno ao pensamento do Papa Francisco que, neste sentido, nos faz um apelo veemente ao afirmar «…exorto os países a uma abertura generosa, que, em vez de temer a destruição da identidade local, seja capaz de criar novas sínteses culturais. Como são belas as cidades que superam a desconfiança doentia e integram os que são diferentes, fazendo desta integração um novo fator de progresso! Como são encantadoras as cidades que, já no seu projeto arquitetónico, estão cheias de espaços que unem, relacionam, favorecem o reconhecimento do outro!»[2]
São de relevar os desafios que se podem alcançar em matéria de convivência, de regulação da imigração e a obtenção dos máximos benefícios possíveis do empenho dos imigrantes. Tal objetivo passa pelo abrir a porta a uma etapa de um novo desenho de políticas públicas e transnacionais relativas à gestão das fronteiras. As seguranças de contratação nos locais de origem e destino apontam para a necessidade de modalidades mais abertas de imigração temporal e circular. Estas serão apenas algumas ideias numa aproximação multilateral que evite tratar um dos grandes problemas mundiais de forma desregulada e com interesses meramente economicistas.
Por fim, quero deixar claro que a pobreza, o desemprego e o subdesenvolvimento não se erradicam com a imigração. mas com processos de desenvolvimento integrais e integradores. A massiva imigração que hoje vivemos é um reflexo da necessidade cada vez mais óbvia de políticas eficazes de desenvolvimento que recuperem a confiança no desenvolvimento dos seus próprios países.
Eugénio Fonseca
[1] Cf. FRANCISCO, Carta Encíclica Fratelli Tutti (3 de outubro de 2020), Paulinas Editora- Secretariado Geral do Episcopado, Prior Velho 2020, 39.
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